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Comunidade de Canabrava em MG tem entrega do TAUS adiada e segue em vulnerabilidade

Após anos de violência e criminalização, pescadores e pescadoras artesanais foram surpreendidos pelo adiamento e ainda esperam resposta concreta do Estado sobre regularização fundiária

22-08-2025
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do CPP | Fotos: Arquivo da Comunidade de Canabrava

A Comunidade Tradicional Pesqueira e Vazanteira de Canabrava, no Norte de Minas Gerais, foi surpreendida com o adiamento da entrega do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), marcado para o dia 19 de agosto, documento aguardado há anos como forma de garantir segurança jurídica ao seu território. A decisão, tomada após parecer do jurídico da União em Minas Gerais, desconsiderando o histórico de violência, expulsões e vulnerabilidade da comunidade, que desde 2005 resiste às margens do rio São Francisco.

Uma história de luta invisibilizada

Desde meados dos anos 2000, a Comunidade de Canabrava, localizada às margens do rio São Francisco, em Buritizeiro (MG), enfrenta uma trajetória marcada por perseguições, criminalização e violência. Organizada coletivamente para reivindicar o direito ao território tradicional, a comunidade viu seu modo de vida ser ameaçado por grileiros, fazendeiros e grandes empreendimentos. Em 2017, mesmo com decisão judicial favorável, sofreu um despejo violento que resultou na destruição de casas e pertences, além de ameaças armadas e criminalização de lideranças e agentes pastorais. Desde então, as famílias vivem sob constante insegurança, sofrendo pressões para abandonar a área.

Apesar da mobilização constante e de diversas denúncias públicas, inclusive em instâncias internacionais, a situação permanece crítica. Em 2023, a comunidade enfrentou nova tentativa de despejo, suspensa após forte articulação. No início de 2025, mais um episódio de violência ocorreu com a invasão do território por gado, que destruiu plantações e a sede comunitária. A negativa repetida da emissão do TAUS por parte do Estado agrava ainda mais o cenário. Mesmo diante de tantas violações, a comunidade segue resistindo com coragem, reafirmando seu vínculo com o território e o direito de viver do rio e da terra.

Em 6 de maio de 2025, a Comunidade realizou a ocupação da sede da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) em MG para exigir a emissão imediata do TAUS. A ação, articulada com o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP), comunidades quilombolas e vazanteiras da região, sindicatos, do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP/MG-ES), e organizações de direitos humanos, foi uma resposta ao longo histórico de omissão do Estado e violência contra os povos das águas. Com três gerações presentes na ocupação, a comunidade reafirmou seu direito ao território tradicional e cobrou providências concretas frente às recorrentes ameaças, despejos e tentativas de expulsão que enfrentam há quase duas décadas.

Após a ocupação, a Comunidade permaneceu em Belo Horizonte e participou de uma reunião pública articulada junto à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de MG. Como resultado da mobilização, a SPU/MG assumiu publicamente o compromisso de publicar até 31 de maio o relatório final de demarcação das áreas da União no Norte de Minas e, em seguida, processar e outorgar o TAUS para Canabrava.

Indignação e resistência: comunidade cobra resposta do Estado após novo adiamento do TAUS

O pescador artesanal Clarindo dos Santos, morador da Comunidade de Canabrava, expressou indignação com o recente adiamento da entrega do TAUS, prevista para 19 de agosto. “A comunidade está revoltada, indignada por mais uma vez a SPU nos enrolar e adiar a entrega do nosso TAUS”, afirmou. Ele destacou que a expectativa era grande e que todos estavam organizados para receber o documento que garantiria segurança jurídica e dignidade às famílias. Segundo Clarindo, a decisão da SPU pode ter sido influenciada pelos interesses dos latifundiários. “A SPU, com certeza seguindo os apelos do latifundiário, adiou a entrega desse TAUS, e sem data determinada para que fosse tratada a outra entrega”, denunciou.

Clarindo relatou que a comunidade vive há quase 20 anos em situação de extrema vulnerabilidade às margens do rio São Francisco, resistindo em um espaço reduzido e precário. “A comunidade já não resiste mais tanta violência”, lamentou o pescador. Ele ressaltou que o TAUS representa autonomia para defender os recursos naturais dos quais dependem para viver. “Precisamos dessa regularização fundiária para ter mais autoridade para preservar, para tirar dos ataques dos latifundiários esses recursos naturais, pois eles são a nossa fonte de vida”, explicou. Diante do descaso, ele foi enfático: “Seguimos indignados, repudiando, mais uma vez, a negativa da SPU de entregar o nosso TAUS”. Ao cobrar respeito aos direitos tradicionais garantidos por lei, Clarindo reafirmou o compromisso da comunidade:

“Vamos continuar na luta, lutando pela regularização fundiária do nosso território. Precisamos da nossa liberdade territorial”, concluiu.

Esperança frustrada: pescadora denuncia insegurança e cobra regularização do território

A pescadora e vazanteira Rosimeire Santos, da Comunidade de Canabrava, expressou sua profunda indignação diante do novo adiamento da entrega do TAUS. “A gente só quer trabalhar, viver em paz, poder deitar, no outro dia levantar e saber que a gente tem segurança, que a gente não vai ser exposto mais uma vez”, salientou. Rosimeire destacou o desejo de garantir às futuras gerações o direito de viver no território onde seus antepassados viveram, sem o medo constante de novos despejos.

Para Santos, o que está em jogo é o direito básico à tranquilidade. “Só quero isso, é isso que a gente pede. A gente não quer nada mais, a gente quer viver em paz, quer viver em segurança, quer viver cheio de esperança que amanhã vai ser melhor”, desabafou. No entanto, a repetição das negativas por parte da SPU tem aprofundado o sentimento de frustração.

“É muito triste saber que todo mundo estava aqui esperançoso. É muito, muito ruim mesmo a gente não poder viver em paz”, finalizou a pescadora. 

Apesar de decisões judiciais anteriores e de um processo ativo na 3ª Vara Federal de Montes Claros (MG), a SPU-MG continua prorrogando prazos e agora alega que o TAUS só pode ser concedido para quem “ocupa de fato” o território, ignorando o deslocamento forçado da comunidade e a impossibilidade de permanência plena por conta das ameaças e violências históricas.

TAUS: instrumento de justiça travado por burocracias e pressões políticas

O TAUS é o principal instrumento que pode assegurar o direito à permanência e à reprodução do modo de vida tradicional de Canabrava. No entanto, mesmo com todos os elementos favoráveis e com apoio de diversos órgãos, como o Ministério Público Federal, o parecer jurídico atual da União em MG se mostra, pelo que parece, alinhado com interesses do latifúndio e grandes empreendimentos, travando o processo.

Indignação diante da morosidade e dos interesses do capital

Para o CPP, regional MG e ES,, é inadmissível que, enquanto a SPU adia indefinidamente a regularização fundiária da Comunidade de Canabrava, áreas públicas sigam sendo negociadas com o capital privado. A morosidade do Estado em garantir o direito das famílias contrasta com a celeridade das transações econômicas: parte do território reivindicado pela comunidade, pertencente à União, foi vendido por mais de R$ 12 milhões, segundo as agentes de pastoral. A última parcela dessa negociação foi quitada no dia 25 de maio, aprofundando ainda mais a situação de injustiça e vulnerabilidade vivida pelas famílias pesqueiras e vazanteiras.

Documentário intensifica à resistência e revela urgência por justiça territorial

Lançado nesta quinta-feira (21), o documentário “Povos da Beira D’água – Comunidade de Canabrava” retrata com sensibilidade a vida, a cultura e a resistência das famílias que, há mais de duas décadas, enfrentam despejos, perseguições e o risco constante de perder seu território tradicional às margens do rio São Francisco. O filme revela o cotidiano de um povo que constrói sua existência a partir da pesca, da agricultura de vazante e da relação espiritual com o território que chamam de sagrado. Em meio a barracos de lona e ameaças recorrentes, a comunidade reafirma seu direito de permanecer em paz no lugar onde gera vida, alimento e pertencimento.

A obra é também uma homenagem à luta coletiva, apoiada por pastorais e organizações como o CPP, que acompanham e fortalecem a caminhada da comunidade, sobretudo ao legado de Ir. Neusa Francisca que dedicou sua vida junto com o povo de Canabrava. A comunidade segue unida e em luta por dignidade, aguardando uma resposta definitiva do Estado brasileiro, que reconheça o território tradicional e ponha fim às violências sistemáticas enfrentadas.

Serviço

  • O quê? Denúncia sobre o adiamento da entrega do TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável) à Comunidade Tradicional Pesqueira e Vazanteira de Canabrava (MG), que aguarda há anos pela regularização fundiária de seu território tradicional às margens do rio São Francisco.

  • Situação atual: A entrega do TAUS, prevista para o dia 19 de agosto de 2025, foi adiada após parecer jurídico da União em Minas Gerais, que desconsidera o histórico de expulsões, ameaças e deslocamentos forçados sofridos pela comunidade.

  • Contato para entrevistas e informações: 

  1. Pescador Clarindo Pereira dos Santos - canabravaburitizeiro@gmail.com;

  2. Agentes do CPP Regional MG e ES - cppminasgerais@gmail.com;

  3. Assessoria de Comunicação do CPP Nacional: comunicacao@cppnacional.org.br  

Linha de ação: 

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