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Roda de conversa reúne comunidades pesqueiras e especialistas contra a exploração de petróleo na Foz do Amazonas

Evento promovido pela Campanha Mar de Luta reuniu pessoas de diversas regiões do Brasil para denunciar os impactos do petróleo e fortalecer a resistência contra os novos projetos de exploração na Amazônia e na costa brasileira

28-03-2025
Fonte: 

Assessoria de Comunicação da Campanha Mar de Luta. 

Na noite de quinta-feira (27), a Campanha Mar de Luta realizou uma roda de conversa virtual reunindo diversos participantes, entre pescadores e pescadoras artesanais, agentes pastorais, pesquisadores, lideranças quilombolas e militantes de diferentes regiões do país. O objetivo foi compartilhar experiências de resistência, denunciar as violações provocadas pela indústria do petróleo e fortalecer a mobilização contra os projetos em curso na Foz do Amazonas e em toda a Margem Equatorial.

A atividade começou com uma mística conduzida por mulheres pescadoras, que trouxeram os elementos simbólicos da Terra, da Água e da Luz para marcar o cuidado com a vida e os territórios. “A Terra é nossa mãe. Sem a terra, até as águas são destruídas”, disse Dona Celeste, do Piauí, que também celebrou seu aniversário na ocasião. Um vídeo sobre a biodiversidade da Amazônia abriu o encontro, seguido de um minuto de silêncio pelas vítimas do crime do petróleo de 2019 e de tantos outros desastres socioambientais.

Memória e denúncia: o crime de 2019 ainda dói

A primeira fala da noite foi de Isabel Chagas, pescadora artesanal de Alagoas, com um relato potente sobre os impactos duradouros do crime do petróleo de 2019, que segue sem reparação. Ela recordou o início do desastre, “Em setembro de 2019, no mais exato dia 6 de setembro, véspera de um feriado, começaram a aparecer as grandes manchas de petróleo na praia. A gente não sabia lidar com aquilo. Muita gente se contaminou”, disse. Isabel contou que o crime destruiu a pesca artesanal e afetou principalmente as marisqueiras, “Muitas abandonaram suas lutas pela pesca. Hoje estão trabalhando nas cozinhas de outras pessoas, em pousadas, em outros setores, mas abandonaram a pesca”. Segundo ela, os danos não foram apenas ambientais e econômicos, mas também físicos e psicológicos, “As pessoas sofreram, principalmente as mulheres de baixa renda, que não têm outro meio, que não têm outra fonte de renda a não ser tirar dos mariscos e tirar das praias. Eu acho que, da mesma forma que a gente sofre, outras comunidades também sofrem”. Ainda hoje, segundo Isabel, as comunidades sentem as consequências, sem estudo adequado nem suporte governamental:

“Não houve reparação até agora. Porque não é dois salários mínimos, uma cesta básica, que vai para o meio ambiente que passou cinco anos sem ele se reproduzir”, ponderou Isabel.

O litoral de SP já vive o futuro que ameaça a Amazônia

Já Rodrigo Antunes, pescador artesanal, quilombola do litoral norte de São Paulo e militante do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP), denunciou os impactos da extração de petróleo em seu território. “A situação está bastante delicada, a questão política e econômica em cima da extração de petróleo. O governo montou uma pressão danada”, afirmou. Ele explicou que, mesmo com os poços a 300 km da costa, “desde 2009 a gente tem equipes da Petrobras dentro do território”. Rodrigo critica as chamadas compensações ambientais: “essas compensações que eles dizem que compensam não compensam nada, só aumentam as pessoas da Petrobras dentro do nosso território. Isso também é um impacto que as comunidades vêm sofrendo. Isso é uma opressão”.

Ele relatou que o vazamento ocorrido em 2013, que atingiu o local, “pegou toda a baía aqui das comunidades tradicionais. Os pescadores artesanais, com processos conjuntos com as colônias, até processos individuais, não receberam nada”, explicou o pescador. 

“a gente está falando de uma transição de energia... nem um poço a mais... do jeito que tá indo, não vai ter vida há muito tempo. Aqui o cenário é devastador, vai alastrar poços de petróleo até 2030, uma projeção até 2040”, em tom de alerta, concluiu Rodrigo. 

A dimensão do projeto: ameaça silenciosa e desinformação

Circulam diversas mentiras sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial e na Foz do Amazonas, como destacou o pesquisador Gustavo Moura, oceanógrafo e professor da Faculdade de Oceanografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará (UFPA). “Por mais que esteja rodando algumas mentiras aí, inclusive mentiras mais oficiais, em nível de governo, ministérios etc., estão falando que todos os países da fronteira estão fazendo exploração. Na verdade, a Guiana Francesa não está.” Ele lembra que a Total, empresa francesa que tentou obter licença para atuar na região, “desistiu e os acionistas resolveram não fazer exploração de petróleo nessa área. Foi uma decisão deles”, ressaltou Moura.

Outro ponto abordado por Gustavo diz respeito aos royalties: “Nessa fase não tem royalties. Diferente do que estão falando, que vai ter tantos royalties disso e daquilo. Inclusive alguns prefeitos que fizeram manifestações bem raivosas a favor do licenciamento, são prefeitos que, além de não estarem informados, ou não sei se estão informados ou estão de má fé, estavam doidos por esses royalties”, destacou. Segundo ele, muitos nem mesmo seriam contemplados caso houvesse arrecadação.

O professor também desmente a suposta distância segura entre os poços e a costa: “Muitos ficam falando que está a 300 e tantos quilômetros da costa. Na verdade, ela está a 160. O ponto mais distante desse bloco é de 230 quilômetros.” E alerta para o risco de vazamentos: “Em 2011 teve um acidente com vazamento de óleo hidráulico. A Petrobras demorou por volta de 1 ano a comunicar esse acidente”, afirmou o pesquisador.

Gustavo denuncia ainda que o estudo de impacto ambiental não incluiu diversas comunidades pesqueiras que deveriam estar na área de influência. “Eles fizeram 34 áreas de pesca e, dessas, 8 são áreas descontínuas. E quem é das comunidades de pesca sabe melhor do que eu que não tem área de pesca descontínua. Não tem como você passar de uma área para outra de helicóptero, jatinho ou teletransporte.” Além disso, as delimitações ignoraram comunidades como Bragança (PA), Itarema (CE) e Augusto Corrêa (PA), mesmo com territórios de pesca a apenas 36,8 km dos blocos.

O plano de emergência individual também foi alvo de críticas. “O tempo de resposta vai ser gigantesco”, afirma. “Se precisar de embarcações adicionais, só vindo do Rio de Janeiro. E aí o tempo de resposta vai de 252 a 290 horas.” Para ele, a previsão do uso de dispersantes é alarmante: “Quem conhece esses dispersantes de óleo sabe que é uma bomba. Você joga o dispersante, ele mata a larva de peixe, ele mata peixe, ele mata tudo”, concluiu Moura.

Do Marajó, o alerta vem das margens

O pescador artesanal que vive na região que será afetada se houver exploração na Foz do Amazonas, Nerivaldo Ferreira, de Cachoeira do Arari, Ilha do Marajó-PA, expressou preocupação com os impactos da exploração de petróleo nas comunidades amazônicas. “Quando vê esses acontecimentos, muitas pessoas ficam do lado ainda dessas grandes empresas, apoiando, achando que a gente é besta, que vai perder alguma coisa”, destacou. Para ele, os riscos são concretos e afetam não só quem vive da pesca,

“graves problemas para cada um de nós aqui, pescadores, mesmo para as pessoas que não atuam nessa área, que vão precisar tomar um banho de praia, vão precisar fazer o passeio”, ressaltou Ferreira.

Também reforçou que as consequências podem ser devastadoras, “Esse impacto que vai acontecer, será para a gente principalmente, porque estamos próximos do rio Amazonas, nós moramos aqui numa área que tem a saída no Amapá. É tudo próximo. E isso pode com certeza nos afetar”, disse com preocupação. Reconhecendo o poder das grandes empresas, ele também reafirma sua fé na luta popular, “só existe um poder maior, é de Deus e mais de ninguém. Esse impacto pode ser muito grave para nós. Nós estamos aqui, próximo deles. E é uma coisa difícil lutar contra essas potências, mas não é impossível. A gente sempre vai botar em primeiro lugar a força que Deus nos dá”, concluiu Nerivaldo.

Falta informação, mas sobram riscos!

A agente de pastoral do CPP no regional Norte II, Ediana Tavares, relatou a falta de conhecimento dos pescadores e pescadoras sobre o tema do petróleo e as consequências destes empreendimentos nas comunidades, quando fez uma visita sobre o tema na região ela percebeu essa dificuldade, “Quando nós perguntávamos qual era a visão deles em relação a essa perfuração, eles não sabiam dizer nada”, disse Tavares. Segundo ela, a resposta que mais ouviu dos pescadores foi: “Ah, eu já ouvi falar”.

Ediana destacou que o impacto da atividade petrolífera poderá atingir em cheio as comunidades da região: “Apesar de nós estarmos um pouquinho mais afastados, nós temos todo esse impacto, toda a questão dessas embarcações, toda a questão desse fluxo marítimo”, ponderou e complementou:

“Se acontecer um acidente, pode ser um desastre muito grande mesmo na nossa região, para o nosso meio ambiente, afetando tudo, tudo, tudo: fauna, flora”, afirmou.

Ela questionou o valor dado ao petróleo em detrimento da vida e do alimento, “nós temos que botar na cabeça o que é mais essencial: o petróleo ou a comida? Será que vamos preferir morrer de fome e perfurar um poço de petróleo?”, e completou, “se o pescador não sair para pescar, a nossa alimentação vai diminuir”, alertou Ediana.

Por fim, reforçou o papel da Pastoral dos Pescadores e Pescadoras como mobilizadora social, “nós estamos aqui, prontos para apoiar qualquer luta que vier. Nós juntos fazemos a força. Então a gente não pode deixar jamais essas informações somente para os grandes, para os poderosos. Nós precisamos levar essas informações desses impactos para os pescadores, para que eles possam se alertar”, finalizou a agente.

Denúncias, esperança coletiva e construção de posicionamento

A roda de conversa seguiu com a participação ativa de todos e todas os presentes. Diversas falas trouxeram relatos de vida, denúncias e reflexões sobre os impactos da exploração de petróleo em territórios pesqueiros, com destaque para as violações de direitos, a ausência de consulta às comunidades afetadas e os riscos ambientais já vivenciados em regiões como o litoral do Nordeste e a preocupação com o futuro da Foz do Amazonas. Foram compartilhadas experiências de contaminação por óleo, doenças sem diagnóstico preciso, impactos na renda das mulheres marisqueiras, ausência de medidas de contenção, falta de transparência nos licenciamentos e a perpetuação de falsas promessas de desenvolvimento.

O encontro foi encerrado com uma manifestação coletiva de resistência. A campanha Mar de Luta reafirmou sua oposição à exploração de petróleo nas regiões pesqueiras, denunciando as múltiplas violações cometidas contra comunidades tradicionais ao longo dos anos e reforçou seu compromisso com a defesa da vida, dos territórios e dos modos de vida das comunidades pesqueiras, e convidou todos e todas a manter viva a luta — seja nas águas, nas ruas, nas redes sociais ou nos espaços de articulação política e jurídica.

Não à exploração de petróleo na Foz do Amazonas e na Margem Equatorial!

Linha de ação: 

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