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"Raízes do Cajueiro": após um ano de despejo forçado, comunidade relata sua história silenciada, suas raízes, lutas e esperanças

Um ano após a ação violenta de despejo de famílias que viviam em 22 propriedades no Cajueiro, comunidade lança uma série de materiais sobre a resistência que se mantém no território.

12-08-2020
Fonte: 

Assessoria de Comunicação da CPT

Em agosto de 2019, a comunidade Cajueiro, localizada na zona rural de São Luís (MA), foi alvo da ação truculenta de cerca de 200 policiais da Polícia Militar e de membros do Batalhão de Choque que desapropriaram famílias que viviam em 22 propriedades. Os moradores e moradoras do Cajueiro travam uma luta contra a empresa WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais para evitar a construção de um porto privado na região. Um ano após o episódio, o lançamento de materiais pela comunidade pretendem relembrar o dia da violência assim como contar suas histórias de luta e resistência.

Leia a carta a seguir e acompanhe os materiais no site e Instagram da comunidade.

 

 

 

 

 


 

Um ano do 12 de agosto de 2019: tentam nos arrancar, mas somos as raízes do Cajueiro

Viemos aqui para contar, para quem não viu nem ouviu ou se esqueceu, os acontecidos do dia 12 de agosto de 2019. Foi numa segunda-feira. Aquele foi um dia que amanheceu com muita tristeza, covardia, violência e luta. Sem aviso prévio, o Batalhão de Choque da Polícia Militar do Maranhão junto com a empresa TUP Porto São Luís chegou para derrubar 22 casas de famílias do território. Foi muita violência. Gás de pimenta jogado contra quem resistia, inclusive em mulher grávida, gente de idade, crianças. Pessoas que chegavam da rua e viam suas coisas todas jogadas num caminhão e a casa derrubada. O desespero de quem não queria perder sua casa e seus bens sendo tratada com violência e menosprezo. Uma criança chegava da escola para almoçar quando viu sua casa sendo destruída pelos tratores. O Governo do Estado do Maranhão preparou a operação de derrubada e não nos disse a data. Isso nunca se pode esquecer.

Nesse mesmo dia 12, tarde da noite, na porta do Palácio dos Leões, alguns de nós resolvemos dormir ali em protesto após a derrubada das nossas casas; queríamos ser recebidos pelo Governador. Ele disse num discurso no dia da sua primeira posse que aquele palácio não teria leões contra o povo. Mas não foi o que sentimos na pele.

Naquela madrugada fomos brutalmente varridos, como se fôssemos “lixo”. Sob o comando pessoal do Secretário de Segurança Pública, o Choque da polícia militar novamente usou gás de pimenta, balas de borracha e bombas de gás contra nós, que tínhamos sido despejados de nossas casas durante o dia e à noite viramos alvo, como se merecêssemos raiva, e não respeito e solidariedade.

Os policiais, a mando do governador, foram covardes com a gente. Balas de borracha foram usadas para expulsar gente de idade, crianças, mulheres. Pessoas que chegaram para nos apoiar também foram atingidas pelo gás, pelas balas, pelas bombas. Um jornalista popular foi preso. Ele é negro. Foi o único levado para a Delegacia.

Tudo isso aconteceu porque desde 2014 uma empresa paulista resolveu que iria construir um porto em cima de nossa comunidade. Eles já chegaram errado, impondo, destruindo, colocando jagunços para nos intimidar e controlar. Isso foi na época em que Roseana Sarney era governadora e eles tinham todo apoio do Governo do Maranhão. Até Audiência Pública no Comando Geral da Polícia Militar, no Calhau, o Governo fez para impedir nosso protesto e calar nossa voz. Quando veio a eleição e o candidato dela perdeu, nosso coração encheu de esperança de que o novo Governador iria nos apoiar, respeitar nossos direitos e mandar essa empresa de volta para São Paulo.

Nossa alegria durou pouco! Em 2016, o Governo interrompeu os diálogos que vinha tendo com a gente, deu a Licença Prévia para o empreendimento, fez vistas grossas para a denúncia da promotoria de Justiça de que o documento de propriedade da terra apresentado pela empresa é grilado. Licenças e decretos foram feitos pelo governo para agradar a poderosa empresa.

Nesse meio tempo, a empresa paulista se juntou com uma empresa chinesa e a pressão sobre nós cada vez aumentou mais. EM 2019, o Governo fez dois novos decretos de desapropriação de áreas da nossa comunidade para favorecer a empresa.

Um deles, o Governador não teve coragem de assinar e foi o Secretário de Indústria e Comércio que assinou, de forma ilegal, pois a Constituição do Maranhão diz que somente o Governador poderia ter assinado. Parece que o governador ficou com vergonha de assinar decreto de utilidade pública para uma área com crime de grilagem investigado pelo Ministério Público. Com base nesse decreto que defende a grilagem mais 5 casas foram derrubadas no início de 2020.

Desde 2014, estamos resistindo para preservar nosso território e sua natureza, nossas matas e áreas de pesca, nossos quintais e nossas casas. Desde 2014, convivemos todos os dias com a violência, com o desmatamento, com o deslocamento de vizinhos, com a prepotência da empresa, com a cooptação de pessoas pela empresa e pelo Governo, provocando divisões e desentendimentos na comunidade, com o desrespeito aos mais velhos e aos que lutam para manter suas raízes.

Quem somos? Somos raízes do Cajueiro: Joca, Davi, Lucilene, Carlos e Ezequias e lutamos para nos manter fincados em nosso território ancestral. Nós amamos essa terra e, apesar de todas as violências e pressões que sofremos, seguimos resistindo. Fazemos parte da história e da raiz desse lugar e, a partir de hoje, nesse canal e no Instagram @raizesdocajueiro, vamos contar a história silenciada do Cajueiro, suas raízes, suas lutas, suas esperanças.

 

 

 

 

Conflito: 

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