Opinião

QUARESMA: tempo de celebrar a esperança por uma conversão ecológica

No tempo quaresmal, somos convidados à reflexão e à ação, unindo fé e compromisso com a Casa Comum. Inspirados pela Campanha da Fraternidade 2025, renovamos nossa missão de cuidar da criação e promover a justiça socioambiental
Autor: 
Pe. Mardônio Brito – CPP/Regional Maranhão

Começamos, mais uma vez, o período quaresmal, tempo de 40 dias que a Igreja propõe como preparação para celebrar os mistérios pascais. Pe. Júlio Lancellotti, na sua homilia da Quarta-Feira de Cinzas de 2017, o define assim: “A Quaresma é como uma estrada, um caminho, um percurso, um itinerário, que quer nos lembrar um longo tempo de transformação e de mudança, que quer nos levar para a Páscoa (...) não nos leva pra dor, nem para o sofrimento, nos leva pra vida, a vida que Deus nos comunica, a vida que é sagrada”. Diante disso, é importante viver esse tempo na perspectiva da alegria. Mesmo que, liturgicamente, sejamos convidados a adentrar na rejeição e nos sofrimentos que passou Nosso Senhor Jesus Cristo, celebremos esse tempo com a consciência de sua libertação para a vida.

Vivenciando o Ano da Esperança, proposto pelo Papa Francisco, queremos viver a Quaresma com os corações cheios de esperança. Mesmo diante das dificuldades que enfrentamos, a vida nos pede que vivamos na certeza de que a “Esperança no Deus da Vida não nos engana” (cf. Rm 5,5). O esperançar quaresmal é uma forma de eliminar de nós o individualismo e o egoísmo, que levam à divisão, à exclusão e à violência.

Ainda sobre viver bem a Quaresma, nos orienta o Papa Francisco, em sua mensagem para este tempo litúrgico em 2025: 

Nesta Quaresma, Deus pede-nos que verifiquemos se, nas nossas vidas e famílias, nos locais onde trabalhamos, nas comunidades paroquiais ou religiosas, somos capazes de caminhar com os outros, de ouvir, de vencer a tentação de nos entrincheirarmos na nossa autoreferencialidade e de olharmos apenas para as nossas próprias necessidades. Perguntemo-nos, diante do Senhor, se somos capazes de trabalhar juntos ao serviço do Reino de Deus, como bispos, sacerdotes, pessoas consagradas e leigos; se, com gestos concretos, temos uma atitude acolhedora em relação àqueles que se aproximam de nós e a quantos se encontram distantes; se fazemos com que as pessoas se sintam parte da comunidade ou se as mantemos à margem. Este é o segundo apelo: à conversão à sinodalidade.

Para além das práticas tradicionais propostas pela liturgia – oração, jejum e caridade –, nosso querido Papa Francisco nos lembra que a conversão quaresmal se concretiza nos gestos de vivência diária: na fraternidade, no caminhar juntos, na ajuda mútua, no respeito ao outro e na defesa da vida.

A Igreja do Brasil se propõe, no período quaresmal, a refletir sobre a fraternidade a partir de um tema atual e urgente. Este ano, a Campanha da Fraternidade traz o tema: “Fraternidade e Ecologia Integral” e a iluminação bíblica: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Aliás, não é a primeira vez que a questão do cuidado com a criação é tema da CF. Ao longo dos seus 61 anos, o cuidado com a Casa Comum esteve sempre presente como temática. O termo “Ecologia Integral” tornou-se evidente nas reflexões do Papa Francisco na carta Laudato Si’, escrita pelo Pontífice em 2015, que, aliás, neste ano celebra seu 10º aniversário.

Ecologia Integral, na visão do Papa, é a consciência de que não podemos pensar a dimensão da natureza de forma isolada. É preciso conciliar a questão ambiental, social, econômica e cultural numa perspectiva coletiva, na certeza de que a natureza está intrinsecamente ligada à nossa dimensão humana. O Papa Francisco expõe: “Quando falamos de ‘meio ambiente’, fazemos referência também a uma particular relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos.”(LS 139)

A palavra conversão aparece com todo vigor nesse período de Quaresma. Infelizmente, muitas vezes, ela é reduzida ao âmbito pessoal, como se as práticas do mal gerassem consequências apenas para a vida espiritual de cada pessoa. Contudo, é necessário lutar por uma conversão que vá além dos projetos individuais de santidade. A dimensão social e coletiva também precisa passar por um processo de conversão, se por tal termo entendemos mudança de vida. O Documento de Aparecida (2007) já orientava para uma conversão pastoral, na qual todas as estruturas eclesiais precisam mudar para atender aos apelos do Senhor, nas novas configurações em que a vida humana está inserida: “A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária. Assim, será possível que ‘o único programa do Evangelho siga introduzindo-se na história de cada comunidade eclesial’ com novo ardor missionário, fazendo com que a Igreja se manifeste como uma mãe que nos sai ao encontro, uma casa acolhedora, uma escola permanente de comunhão missionária.” (AP 370)

Por outro lado, o Papa Francisco adverte que devemos buscar também a conversão ecológica, indispensável para os nossos dias. Nossa piedade deve encontrar sentido no cuidado com a natureza e na preservação da Casa Comum: 

“Se ‘os desertos exteriores se multiplicam no mundo, porque os desertos interiores se tornaram tão amplos’, a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior. Entretanto, temos de reconhecer também que alguns cristãos, até comprometidos e piedosos, com o pretexto do realismo pragmático, frequentemente se burlam das preocupações pelo meio ambiente. Outros são passivos, não se decidem a mudar os seus hábitos e tornam-se incoerentes. Falta-lhes, pois, uma conversão ecológica, que comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial de uma existência virtuosa.” (LS 217)

O cuidado com o meio ambiente está presente na Palavra de Deus. Neste tempo quaresmal, a leitura da Palavra é um caminho essencial de conversão, e nela encontramos a criação como manifestação da beleza divina, comprovando a nossa vocação para o cuidado da Casa Comum. O Papa Francisco nos alerta que o mandamento ao ser humano de cuidar da criação não deve gerar sentimentos de autoritarismo, dominação e uso irresponsável por parte de grupos que detêm certos poderes. Ainda que o ser humano ocupe uma posição superior aos demais seres “não vê a sua superioridade como motivo de glória pessoal nem de domínio irresponsável, mas como uma capacidade diferente que, por sua vez, lhe impõe uma grave responsabilidade derivada da sua fé”.( LS 220)

Nos tempos atuais, crescem as iniciativas de destruição e as diversas formas de violência contra a natureza, que vitimizam tanto o meio ambiente quanto o próprio ser humano, sobretudo os mais vulneráveis. Nossa fé precisa responder ativamente a essas questões de morte no meio ambiente. Assim, neste tempo quaresmal, nosso caminhar conjunto se concretiza na comunhão com os verdadeiros guardiões da criação. Todas as atitudes de preservação e a luta constante pelo cuidado com a Casa Comum reafirmam a missão das Pastorais Sociais da Igreja Católica, que têm se comprometido com uma fé enraizada na vida do povo.

Que Maria, Mãe da Esperança, companheira e intercessora em nossa caminhada, nos fortaleça para que tenhamos uma conversão pessoal, pastoral e ecológica, e continuemos a ser Peregrinos da Esperança de Nosso Senhor Jesus Cristo, numa Igreja sinodal na defesa da vida.

Rezemos a oração da CF 2025:

Ó Deus, nosso Pai, ao contemplar o trabalho de tuas mãos, viste que tudo era muito bom! O nosso pecado, porém, feriu a beleza de tua obra, e hoje experimentamos suas consequências.

Por Jesus, teu Filho e nosso irmão, humildemente te pedimos: dá-nos, nesta Quaresma, a graça do sincero arrependimento e da conversão de nossas atitudes.

Que o teu Espírito Santo reacenda em nós a consciência da missão que de ti recebemos: cultivar e guardar a Criação, no cuidado e no respeito à vida.

Faz de nós, ó Deus, promotores da solidariedade e da justiça. Enquanto peregrinos, habitamos e construímos nossa Casa Comum, na esperança de um dia sermos acolhidos na Casa que preparaste para nós no Céu. 

Amém!