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Roda de Conversa discute os impactos das mudanças climáticas na vida dos pescadores e pescadoras artesanais e explicita a falta de resposta do Estado às situações de urgências

MMA apresentou o processo de construção do Plano Nacional de adaptação às Mudanças Climáticas

03-05-2024
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do CPP

“Pra onde vão nossos peixes que moravam no mar?/ Onde está o caju, riqueza do Ceará?/Já não tem mais a lagosta, não dá mais pra pescar”, o canto entoado no começo da “Roda de Conversa Comunidades Pesqueiras e Política Nacional sobre Mudança do Clima” deu o tom das preocupações que seriam compartilhadas no evento realizado de maneira remota, pelo Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), na tarde de terça-feira (30).

O encontro que teve como objetivos fazer uma reflexão dos impactos das mudanças climáticas sobre as comunidades pesqueiras, propor estratégias de adaptação, além de apresentar a Política Nacional sobre Mudança do Clima com enfoque nas comunidades tradicionais pesqueiras, contou com a participação de pesquisadores, ativistas e pescadores e pescadoras artesanais. Entre os debatedores estavam a pescadora e liderança do MPP do Rio Grande do Sul, Viviane Alves, o agente de pastoral do CPP Norte 2, Pedro Ribeiro e a Diretora do Departamento de Gestão Socioambiental de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Cláudia Regina Pinho.

“Há 14 mil pontos de área de risco no Território Brasileiro e em mais de mil municípios terão eventos de precipitação com muita chuva, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Não vemos, no entanto, esse dado se tornar informação e se transformar numa política efetiva, que ajude as pessoas a não vivenciarem o que vem acontecendo em várias localidades”, refletiu a Secretária de Território e Meio Ambiente do CPP Nacional, Andrea Rocha, em fala durante o encontro.

Os dados de situações de alerta apontam para a emergência climática que tem causando desastres naturais em várias regiões do país, como a vivenciada pelos pescadores e pescadoras artesanais do Rio Grande do Sul. A pescadora Viviane Alves conhece bem essa realidade e compartilhou um pouco dela com os participantes do encontro. As enchentes que assolaram as terras gaúchas em setembro de 2023 ainda têm consequências para as comunidades atingidas. 

“As comunidades perderam a dignidade, porque muitos pescadores estão sem ter onde morar. Muitas famílias estão sem ter sequer o alimento. Quando o Ministro da Pesca e Aquicultura (André de Paula) esteve aqui, em novembro, nós pedimos um auxílio para os pescadores atingidos, mas até agora não fomos atendidos. Tivemos a ajuda de uma cesta básica da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) que não foi o suficiente para todos”, relata a liderança.

A pescadora conta que a enchente destruiu as embarcações, as casas e os trapiches e que os impactos na Lagoa dos Patos ainda não foram sanados. “Todo mundo está sofrendo pelas crises climáticas. Mas nós pescadores e pescadoras não somos os culpados. Algumas comunidades passaram mais de 60 dias sem ter acesso por terra, sendo o acesso apenas por água. A lagoa está se recuperando aos poucos. Ainda não dá para pescar”, lamenta.

Os impactos na pesca também estão sendo vivenciados pelos pescadores do norte do país que sofreram no fim de 2023 com uma forte estiagem. A falta de chuvas levou à diminuição do volume de água de vários rios. “Este ano passado foi muito desafiador, principalmente no rio Amazonas. Igarapés e lagos estiaram. Chegamos a 42 graus de temperatura. O que implicou na desova de várias espécies, como o tucunaré e o tambaqui, que morreram. Foram toneladas e toneladas de pescado morto. Morreu também o peixe boi, que está em extinção. Passamos por fome aqui na região”, explica o agente de pastoral do CPP Norte 2, Pedro Ribeiro, que atua na região da ilha do Marajó, no Pará.

Pedro relata que mesmo com a chuva, as altas temperaturas têm impedido que as espécies se recuperem. “Muitos animais morreram. No início do ano houve muito temporal, chuva muito forte. No momento que está chovendo, no entanto, a água e a terra estão muito quentes”.

O agente lembra também que assim como no Rio Grande do Sul, as pessoas atingidas não receberam nenhuma ajuda governamental. “As pessoas atingidas não receberam apoio de ninguém. A sociedade marajuara, do baixo Amazonas e do baixo Tocantins foram os que ajudaram os pescadores”. 

 

Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais

A Diretora do Departamento de Gestão Socioambiental de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA, Cláudia Regina Pinho, falou sobre a construção do Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais e das contribuições do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) para o Plano Nacional de adaptação às Mudanças Climáticas.

“Estamos dialogando sobre como que as mudanças do clima afetam diretamente o território. Essa agenda das mudanças climáticas é uma das que mais tem a ver com a agenda dos povos e comunidades tradicionais. Ela está sendo proposta a partir da Câmara Técnica do CNPCT, no eixo temático ‘Acesso a território e recursos naturais’ e vai subsidiar a construção do Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais”, explica Cláudia. As contribuições serão adicionadas também ao Plano Nacional de adaptação às Mudanças Climáticas, que está sendo coordenado pelo MMA. 

Ela relata que no atual momento estão sendo colhidos subsídios para a elaboração do Plano. “Nós estamos colhendo subsídios, diretrizes e propostas para o Plano Nacional de Mudança do Clima. Não tivemos nenhuma oitiva e nenhuma oficina, nem mesmo dentro do CNPCT, sobre o plano. No momento estamos elaborando a metodologia, mas a metodologia é o próprio diálogo com os grupos”, explica. De acordo com Cláudia, depois do texto elaborado, ele será novamente submetido ao CNPCT para outras contribuições.

Algumas das coisas que estão sendo pesquisadas pela Câmara Técnica responsável pelo plano, são as ações que já estão em curso e que são iniciativas dos povos e comunidades tradicionais para se adaptarem ao clima. As políticas públicas que estão sendo implementadas e que precisam ser construídas ou reconstruídas nesse processo de adaptação também estão sendo objeto de pesquisas para serem incluídas no plano. Cláudia cita como exemplo o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR). “Como o PNHR pode ter influência para criar mecanismos a partir de iniciativas que já tem em alguns biomas, para a construção de casas já adaptadas às mudanças climáticas? Esse tipo de ação é necessário para que o plano já tenha a adaptação”, reflete. “Nós queremos que o plano já venha como uma temática transversal, trazendo práticas que já estão dando certo”, completa. Cláudia defende que o plano dialogue com a realidade vivenciada pelos povos e comunidades tradicionais. 

Apesar da abertura para a construção colaborativa do plano, falas dos participantes da Roda de Conversa explicitaram uma preocupação com as contradições entre a construção do Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas e a política desenvolvimentista do atual governo que incentiva a expansão da exploração de petróleo e a construção de parques eólicos offshore. 

“Onde que se encontra esse Plano Nacional de adaptação às Mudanças Climáticas com esse modelo que tem a exploração de petróleo, o avanço das eólicas, dos parques de energia solar e dos portos como prioridades? Qual é a estrutura de governo que vai responder às necessidades que estão postas aí? De fome, de adoecimento e de destruição? Se o Brasil continuar nesse mesmo ritmo vai morrer todo mundo, mas os primeiros serão os pretos e os pobres. Onde se encontra esse Plano Nacional de adaptação às Mudanças Climáticas com a macropolítica do Estado desenvolvimentista?”, questionou a agente de pastoral do CPP de Pernambuco, Laurineide Santana.

Cláudia Regina Pinho encerrou a sua participação falando da possibilidade de contribuições ao plano, mesmo que os pescadores e pescadoras artesanais não estejam presentes no Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Uma das formas de contribuir, é enviar propostas para o email dpct@mma.gov.br.

 

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