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Ressurreição entre águas e esperanças: a Semana Santa com o Senhor encarnado na Amazônia

Presidente do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), Dom José Altevir celebrou a Páscoa entre ribeirinhos, quilombolas e pescadores no interior do Amazonas, vivendo o Evangelho nas margens onde a vida resiste e floresce

22-04-2025
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Texto: Henrique Cavalheiro - Assessoria de Comunicação do CPP | Fotos: Dom José Altevir 

No coração da Amazônia, Dom José Altevir, bispo da Prelazia de Tefé (AM) e presidente do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), desamarrou a canoa e partiu em missão. Com o remo nas mãos e o coração no Evangelho, atravessou a Semana Santa junto aos ribeirinhos, quilombolas e povos da floresta e das águas. “Para aquelas comunidades do Setor Curupira, celebrar a Ressurreição de Jesus não se reduz aos ritos litúrgicos, mas na partilha das vidas sofridas”, disse o bispo, ao narrar dias intensos de fé viva e transformadora.

No Domingo de Ramos, o bispo não estava sob os arcos da catedral. “Eu deixei a procissão na cidade para participar com os ribeirinhos atingidos pela cheia inesperada”, contou, referindo-se à comunidade de Vila de Tamanicuá, no município de Juruá. O rio, instável, consequência das mudanças climáticas, havia subido duas vezes e recuado com rapidez. A plantação de mandioca estava comprometida, e os moradores, com a água nos peitos, tentavam salvar a lavoura. A terra firme havia sumido — e, com ela, o tradicional percurso da procissão de ramos.

Foi então que a ideia emergiu: "Sugeri que fizéssemos a procissão de canoa, a remo." Dona Rita, quase 70 anos, analfabeta, mas coordenadora respeitada da comunidade Nossa Senhora Aparecida, correu para pedir uma canoa à vizinha. “Ela disse algo que me lembrou o Evangelho. Como Jesus mandou desamarrar o jumentinho porque o Senhor precisava dele, ela desamarrou a canoa e disse: ‘a comunidade vai precisar dela, mas logo devolve’”, lembrou Dom Altevir.

A benção dos ramos também ganhou nova linguagem: os coroinhas, seguindo o costume, levaram uma bacia plástica com água. Mas o bispo propôs outro gesto: “Na hora da bênção, pedi para fazermos a oração sobre o rio e, a partir do rio, benzemos os ramos. Foi muito rico em significado.” As imagens e vídeos da celebração, entre remos e rezas, refletem a espiritualidade das águas — marca da atuação do CPP e do pastoreio do bispo de Tefé, que caminha com os povos das margens.

Um verdadeiro dia de Ressurreição

Durante o Tríduo Pascal, Dom José alternou momentos na catedral e nas comunidades. Na Sexta-feira Santa, mais uma vez partiu ao interior. E no Domingo da Ressurreição, ao invés do altar tradicional, celebrou na beira do Lago de Tefé, junto às comunidades do Setor Curupira. O local da missa era especial: uma comunidade quilombola, reconhecida no ano anterior como território tradicional.

“A coisa mais linda”, repetia ele, ao descrever o dia. Depois da celebração, veio o bingo comunitário. Os prêmios? Tão diversos quanto os dons: vasilhas de plástico, R$ 20, dez laranjas. “Quem não tinha muito, ofereceu o que era possível. Um verdadeiro dia de Ressurreição”, disse.

Na homilia, lançou a pergunta que reverbera como tambor nas margens do rio: “Onde devemos procurar Jesus, já que Ele não está entre os mortos?” E respondeu: “Não nos templos ou nas catedrais, mas junto às prostitutas, aos doentes, às crianças, aos pescadores e pescadoras, aos presos. Foi por onde Ele passou.” O povo, atento, confirmava com gestos e palavras.

Depois do almoço, servido no mesmo espaço da celebração eucarística, onde todos e todas comeram juntos e juntas, vieram os jogos. Mulheres e homens se revezaram no campo de futebol, enquanto as comunidades se reuniam à beira do campo, rindo, vibrando, celebrando.

Na prática, Dom José Altevir encarnou a proposta de uma Igreja em saída, sonhada pelo Papa Francisco, a quem ele também homenageou ao saber de seu falecimento um dia após a Páscoa.

A Semana Santa em Tefé não foi apenas uma narrativa litúrgica. Foi Evangelho vivo: feito de barro, suor, silêncio, partilha e alegria. Um testemunho profundo de que a Ressurreição acontece nas margens, onde canoas se tornam jumentinhos, a terra se torna altar, o rio se tornou água benta, e o povo simples, sacramento da presença de Deus vivo, o Libertador.