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Marisqueiras de Sergipe aprovam Protocolo de Consulta das Águas para proteger os estuários dos rios Real e Piauí/Piauitinga

Aprovado em assembleia em março de 2025, o Protocolo é fruto da mobilização das marisqueiras do litoral sul de Sergipe e se torna ferramenta essencial na defesa de seus territórios frente ao avanço da carcinicultura e da especulação imobiliária

12-05-2025
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Texto: CPP-regional BA/SE - com edição da Assessoria de Comunicação do CPP | Fotos: CPP-BA/SE

Com a força e a ancestralidade das comunidades tradicionais pesqueiras, nasceu em Sergipe o Protocolo de Consulta das Águas: Mulheres Marisqueiras dos Estuários dos rios Real e Piauí/Piauitinga. O documento é resultado de um processo coletivo iniciado em agosto de 2023, durante um seminário sobre a Convenção 169 da OIT, promovido pela Campanha Mar de Luta e Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) regional Bahia e Sergipe. A aprovação oficial aconteceu em assembleia no dia 30 de março de 2025, reunindo marisqueiras de diversas comunidades do litoral sul sergipano.

CLIQUE AQUI e veja o Protocolo de Consulta das Águas: Mulheres Marisqueiras dos Estuários dos rios Real e Piauí/Piauitinga.

No seminário de 2023, o Movimento de Marisqueiras de Sergipe (MMS) propôs ao Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) Sergipe, CPP-BA-SE e ao Instituto Raízes — responsável por uma oficina no seminário — o apoio à construção de Protocolos de Consulta em outras comunidades do Litoral Sul de Sergipe. A realidade de exploração enfrentada pelas marisqueiras, como o avanço da carcinicultura, a especulação imobiliária, o fechamento de portos e a redução das áreas de mariscagem, demonstrava que era necessário ampliar o debate para além da comunidade de Muculanduba, inicialmente prevista no planejamento.

Direito à consulta: o que diz a Convenção 169

De acordo com os artigos 6º e 7º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, os povos tradicionais devem ser consultados previamente — de forma livre, informada e de boa-fé — sempre que medidas legislativas ou administrativas afetarem seus territórios e modos de vida. No entanto, esse direito vem sendo sistematicamente negligenciado pelos gestores públicos nas esferas federal, estadual e municipal.

Foi com essa urgência que o processo coletivo começou. A construção de um protocolo exige metodologias participativas, levantamento georreferenciado e entrevistas coletivas e individuais. Desde setembro de 2024, marisqueiras das comunidades de Rua da Palha (Santa Luzia do Itaim), Muculanduba, Ouricuri e Porto do Mato (Estância), Pontal, Preguiça e Terra Caída (Indiaroba) se reuniram no povoado Pontal para retomar os aprendizados anteriores e fortalecer o sentimento de pertencimento às águas dos rios Real e Piauí/Piauitinga.

“Assim, podemos dizer que se é na força do remo e na sabedoria das marés que a vida e a mariscagem se faz resiliente, foi naquele seminário, que este coletivo deu a primeira remada rumo ao desaguar final para a construção do Protocolo em questão”, disse Daniela Bento, agente de pastoral do CPP-BA/SE.

Defesa do território e saberes ancestrais

O Protocolo de Consulta das Águas surgiu da necessidade e solicitação das marisqueiras frente à invasão de seus territórios por empreendimentos da carcinicultura e da construção civil. O fechamento dos portos e o impedimento do acesso aos manguezais têm ameaçado diretamente seus modos de vida e práticas coletivas de trabalho, passadas de geração em geração.

“Desde criança que eu vivo na maré. Desde criança! Nunca desisti. Nunca deixei de ir. Tenho nove filhos, seis netos. Eles vem tudo pra maré mais eu. Vem os filhos vem os netos. (...) Eles amam quando estão na beira da maré. Quando vamos pro barraco passar a semana eles ficam todos doidos. O de seis anos entra no mangue mais eu, pega um aratu, pega uma ostra... o de dez anos já tira um quilo de sururu. Ele entra no mangue, tira um quilo de sururu, tira a ostra – um balde de ostra – num instantinho”, conta Iraci, moradora de Ouricuri.

Desde 2015, o avanço da carcinicultura tem impactado severamente os territórios de mariscagem em Sergipe, sem qualquer processo de consulta. Licenças ambientais têm sido emitidas em áreas que deveriam ser protegidas, como mangues e apicuns. Além da redução de acesso, as marisqueiras relatam contaminação da água por insumos químicos despejados nos estuários.

Um instrumento coletivo de luta

A aprovação unânime do Protocolo de Consulta das Águas: Mulheres Marisqueiras dos Estuários dos Rios Real e Piauí/Piauitinga, em março de 2025, representa um marco para as comunidades da região. O documento torna-se agora uma ferramenta de enfrentamento frente às ameaças que colocam em risco o futuro das águas e das mulheres que delas vivem.

No dia 30 de maio, será realizada uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe (ALESE) para o lançamento oficial do Protocolo. Ao longo do mês, estão previstas visitas às câmaras municipais e à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para a articulação política da implementação do direito à consulta.

O CPP seguirá acompanhando cada passo dessa luta e trará atualizações completas aqui no site. Fique de olho e acompanhe com a gente!

 “Dói no peito rio Cercado,

 Dói no peito não ter pescado.

 Vem Mulher, lute, emancipe,

Somos as Marisqueiras de Sergipe”.

                      (Hino das Marisqueiras de Sergipe)


Saiba o que é um protocolo de consulta:

 

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