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Mar de Luta - Debate virtual aborda os 4 anos do crime do derramamento de petróleo e a invisibilidade do caso na mídia

Promovido pela campanha Mar de Luta e o Intervozes, o encontro enfatizou a relevância de manter viva na memória a tragédia ambiental, cujas consequências continuam afetando profundamente a vida, saúde e trabalho nas comunidades pesqueiras

04-08-2023
Fonte: 

Assessoria de comunicação da campanha Mar de Luta / Texto: Henrique Cavalheiro 

A união entre a campanha Mar de Luta e o coletivo Intervozes foi um poderoso elo para reavivar a memória do trágico derramamento de petróleo cru que ocorreu há quatro anos ao longo da costa brasileira, abrangendo todos os estados nordestinos e dois estados do sudoeste do país. Nesse contexto, a iniciativa da roda de conversa virtual visou dar o pontapé inicial às ações deste mês de mobilizações, buscando catalisar ações concretas tanto por parte das autoridades como da sociedade, em direção a um caminho mais justo e sustentável. Com o sugestivo tema "Recordar o crime do petróleo, resistir no presente, lutar pelo futuro", a live foi um momento de profunda reflexão, engajamento e compartilhamento de informações cruciais a respeito desse crime.

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A mesa de discussão contou com a participação de Erivan Bezerra, pescador artesanal do Rio Grande do Norte; Andréa Rocha, membro do Conselho Pastoral dos Pescadores - CPP e integrante da campanha Mar de Luta; além de Patrícia Paixão, jornalista e integrante do Intervozes.

Doenças, contaminação e fome

Ao longo do diálogo, os relatos apresentaram os inúmeros obstáculos que as comunidades pesqueiras atingidas pelo derramamento de petróleo têm enfrentado, destacando a urgência da resistência e da ação coletiva para alcançar a reparação necessária. Erivan Bezerra, pescador artesanal do Rio Grande do Norte, compartilhou suas vivências pessoais e de seu território, enfatizando a importância de amplificar as vozes das comunidades impactadas.

“Nós fomos os primeiros a encontrar as manchas no mar, quando estávamos navegando e a gente orientou os órgãos do meio ambiente e até a defesa civil, que as manchas eram enormes. E eles não tomaram nenhuma providência, para acionar os competentes pra tentar amenizar que elas chegassem até as comunidades, até as praias. E quando chegou, a gente sem protetores adequados pra trabalhar com o petróleo. E contaminou várias pessoas, eu mesmo estou com o pé aqui com a mancha que foi desse óleo, porque ele ficou colado em cima do pé e com a quentura do sol ele derreteu e entrou na pele”, descreveu o pescador.  

Para Erivan, o crime devastou muitas famílias, pois danificou materiais importantes para a pesca artesanal, além da perda da confiança da população para consumir os peixes, mariscos e moluscos, com medo de contaminação, o que acarretou dificuldades financeiras e até fome.

“Tivemos perdas de material, como rede que foi manchada por óleo, embarcação que foi manchada por óleo e ninguém sabe ainda quem é o culpado na realidade por isso tudo. O que as comunidades reivindicam é reparação”, ponderou Bezerra.  

Racismo Ambiental

Segundo Andréa Rocha, representante do CPP, é imperativo destacar a incansável determinação das comunidades tradicionais na busca por justiça social. “Esse crime afetou e afeta profundamente o ambiente e a vida das comunidades pesqueiras. O marco dos quatro anos é recordar o crime do petróleo, resistir no presente e lutar pelo futuro. Recordar é memorar, é lembrar e não deixar esquecer”, disse Rocha.

Enfatizou, também, como o racismo ambiental, que se manifestou de maneira contundente nesse crime, onde a maioria das pessoas afetadas se reconhecem como pretas ou pardas, desempenhou um papel fundamental ao enfraquecer as respostas estatais e, ao mesmo tempo, colocar estas famílias em um cenário de abandono e apagamento midiático, perpetuando assim um doloroso silenciamento que atravessa tanto a mídia quanto a sociedade em geral.

“Os pescadores e pescadoras artesanais geralmente são de origem negras e indígenas, e aconteceu nos estados do Nordeste, os mais atingidos. Esse crime foi naturalizado. Como se esses povos, tivessem essa relação com o sofrimento. Como se seus corpos negros, corpos de mulher preta, corpos de indígenas, corpos de nordestino, sejam corpos que tudo aguenta. Então, a gente entende que o racismo é institucional com sua digital neste crime”, completou Andréa.

“Comunidades pesqueiras foram totalmente apagadas”.

Patrícia Paixão, jornalista e integrante do Intervozes, ressaltou uma preocupante lacuna na abordagem midiática, onde os veículos de comunicação deixaram de construir narrativas para conscientizar a sociedade sobre a verdadeira dimensão do crime do petróleo e suas persistentes implicações nas comunidades pesqueiras. Pelo contrário, notícias totalmente enviesadas exacerbaram os desafios enfrentados pela atividade pesqueira, agravando as consequências já devastadoras desse crime.

“A gente viu os absurdos da falta de compromisso da mídia com as comunidades, com os movimentos sociais e com os movimentos pesqueiros. O que nós vimos foi um silenciamento, no primeiro mês de vazamento não houve quase cobertura da mídia. Depois, a gente chama de jornalismo declaratório, ou seja, a mídia só via as fontes oficiais: ministros, o pessoal da Marinha, fofoca de Twitter”, apontou Patrícia, e completou, “as comunidades pesqueiras foram totalmente apagadas. Não tinha quase essas fontes. Não buscavam entrevistar as comunidades pesqueiras, os povos que estavam ali, geralmente serviam de cenários para fotos e para imagens nas TVs”, disse.

Por fim, a pesquisadora e comunicadora, apontou que mesmo após os 4 anos do crime e com consequências que ainda continuam para as comunidades, a mídia não se preocupa em pautar essa questão.

"Nesse momento dessa campanha tão justa e dessa busca de reparação, de ressarcimento das perdas, e de toda essa preocupação com o meio ambiente, a mídia não é aliada, como sempre, das causas sociais populares, das causas justas”, concluiu Paixão.

Vozes Silenciadas

Nesse contexto, o Intervozes lançou a publicação intitulada "Vozes Silenciadas: a cobertura do vazamento de petróleo na costa brasileira", uma análise sobre como os principais meios de comunicação do país abordaram o maior derramamento de petróleo cru já registrado no Oceano Atlântico Sul. Os dados compilados pelo coletivo revelam uma perturbadora tendência: a divulgação dos fatos pelos meios de comunicação, tanto de alcance nacional quanto regional, sofreu um atraso significativo de quase um mês. Além disso, cerca de 60% das vozes ouvidas nas reportagens eram de autoridades públicas, enquanto uma parcela ínfima, aproximadamente 5%, representava os povos e as comunidades tradicionais que sofreram diretamente os impactos desse crime ambiental.

Um chamado para ações coletivas

A live transcendeu a mera reflexão sobre os estragos gerados pelo crime do petróleo, emergindo como um poderoso apelo à ação coletiva e à solidariedade em prol de um novo caminho baseado em direitos e proteção da biodiversidade. Só haverá verdadeiramente um futuro, sem dúvida, se houver reparação social, ambiental, de saúde e econômica.

Durante a conversa, os participantes reiteraram a importância de demandar as autoridades por políticas de proteção ambiental mais rígidas, destinadas a prevenir a reincidência de eventos semelhantes ao de 2019. Ademais, enfatizaram a necessidade de apoiar as comunidades atingidas e de fomentar uma conscientização popular acerca dessas questões.

A luta está longe de acabar, mas a live apontou para o início das atividades que pretendem dar voz às vozes silenciadas e trouxe esperança para aqueles que lutam por um futuro meio ambiente saudável e equilibrado e para que as comunidades pesqueiras sejam respeitadas em suas tradições e protegidas com toda dignidade.

Linha de ação: