Notícias

Decisão do STF suspende reintegração de posse e mantém comunidade de Sangradouro, de Januária (MG), no seu território

05-03-2022
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do CPP

Em decisão de caráter liminar divulgada no dia de ontem (04), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, suspendeu a reintegração de posse que ameaçava tirar a comunidade de Sangradouro, localizada em Januária (MG), do seu território tradicional nessa segunda-feira (07). A ação foi ajuizada pela Assessoria Jurídica do CPP e a decisão atende à uma Reclamação Constitucional feita ao STF sobre o descumprimento de resoluções da corte.

Em fevereiro de 2021, o STF, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742, requerida pela CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e por outras organizações, já havia determinado a suspensão de todas as operações de reintegração de posse no país relacionadas às comunidades quilombolas, durante o período da pandemia. Em junho de 2021, a ADPF 828, requerida pelo PSOL, também determinou a suspensão de todas as operações de despejo e desocupações, tanto no âmbito urbano quanto rural, devido à crise sanitária gerada pelo COVID 19. Em dezembro, o Ministro Luís Roberto Barroso estendeu a validade da ADPF 828 até o mês de março desse ano. 

A decisão liminar da 1ª Vara Cívil da Comarca de Januária, que determinou a reintegração de posse do território ocupado pela comunidade quilombola de Sangradouro, desconsiderou as resoluções da mais alta corte do país e agora está suspensa pela decisão do Ministro Gilmar Mendes. As partes serão notificadas a se manifestarem da decisão, que ainda terá o seu mérito julgado, mas a vitória temporária garante a permanência da comunidade no seu território e traz alívio diante da eminência do desabrigo que ameaçava os quilombolas.

“Eu e minha cunhada nos juntamos chorando ontem, porque não tínhamos para onde ir, não temos outra casa. Essa decisão foi a melhor coisa que aconteceu. Agradecemos primeiro a Deus e depois a todos os envolvidos na causa”, comemora a quilombola da comunidade de Sangradouro, Nizete da Silva. Para a advogada e assessora jurídica do CPP, Erina Batista, a decisão é importante porque mantém as comunidades quilombolas no seu território e porque reforça a importância de que as resoluções do STF sejam respeitadas. “Uma decisão de reintegração de posse dessa natureza, ainda mais no contexto da pandemia, deve levar em consideração uma série de medidas relacionadas à proteção dos Direitos Humanos e aos direitos das comunidades quilombolas constitucionalmente protegidos ”, alerta.

Segundo a Polícia Militar informou, em audiência publica na Comissão de Direitos Humanos da ALMG, a reintegração de posse estava marcada para o dia 7 de março, próxima segunda feira. No entanto, com a suspensão da decisão pelo STF ela não poderá acontecer, sob pena de incorrer em descumprimento da decisão da corte. O CPP e os diversos órgãos públicos do estado de Minas Gerais estarão acompanhando de perto afim de proteger o direito das comunidades quilombolas e de garantir o cumprimento da decisão do STF.

 

Entenda o caso

A comunidade de Sangradouro vinha sofrendo ameaças dos funcionários do latifundiário Walter Arantes, dono das redes de supermercados mineiros BH, Mineirão e Epa, desde o começo de fevereiro quando as enchentes se intensificaram e a comunidade precisou se deslocar para as partes mais altas do seu território. No dia 25 de fevereiro, uma decisão judicial dada em pleno plantão jurídico da 1ª Vara Cívil da Comarca de Januária, deu reintegração de posse ao fazendeiro. Contrariando todas determinações legais para o cumprimento de mandados de despejo, que proíbem que os mesmos sejam realizados à noite e em finais de semana, os advogados do fazendeiro, um oficial de justiça e a polícia civil estiveram na comunidade com o intuito de dar cumprimento à decisão judicial, às 19 horas da sexta-feira, que antecedia o feriado de carnaval. 

Foi necessária uma articulação com deputadas da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, como Leninha (PT) e Andréia de Jesus (PSOL), além da deputada federal Áurea Carolina (PSOL/MG), junto com o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH-MG), com a Defensoria Pública Estadual (DPMG) e com o Ministério Público Estadual para evitar que o despejo fosse realizado de maneira arbitrária. Como parte dessas articulações, ontem (4) foi realizada uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, com a participação do Ministério Público Estadual, da Defensoria Pública Estadual e da Assessora Jurídica do CPP para tratar do assunto e garantir que os direitos das comunidades do norte de Minas Gerais não sejam desrespeitados.

Toda essa mobilização fez com que a execução da reintegração de posse fosse adiada para ser executada na segunda-feira (07). Mas com a recente decisão liminar dada ontem (4) pelo STF, a comunidade está temporariamente protegida do risco de ser despejada de seu território em meio às enchentes do rio São Francisco. 

“A sensação agora é de alívio e tranquilidade porque estávamos nos sentindo sufocados. Não estamos completamente em paz porque não terminou ainda, mas estamos mais tranquilos”, comemora a quilombola Madalena Bispo. A opinião é compartilhada pelo quilombola Sergio dos Reis que relata a situação de ameaças que estavam sofrendo. “Estávamos nos sentindo encurralados como prisioneiros. Estávamos preocupados porque temos família, criança, mulher grávida e estávamos sendo ameaçados. Com essa decisão que teve aqui, vamos continuar resistindo, até porque não temos lugar para onde ir”, relata o comunitário. Ele lembra que os moradores da comunidade perderam casas e todos os pertences que tinham devido às enchentes que aconteceram. Além do conflito fundiário, há também a preocupação de que mais enchentes intensifiquem a situação de vulnerabilidade da comunidade. “A gente perdeu tudo e está prevista uma nova enchente para o dia 19 de março”, lamenta Sergio.

A comunidade de Sangradouro ocupa a área tradicionalmente há décadas e têm certidão emitida pela Fundação Cultural Palmares de reconhecimento como comunidade quilombola. Os quilombolas aguardam o processo de titulação do território pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) desde o ano de 2018. A maior parte do território reivindicado pelos quilombolas está localizado às margens do rio São Francisco, área considerada da União. “Estamos com muita alegria e coração explodindo”, comemora a vitória judicial, a quilombola Joaninha de Souza, mas sem deixar de reiterar: “Estamos na luta e vamos continuar! ”

 

Linha de ação: 

Conteúdo relacionado