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Organizações de MG lançam carta contra decreto estadual que dificulta a consulta prévia, livre e informada às comunidades ameaçadas por empreendimentos

17-09-2024
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do CPP

Em carta lançada nessa segunda-feira (16/09), mais de 30 organizações de Minas Gerais, incluindo o Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), criticam o Decreto Nº 48.893/2024 emitido pelo governo do estado mineiro. O documento limita o direito à Consulta Prévia dos povos e comunidades tradicionais, tornando obrigatório que as populações  tenham o certificado de reconhecimento da FUNAI (Fundação Nacional dos povos Indígenas), da Fundação Cultural Palmares ou da Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de MG, o que fere a autodeterminação dos povos garantida na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

O Decreto também transfere às empresas a responsabilidade de realização da Consulta, no caso de projetos da iniciativa privada, o que é criticado na Carta por ser visto como um risco para o aumento da violência e do assédio das empresas sobre os territórios. 

Confiram a Carta na íntegra logo abaixo ou aqui!


 

 

CARTA DE REPÚDIO AO DECRETO Nº 48.893/2024 E EM DEFESA DOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Belo Horizonte, 15 de setembro de 2024.



Em meio à seca histórica e às fumaças que cobrem os céus do Brasil, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, em mais um ato perverso de ataque aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e da Natureza, publicou no dia 11 de setembro de 2024 o Decreto nº 48.893/2024, que viola o direito dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Livre, Prévia, informada e de boa-fé, e, favorece o avanço dos grandes projetos do capital que causam morte e devastação nos territórios tradicionais e compromete as condições de vida de toda a sociedade e da biodiversidade. O Decreto em si já é uma aberração jurídica, uma vez que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) não precisa de regulamentação para ser plenamente aplicada. Desde 2003, quando entrou em vigor no Brasil o Tratado Internacional da Convenção 169 da OIT, suas disposições são obrigatórias e nenhum órgão governamental pode descumpri-la ou limitar os direitos nela abarcados. Além disso, não houve nenhuma participação ou consulta às comunidades, violando o artigo 6° da mencionada Convenção. O teor deste decreto é praticamente o mesmo da Resolução Conjunta SEDESE/SEMAD Nº 1, de 4 de abril de 2022, que foi revogada, após muita pressão dos Movimentos Sociais, Povos e Comunidades Tradicionais. Este Decreto eivado de ilegalidades e de inconstitucionalidades busca amordaçar e aniquilar os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais protegidos pela Convenção 169 da OIT.



Destacamos outros pontos críticos e inaceitáveis do Decreto:

1. Limita o direito à consulta prévia somente aos Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas e Comunidades e Povos Tradicionais certificadas, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Fundação Cultural Palmares ou pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de MG. De forma similar, cria uma nova definição de territórios tradicionais condicionada à sua efetiva titulação e reconhecimento pelo Estado, violando mais uma vez o direito à autodeterminação dos Povos e Comunidades Tradicionais.

2. Nega o direito de consulta às Comunidades e Povos Tradicionais, cujos territórios estejam localizados em áreas urbanas consolidadas. Isso afeta diretamente centenas de comunidades localizadas em zonas urbanas, como Povos de Terreiro, Indígenas em situação urbana, Acampamentos Ciganos e Comunidades Carroceiras. Particularmente, esse aspecto do Decreto favorece o avanço do licenciamento do Rodoanel (o famigerado Rodominério!) na Região Metropolitana de Belo Horizonte, afetando imediatamente o direito e os territórios de centenas de comunidades.

3. Transfere às empresas a responsabilidade de realização da Consulta, no caso de projetos da iniciativa privada. Além de ser uma grave violação ao que determina a Convenção 169, isto poderá aumentar ainda mais a violência e assédio das empresas sobre os territórios.

4. O Decreto também condiciona a exigência da realização de Consulta às situações em que os territórios estejam no máximo a 3 Km de distância dos empreendimentos, ignorando os impactos sistêmicos e difusos dos empreendimentos, seja pela circulação e fluxos do ar, das águas e das espécies nos territórios.

Não se pode ignorar a relação do Decreto com o contexto atual da política do Governo Zema, no qual o Governo apoia o avanço da mineração predatória, que tem por alvo, em grande medida, explorar áreas de Territórios Tradicionais, em diversas regiões do estado. Este Decreto é para “passar a boiada”.

Diante de tantas violações, reafirmamos nosso compromisso em garantir que os povos e comunidades tradicionais tenham acesso à informação e possam participar ativamente dos processos que impactam seus modos de vida e exigimos a imediata revogação do Decreto Nº 48.893/2024, garantindo de forma plena o Direito das Comunidades e Povos Tradicionais à sua autodeterminação. Neste momento, em que a “terra geme em dores de parto” (Cf. Rm 8,22), é urgente avançarmos nas lutas concretas nos territórios, em defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais e de todos os seres vivos que formam a comunidade que nutre nossa mãe Terra. Portanto, é absurdo um Decreto como este em tempos de Emergência Climática. As sirenes dos eventos extremos estão gritando de forma estridente. Revogação e Anulação do Decreto 48.893/2024, JÁ! Apelamos a todas as autoridades compromisso com a derrubada deste brutal Decreto.



Assinam esta carta:

1. Comissão Pastoral da Terra - Minas Gerais

2. Conselho Pastoral dos Pescadores - Minas Gerais

3. Pastoral da Juventude Rural - Minas Gerais

4. Conselho Indigenista Missionário - Regional Leste

5. Cáritas Brasileira - Regional Minas Gerais

6. Rede Igrejas e Mineração - Minas Gerais

7. Irmãs Franciscanas Missionárias Diocesanas da Encarnação

8. Irmãs da Divina Providência no Brasil

9. Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade - AFES

10. Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia - SINFRAJUPE

11. Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva - CEDEFES

12. Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia

13. Projeto Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais: visibilização e inclusão sociopolítica – UFMG

14. Gesta - Grupo de Estudos em Temática Ambiental - UFMG

15. Grupo de Pesquisa de Educação Popular PluriEtnoDecolonial - UNIMONTES

16. Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e Agrários - UNIMONTES

17. Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro - UFVJM

18. Observatório Fundiário do Vale do Jequitinhonha - UEMG Diamantina

19. Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado - OPCPLI

20. Kaipora - Laboratório de Estudos Bioculturais – UEMG Ibirité

21. Leaeh – Laboratório de Educação Ambiental e Ecologia Humana – UNIMONTES

22. NIISA – Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental - UNIMONTES

23. Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo - MTC

24. Movimento pela Soberania Popular na Mineração - MAM

25. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST MG

26. Movimento de Ressurgência Purí - MRP Serra dos Purí

27. Povos e Comunidades Tradicionais de Religião Ancestral de Matriz Africana – PCTRAMA

28. Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo - APOINME

29. Associação Nacional de Ação Indigenista - ANAI

30. Terra de Direitos

31. “Escola” de Direito Agrariambiental e da Jusdiversidade – Montes Claros

32. Legião de Assistência Recuperadora - LAR

33. Setor Ambiental do vicariato Episcopal para ação social, política e ambiental da Arquidiocese de Belo Horizonte – VEASPAM

34. Coletivo de Implantação do Campus Quilombo Minas Novas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais – IFNMG

35. Frente Mineira de Luta das Atingidas e dos Atingidos pela Mineração – FLAMa MG

36. Jornal A Sirene

 

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