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O naufrágio e as 2.156 ondas

06-10-2022
Fonte: 

Por Paulo Oliveira e Thomas Bauer  | Publicado originalmente no site Meus Sertões | Fotos: Thomas Bauer

Na madrugada seguinte ao dia de São João, em 2002, o pescador Armando dos Santos, o Beto, então com 35 anos, e o colega Édson Pelado saíram para pescar em mar aberto. Embora Beto tivesse um mau pressentimento, o companheiro optou por seguir em frente. Após quase colidir com um navio, a jangada Karina, naufragou. Foi o começo de 29 horas e meia de agonia, no mar revolto. O próprio Beto nos conta em detalhes uma das piores experiências de sua vida. Em 2019, outro episódio rivalizaria com o naufrágio.

Esse é o primeiro episódio da série “Três anos do crime do petróleo”, produzida por Meus Sertões. A seguir, o depoimento de Beto:



“A gente saiu para pescar pouco depois da meia noite do dia 24 de junho. Quando a pesca fica mais longe, temos que sair mais cedo para chegar ao local determinado e arriar o material de pesca. Estava formando um tempo de chuva.

A pesca de rede sempre acontece da tarde para o escurecer ou de madrugada para o amanhecer. É para atrapalhar a visibilidade dos peixes, para que eles não vejam a rede durante a escuridão da noite.

Era inverno, no dia de São João. Era para sairmos eu e o dono do barco, o Edmílson Mifireu, mas, infelizmente, ele ficou doente e deu lugar a outro pescador, o Édson Pelado, que tinha ingerido muita bebida.

Quando cheguei na beira da praia, onde a jangada estava ancorada, estava com um pressentimento ruim e não queria mais ir.

Pescador é assim: quando alguém diz que ele não é homem e está com medo, ele quer mostrar o contrário. Então eu disse: “Bora nesse barco”. Enfrentei o mar com ele, mas permanecia agoniado.

Na metade da viagem, a chuva aumentou e tinha muita ventania. Eu não sabia como dizer para voltarmos porque ele estava na função de mestre e tinha autonomia no comando do barco. A intensidade da tempestade aumentou, mesmo assim Édson decidiu enfrentar o mau tempo. Eu disse que não ia desistir porque achava que íamos arriar o material da pesca mais perto da costa.

No entanto, ele falou que queria ir mais para frente e seguimos para o local planejado inicialmente. De repente, vimos uma luz clareando. Era um navio. Todos que estavam próximos da gente sinalizaram. O navio se afastou deles e veio em nossa direção.

Eu avisei que ele estava vindo, mas o mestre disse que eu estava com medo de sermos esmagados à toa. A intensidade da chuva diminuiu e podíamos enxergar bem o navio. Estávamos sem remo e sem sinalizador no barco.

Na escuridão, eu entrei em pânico. Nossa opção foi remar com as mãos, pois tínhamos tirado as velas para arriar o material de pesca. Mal saíamos do lugar. As marolas que o navio provocava por pouco não virou a jangada. Graças a elas, no entanto, saímos da frente daquela embarcação. Foi um alívio.

Passamos, então, a recolher o material da gente. Eu nunca na minha vida tinha visto tanto peixe na rede. Pegamos dois sacos de 50 quilos. Tinha cavala, serra, garajuba, cioba, cação. Cada peixe pesava entre cinco e oito quilos. Enchemos ainda uma bandeja bem grande com eles.

Quando a gente acabou, vimos tudo ficar escuro. Era um dilúvio se aproximando. Então abrimos a vela para ir embora. Andamos menos de cinco minutos, a chuva pegou a gente. Eu disse: “Vamos ficar aqui”. O mestre respondeu: “Que homem é você, pensei que tinha vindo com um homem. Cabra medroso demais”.

Falei que o vento estava muito forte e podia derrubar a gente e que era melhor esperar o dia para a gente enxergar direito. Além disso, estávamos sem sinalizadores. Que nada! Ele nem me ouviu. E puxou a escolta.

A escolta funciona como acelerador, você puxa a corda que fica presa nos dois lados do banco da jangada para direcionar a vela para onde quiser, o vento enche o pano e dá força de levar o barco. Quando ele puxou, não deu outra: o vento bateu e viramos o barco. Eu fiquei por baixo da vela. E ele caiu do lado contrário.

“Rapaz, você tem boca de praga”, ele disse para mim isso. Foi aí que pensei: “Bem que eu queria ficar em casa, que não queria sair com esse cara”.

Os peixes estavam caindo e ficamos com medo de um tubarão aparecer. Cada um pegou uma faca pequena para se defender. Deus nos protegeu nessa hora porque em alto mar, o cheiro de sangue atrai os tubarões.

Nessa hora, ele parecia uma criança. Começou a pedir arrego. Sugeri que tentássemos desvirar a jangada. Fizemos muito esforço e colocamos ela em direção às marolas. Parecia o mar em fúria. As ondas tinham uma força muito grande. O barco desvirou, mas a gente não conseguia ficar em cima dela porque enchia de água.

Colocamos metade do corpo em cima da jangada. A ideia era esperar o dia amanhecer para ver se alguém nos socorria. Só que caía um dilúvio e tudo estava escuro. A visibilidade era nenhuma. Quando chove longe da costa não é como em terra, que a gente vê algo com o reflexo da luz. No mar, a gente via tudo branco da água caindo.

É por isso, que os navios têm um sonar, que acusa qualquer tipo de coisa que está próximo e desvia. Mas a gente não tinha isso.

Resolvemos largar o barco e nadar em posição oposta para achar terra. Pelado estava mais desesperado que eu, mas naquele momento eu consegui orar, pedindo a nossa proteção.

A gente fez tentativa de nadar braçal. É o pior erro do mundo nadar braçal quando você está naufragado. Você cansa rápido e as ondas não deixam ir longe. É melhor você nadar “cachorrinho”, parar. Você tem que saber flutuar. E o segredo de tudo é não desesperar. Desesperou, o afogamento mata em segundos. Você afunda e pronto. O corpo só emerge dias depois, se não ficar engalhado nas pedras no fundo do mar.

Cansados, voltamos para a jangada. Conseguimos subir no barco dessa vez. Ele estava com duas camisas e eu sem nenhuma. Era muito frio e a gente não sabia o que fazer. Eu suportei.

O mestre ainda estava chapado. Por ele beber e fumar muito, cansava mais rápido. Esperamos quase duas horas por socorro. Vimos ao longe uma navegação, uma vindo por baixo e outra por cima, mais por fora de nossa direção.

O que vinha por baixo não dava para ver porque estava muito embaçado. O que estava mais perto dava. E viu. A gente assoviou, chamamos. Os tripulantes olharam para trás, baixaram a vela, viram a gente, mas não pararam o barco. Era para eles socorrerem, mas não fizeram.

Quando chegaram em terra, depois me contaram, as pessoas perguntaram se eles tinham visto a mim e o Edson “Pelado”. Esses caras, o Gilberto “Boneca” e o Jaílson não falaram nada. Eles pegaram os peixes, levaram para pesar, entregaram para os atravessadores e foram dormir.

Os dois souberam que a gente não tinha chegado e contaram que tínhamos naufragado. Era mais de 4 horas da tarde quando as primeiras buscas da Marinha e do Corpo de Bombeiros começaram.

Os outros pescadores também saíram em busca, mas em direção errada porque a correnteza naquele lugar que estávamos não nos jogava para a terra, mas sim para o alto mar.

Com a demora de socorro, largamos novamente o barco e fomos procurar a direção da terra, sem avistar ela. Eu fiz isso por causa do Pelado. Eu poderia ficar esperando o socorro, mesmo que ficasse desidratado, com fome e com sede.

A gente tinha levado água e um lanchezinho. A sorte é que eu tinha comido uma bolacha e tomado um gole de café antes de levar a virada. Mas a fome estava ficando grande.

O alerta da Marinha, que também acionou os bombeiros, foi que dois tripulantes da praia de Ponta Negra (RN) tinham desaparecido. A gente viu o barco dos bombeiros bem pequenino, e a corveta Coimbra como ela tivesse duas braças, ou seja, estava bem longe. A gente via eles, mas não era visto por causa do mar agitado.

As buscas foram suspensas por causa da visibilidade ruim e do temporal. Um de meus nove irmãos foi à Marinha e chegou a dormir no portão da capitania para iniciar a busca ao amanhecer do dia seguinte. Um primo meu também queria ir. Ele insistiu e acabou indo no lugar de meu irmão porque só uma pessoa da família podia acompanhar.

Nós já estávamos nadando há um bom tempo, enquanto eles tomavam as providências em terra. No amanhecer do outro dia, o Pelado pediu para nos separar, dizendo que estava sem condições de nadar. Ele tentava segurar no meu pescoço, mas quase nos afundou.

Também colocávamos a boca para cima e a água da chuva entrava. Mas quando a marola vinha entrava a espuma, que é sal puro.

De tanto engolir aquilo, começou a cortar a boca e a película em torno do olho estava em ferida, a gente só estava vendo vulto. Na hora que eu estava decidindo se ia separar dele, depois de uma hora, uma hora e vinte nadando juntos, eu queria muito sobreviver.

Eu orava muito e pedia para viver, pensando na minha filha. Soube depois que quando ela via alguém chegando, ela dizia: “Lá vem papai”. Quando via que era outra pessoa ela ficava muito triste e chorava.

Pedi muito a Deus por minha saúde e para ele me levar para a terra; pedi também proteção às pessoas da minha família que já morreram. Para meu avô, a quem eu tinha um afeto muito grande – ele era um homem muito religioso, que me levava para as igrejas e tudo -, eu pedia que, no canto que ele tivesse, ele falasse com o Senhor para me dar uma força para sair dali e criar minha filha.

De repente, comecei a ver uma ruma de gente na beira da praia, tudo de mão dada. Via os corpos delas, camisas coloridas, mas não via a cabeça de ninguém. Eu orava e o que via era alucinação, mas vim a saber que tudo isso aconteceu realmente. Minha mulher me contou depois que muita gente na praia fez uma corrente enorme, orando para a Marinha nos encontrar.

Quando eu não tinha mais força para nadar, quando estava sem esperança de viver, eu afundei sem forças. Mas senti um negócio me levantando. Eu descia e algo ou alguém me erguia, mas não via nada. Isso aconteceu três vezes depois de eu ter ultrapassado a boca da barra, local onde o mar é muito fundo e os navios ancoram, esperando para ir descarregar no porto.

Eu estava na entrada da Barra e escutei uma sirene bem alta. Era a corveta da Marinha voltando para o porto. Eu não tinha mais voz. Boiava, nadava de cachorrinha e acenava com a mão. Minhas pernas não se mexiam mais. Só os braços tinham movimento.

De tanto tempo no mar, nadando, eu toda hora passava a mão no rosto para tirar a água salgada, meu rosto já estava em carne viva. Os olhos não enxergavam quase nada. O rosto sangrava. Meu corpo tinha bolhas enormes. A fome e a sede eram imensas.

A corveta passou e ninguém me viu.

Voltando um pouco. Quando a gente se separou, o Pelado foi na direção de Guriu, no Ceará, e eu para o Rio Grande do Norte. A ideia era que se alguém se salvasse, avisasse qual o rumo o outro pegou.

Ficamos nos comunicando aos gritos por um tempo. Até que a voz dele sumiu. Eu pensei que um tubarão tinha comido ele. Chorei. Peguei a faca que eu tinha para me defender se um peixe daquele aparecesse. Eu estava tão debilitado e não sabia de onde ainda tiraria energia para me defender e para chegar em terra.

Quando tinha uma hora, uma hora e vinte que eu tinha me separado do Pelado, vi uma luz piscando. Era o farol.

A gente quando está muito cansado, com muita fome e muita sede, começa a ver coisa que não existe. Eu via barcos e outros objetos, mas era alucinação. Eu não sabia se o farol também era. Mesmo assim resolvi nadar naquela direção, só que a distância era muito longe. A gente via luz, mas não via terra.

Na boca da barra, ouvi a sirene. Eu não sabia, mas o meu colega tinha sido resgatado.

A Marinha tem uns binóculos de longo alcance, que atingem cinco quilômetros ou mais. Todo mundo olhava e ninguém via nada. O meu primo pediu para ver um pouquinho. Demorou, mas quando passaram o binóculo, ele viu o Pelado a uma milha náutica e meia de distância – cerca de 2,8 quilômetros.

A corveta acelerou. Quando chegou perto, os salva-vidas pularam e o tiraram do mar. Pelado estava com os olhos tremendo, parecia que estava chegando ao fim. Boiava, com a cabeça apoiada em uma boia pequena. Quando o levaram para o navio, ele começou a defecar sangue e falar que ia morrer.

Botaram ele em uma maca. Primeira coisa que deram foi soro para hidratar. Mandaram-no ficar quieto. Pegaram um pano molhado e botavam nos lábios dele. O tempo todo faziam isso.

Depois o levaram em uma ambulância para o hospital. Quando eles saíram do porto, a sirene tocando, ouvi o som de muitos fogos. Nessa hora o Brasil estava jogando com a Turquia pela semifinal da Copa do Mundo e Ronaldo Fenômeno tinha marcado o gol que levava a seleção à final. Eram quase 10 horas da manhã do dia 26 de junho.

Eu pensei que os fogos eram porque alguém tinha sido resgatado. E aí tive uma ideia para me incentivar a chegar até a praia: contar as ondas que passavam por mim. Adivinha quantas ondas contei? Foram 2.156 ondas (repete três vezes o número).

Isso me deu forças, mas quando cheguei nesse número, perdi a noção e apaguei. Senti descer na água e não voltar mais. De repente, algo me empurrou para fora da água. Eu estava em terra. Aí, comecei a chorar de alegria.

Pensa que eu podia levantar? Fiz maior esforço para poder levantar, estava morrendo de sede. Meu pensamento era “estou salvo, vou tomar água”. Cadê que eu sentia as pernas? Achei que tinha ficado paraplégico. Com a friagem o tempo todo, a circulação não bombeava o sangue. Eu estava inchado e todo branco. A minha pele morena tinha ficado toda branca, minha mão, o couro tudo duro.

Estava todo descascando nas costas. Uma bolha bem grande estourou. E o cheiro de sangue saía da minha boca. Comecei a botar pensamento em uma santa que tem onde eu dei em terra. Era Nossa Senhora dos Navegantes, a padroeira dos pescadores. Pensei: “Será que foi Nossa Senhora que intercedeu por causa de minhas orações?”. Eu cheguei próximo da igreja dela, mas eu não reconheci que lugar era.

Desidratado, com fome e sede, comecei a andar como uma tartaruga, me arrastando até tirar o corpo todo da água. Quando saí do mar, comecei a sentir arrepios, na água eu não sentia. Parecia gelo, a boca tremia, o corpo também. Aos poucos fui me aquecendo. Tentei me levantar e caí. Eu me ergui de novo, mas andava como um robô.

Cheguei em um muro, cercado por palmas (uma espécie de cactos). Era de uma pousada. Tinha muito espinho e vidro na mureta. Eu estava querendo beber água a qualquer custo. Pisei nas palmas, andei por cima dos vidros e não senti nada.

Tinha um caseiro lá, mas não sei se ele me ouvia porque o sal tinha cortado minha voz. Eu achava que gritava.

“Moço quero água” – dizia, mas ele não ouvia.

Havia uma casa ao lado da pousada com uma torneira e um chuveiro. Cheguei perto do chuveiro. Minha mão estava dura, não fechava. Consegui abrir a torneira, mas a pouca água que saía estava amarelada, velha. Eu não quis beber e fui até a torneira, mas não consegui segurá-la.

Uma menina de 11 anos, filha do caseiro, me viu e deu um grito. O pai dela era um ex-policial do Batalhão de Choque. Ele pegou uma pistola que não tinha tamanho, foi em minha direção e mandou eu colocar as mãos para cima. O caseiro tinha visto a faquinha que eu tinha na cintura. Tentei levantar as mãos, mas comecei a cair. Ele arriou a arma no chão e me segurou.

Depois, questionou o que tinha acontecido e falei que tinha naufragado. “Você é o cara que está passando na televisão?”. Eu não sabia de nada, mas as tevês ainda estavam anunciando o meu desaparecimento.

O caseiro perguntou o que eu queria. Respondi que estava morrendo de frio e queria uma garrafa cheia de água e comida. Esse policial trouxe um copinho descartável com metade da água e uma banda de pão com margarina. Dei uma mordida no pão e duas mastigadas, encheu minha barriga. E eu achava que estava com fome para comer uma feijoada.

Toda vez que eu falava, ele encostava o ouvido em minha boca porque as palavras saíam bem baixinhas. Eu não percebia. Tomei um gole de água e de café, que ele trouxe, e encheu minha barriga. Não entrava mais nada, e eu não entendia o motivo.

Eu me lembro que começou a aparecer muita gente para me ver. O caseiro pediu para a mulher ligar para o Corpo Bombeiros e para a polícia e, bem gentil, foi dar um banho em mim. Ele me emprestou uma bermuda, uma camisa e me vestiu. Eu estava agasalhado e ainda tremia de frio. Meu sangue ficou parado. Deu uma friagem no sangue.

Chegaram duas ambulâncias e dois carros de polícia, pois estava no bairro Santa Rita, distante de Natal. No pronto-socorro fizeram uma entrevista antes de me socorrer. Depois, me botaram em uma maca e acionaram minha família.

Também ligaram para a central da PM e disseram que acharam um rapaz que tinha naufragado. Choveu de repórteres. Eles tentavam me entrevistar, mas eu não conseguia falar nada.

Fiquei no hospital 14 dias. O quadro era de desidratação e hipotermia (temperatura do corpo abaixo de 35º). Tomava medicamentos e comia frutas. Fui transferido para um hospital maior na capital. Para me hidratar, me deram uma liga, uma seringa do lado, outra do outro. Só sei que meia hora depois a fome começou. Não tinha mais nada lá para alimentar os internos e mandaram comprar fruta, uma banda de melancia. Disseram que eu comia melancia com casca e tudo como um porco, cheio de fome.

Eu não estava enxergando nada, nem conhecendo mais ninguém. Mandaram comprar gaze e colocaram ela nos meus olhos, depois de molharem com água gelada. Com a película do olho cortado, tive que fazer, raspagem, cirurgia e curativos, além de usar colírios até ficar bom.

Fiquei traumatizado. Minha mulher chamava para ir à praia. Eu mandava ir com minha filha ou com a mãe e as irmãs dela. Eu não ia. Só de escutar o barulho do mar, eu pensava que estava no meio dele, naufragado, uma coisa incrível. Nessa época, minha filha tinha cinco anos.

Eu tinha prometido à Nossa Senhora dos Navegantes fazer uma missa com minha família todinha e todos os amigos que estavam me ajudando. Convidei todo mundo. No dia da celebração, eu vi pela primeira vez um padre chorar quando dei meu testemunho do acidente. Vi também aquela ruma de senhoras assistindo a missa e derramando lágrimas. Algumas pessoas me disseram que ouviam o meu relato e pensavam: “Se fosse eu não aguentava”.

Eu não gosto de revelar o que aconteceu depois porque muita gente acha que é mentira. Quando todo mundo ia saindo da igreja, ficou eu, Nossa Senhora e meu pai, que ainda era vivo nessa época. Quando comecei a dar os últimos agradecimentos, eu olho para a imagem e vi sair um brilho dos olhos dela em forma de estrela e se apagar. Estou contando isso e me arrepiando. Tive a certeza que foi Nossa Senhora que intercedeu por mim. Foi ela que me elevou quando afundei no mar; que sinalizou, mostrando a luz do farol.

Édson Pelado abandonou o ofício e não quer mais ouvir falar sobre o naufrágio e o mar.

Beto levou cinco anos e meio para voltar a pescar. Quando ouvia o barulho das ondas ficava com medo e chorava. O tratamento com dois psicólogos e o apoio da mulher e da filha foram fundamentais para ele retornar ao mar. Hoje, ele é o mestre da jangada Adrielly, batizada em homenagem à filha.

Dezessete anos depois, uma nova tragédia marcou a vida do pescador potiguar: o crime do petróleo. O derramamento do óleo em cerca de 3.000 quilômetros da costa do Nordeste impossibilitou a pesca artesanal, deixando os trabalhadores sem renda e afastando os consumidores, temerosos da contaminação dos peixes. O episódio até hoje não foi bem explicado pelas autoridades.

Quando a situação poderia melhorar, veio a pandemia de Covid-19.

Na semana passada, entre 29 de agosto e 3 de setembro de 2022, bolotas de petróleo surgiram nas praias nordestinas, deixando os pescadores artesanais preocupados.

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