Em meio a novos leilões, críticas de ambientalistas, ações do MPF e às vésperas de sediar a COP30, governo reforça defesa da exploração de petróleo na Margem Equatorial
Comunicação da campanha Mar de Luta | Foto destaque: Divulgação/Agência Petrobras | Foto 2: Foto: Claudio Kbene/ PR | Foto 3: Ricardo Stuckert / PR | Foto 4: Tomaz Silva/Agência Brasil | Foto 5: Bruno Peres/Agência Brasil |
O governo federal voltou a defender e ampliar a exploração de petróleo no Brasil, com destaque para as recentes falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em apoio à Margem Equatorial e a realização de novos leilões que incluem blocos sem licenciamento ambiental na Foz do Amazonas. A Petrobras segue avançando no processo de licenciamento, enquanto o Ministério Público Federal tenta barrar judicialmente os contratos. Para a Campanha Mar de Luta, o cenário evidencia um modelo de desenvolvimento incoerente com a emergência climática e profundamente desrespeitoso com os povos das águas e seus territórios. Contraditório para um país que se propõe a liderar a COP 30 e o debate global sobre justiça climática e transição energética.
Transição energética com mais petróleo: estratégia ou contrassenso?
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender publicamente, nesta quarta-feira (25), a exploração de petróleo na Margem Equatorial brasileira, o que inclui a Bacia da Foz do Amazonas. Em evento realizado no Ministério de Minas e Energia, Lula afirmou que " Ninguém vai me dizer 'não vai explorar petróleo na Margem Equatorial" e argumentou que as reservas da região podem ser decisivas para garantir o financiamento da transição energética no país.
“A gente vai tratar com muita seriedade. A gente quer pesquisar, quer ver se tem (petróleo). E, se tem, vamos tratar. Porque será o uso do petróleo que vai garantir o financiamento para esse país e o mundo fazerem a transição ecológica definitivamente e abrir mão do combustível fóssil”, argumentou Lula.
A declaração ocorre em um momento crítico, com a Petrobras avançando no licenciamento para perfuração na Bacia da Foz do Amazonas e o governo enfrentando críticas de ambientalistas e comunidades tradicionais, incluído as pesqueiras.
Para a Campanha Mar de Luta, a posição do governo é profundamente preocupante e revela uma contradição grave. Ao defender a exploração de petróleo na Margem Equatorial, o governo ignora os impactos já vividos por comunidades pesqueiras e os riscos irreversíveis à biodiversidade, especialmente na região amazônica. Para os povos das águas, a verdadeira transição energética só é possível com justiça socioambiental, construída a partir do diálogo com quem vive e cuida desses territórios. É, no mínimo, irônico afirmar que os recursos do petróleo serão usados para superar a dependência de combustíveis fósseis, quando é justamente essa exploração que ameaça o futuro ambiental, o clima do planeta e os modos de vida tradicionais e originários.
Promessa de responsabilidade ambiental ignora crimes como em 2019
Em entrevista ao podcast Mano a Mano, em 19 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender publicamente a exploração de petróleo. “Sou favorável a que a gente vá trabalhando a ideia de, um dia, não ter combustível fóssil, mas sou muito realista: o mundo não está preparado para viver sem o petróleo”, afirmou o presidente. Segundo ele, a extração de petróleo na região da Foz do Amazonas e Margem Equatorial, que compreende uma das áreas mais sensíveis ambientalmente do país, poderia garantir recursos financeiros para o desenvolvimento nacional e servir como fonte de financiamento da chamada transição energética.
Lula ressaltou que o Brasil já tem uma matriz energética mais limpa que a média global, destacando o uso de etanol na gasolina e de biodiesel no diesel. Para justificar a permanência no modelo fóssil, afirmou que o país não pode “abdicar dessa riqueza”, e reforçou sua confiança na capacidade técnica da Petrobras em conduzir as pesquisas com responsabilidade ambiental. “Ora, o Brasil não vai deixar de explorar riquezas enquanto os Estados Unidos, a França, a Noruega, o Catar [e outros países] as exploram. Precisamos do petróleo para muita coisa. Sobretudo para exportar, para fazermos a transição energética. Isso é para o benefício da sociedade brasileira”, concluiu.
O discurso de que a exploração será feita com responsabilidade não se sustenta diante de casos como o crime do petróleo de 2019, denunciado pela campanha Mar de Luta, há quase 6 anos, que segue sem reparação, e de episódios recentes de vazamento e contaminação em regiões costeiras. Para os povos das águas, a verdadeira transição energética é justa, popular e baseada em outra lógica, uma que respeite os territórios e rompa com a dependência de combustíveis que destroem vidas, ecossistemas e o clima do planeta. Nem todo lucro compensa.
Leilão do fim do mundo
No dia 17 de junho, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou o leilão do 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão, ofertando 172 blocos para exploração de petróleo no país. Entre os 34 blocos arrematados, 19 estão localizados na Bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, e foram adquiridos por Petrobras, ExxonMobil, Chevron e CNPC, totalizando R$ 844 milhões em bônus de assinatura. Apesar de os blocos estarem situados em uma região sensível do ponto de vista socioambiental e sem licenciamento ambiental concedido pelo Ibama, o governo seguiu com o certame, desconsiderando os protocolos de consulta prévia às comunidades tradicionais e as etapas regulatórias ainda pendentes. Para a Campanha Mar de Luta, a venda de blocos na Foz do Amazonas ignora o princípio da precaução e reforça um modelo de desenvolvimento que desrespeita territórios, instituições ambientais e os próprios marcos legais. Ao insistir na abertura de uma nova fronteira fóssil, o país caminha na contramão da justiça climática e da proteção aos povos das águas.
Diante da realização do leilão, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou, no dia 23 de junho, com um pedido à Justiça Federal para suspender as próximas etapas do processo, incluindo a homologação e adjudicação dos blocos arrematados, prevista para 1º de setembro. O MPF aponta a ausência de estudo de impacto climático, da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), de levantamentos sobre comunidades tradicionais e da Consulta Prévia, Livre e Informada, ferindo a legislação ambiental e tratados internacionais. A ação reforça o entendimento de que o leilão foi conduzido de forma irregular e viola direitos fundamentais das populações atingidas.
Mais um leilão
Nesta quinta-feira (26), o governo federal realiza mais um leilão de petróleo, desta vez conduzido pela Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), estatal responsável por representar a União nos contratos de partilha. O certame será realizado na Bolsa B3, em São Paulo, com a oferta de 74,5 milhões de barris dos campos do pré-sal de Mero, Búzios, Itapu e Sépia. A expectativa oficial é arrecadar R$ 25 bilhões, valor que será destinado diretamente ao Tesouro Nacional para reforço fiscal. O leilão mobiliza grandes petroleiras como Petrobras, Shell, TotalEnergies, ExxonMobil e CNOOC. Os lotes ofertados têm previsão de carregamento entre julho de 2025 e fevereiro de 2027. Para a Mar de Luta, a realização de mais um mega leilão de petróleo aprofunda a dependência dos combustíveis fósseis e contradiz o discurso climático que o Brasil vem tentando sustentar internacionalmente. Em vez de ampliar o modelo extrativista, defendemos investimentos em energias renováveis justas, com protagonismo das comunidades e respeito ao meio ambiente.
A Campanha Mar de Luta repudia veementemente a ofensiva do governo federal e da indústria petrolífera sobre a Margem Equatorial, principalmente na Foz do Amazonas. As declarações do presidente Lula e a realização sucessiva de leilões revelam um projeto de país que insiste em colocar o lucro acima da vida, avançando sobre territórios que sustentam comunidades tradicionais, modos de vida ancestrais e ecossistemas vitais. É inadmissível que, diante do colapso climático em curso, dos impactos ainda não reparados do crime do petróleo de 2019 e às vésperas do Brasil sediar a COP30, o governo escolha aprofundar sua dependência de combustíveis fósseis em nome de uma transição energética que, na prática, jamais chega às comunidades. Para os povos das águas, não há transição possível que se construa a partir da destruição. Perfuração é retrocesso, e nossa luta segue sendo pela justiça socioambiental, pela proteção dos territórios e por um futuro onde energia e dignidade caminhem juntas.