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50 anos da Pastoral dos Pescadores

CPP 50 anos
29-06-2018
Imprensa: 

Publicado originalmente no Diário de Pernambuco em 29/06/2018 | Por Cristiano Ramalho*

Durante séculos, a vida das pescadoras e pescadores artesanais no Brasil passou incólume a ação política de grupos ligados à sociedade civil, que tivessem na agenda as comunidades pesqueiras, o que mudou em 1968. Foi a partir desse ano que se criou em Olinda, Pernambuco, a Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP – hoje Conselho Pastoral dos Pescadores), organização vinculada à ala progressista da Igreja Católica.

Essa Pastoral foi resultado da ação do frei Alfredo Schnuettgen, que contou com os apoios do arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara, e do bispo auxiliar de Olinda e Recife, Lamartine Soares, e da inestimável militância da freira Nilza Montenegro, fatores que permitiram ao CPP chegar a outras cidades pernambucanas, a outros estados do Nordeste e regiões do país (a exemplo do Norte).   

Ao seguir os postulados da Teologia da Libertação (movimento sócio-político-religioso), o CPP tomou como preferência integrar sua atuação à luta dos pobres, oprimidos e marginalizados, particularmente pescadores e pescadoras artesanais, colocando-se – via evangelização – como alternativa prática e simbólica ao poder capitalista, às classes e grupos dominantes e, também, à ala conservadora da Igreja Católica na América Latina. Nesse período, além do CPP, inúmeras pastorais surgiram (Operária, Indígena, da Terra, etc.), tornando-se lugares de exercício e defesa da democracia e de combate às injustiças sociais em pleno regime ditatorial (1964-1985).

Pode-se dizer que o CPP foi (e é) um acontecimento único na história das lutas sociais das populações pesqueiras no Brasil, pois várias das suas ações transformaram realidades

Pode-se dizer que o CPP foi (e é) um acontecimento único na história das lutas sociais das populações pesqueiras no Brasil, pois várias das suas ações transformaram realidades, a saber: o reconhecimento da profissão de pescadora em 1979; conquista de direitos previdenciários e trabalhistas; reconhecimento da autonomia da entidade representativa das pescadoras e pescadoras (as colônias) frente ao Estado – confirmada com a Constituição Federal de 1988; combate aos impactos ambientais que afetavam (e afetam) a pesca e o modo de vida das comunidades pesqueiras; participação na criação de movimentos sociais de pesca; defesa da igualdade de gênero; valorização do modo de vida das pescadores e pescadores; e, além de outras questões, apoio à Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras.

Tudo isso revela que o CPP tem cumprido – algo reconhecido pelas populações que pescam artesanalmente – a Missão que atribuiu a si mesma, a de “anunciar aos pescadores a força libertadora do evangelho revelado aos pobres, respeitando sua cultura, para que, pela sua organização, transformem as estruturas geradoras de injustiças, tendo em vista a libertação integral e a construção de uma nova sociedade”.

Ainda são muitas e históricas as injustiças, desigualdades, desrespeitos e indiferenças do Estado e da sociedade frente às comunidades pesqueiras. Porém, o trabalho do CPP sempre possibilitou que as mulheres e os homens das águas (hoje são mais de 1 milhão no Brasil)  pudessem buscar mares piscosos de justiça social, rotas humanizadas, ventos de direitos, rios de reconhecimento. O CPP é um farol de um mundo possível, um barco com roteiro generoso e rebelde. Então, no dia do Padroeiro dos Pescadores e Pescadoras (São Pedro), damos parabéns ao cinquentenário do CPP.

*Professor do Departamento de Sociologia/UFPE