Assessoria de Comunicação do CPP
“Identidade Étnico Racial e Decolonialidade” foi o tema da semana de formação dos Agentes de pastoral do CPP, encerrada na sexta-feira (21/09), no Recanto do Pescador, em Olinda (PE). O encontro que teve início no dia 16, contou com a participação de agentes de todo o Brasil e teve como assessores Saulo Feitosa e José Carajás do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), Vilma Reis do Movimento Negro e César Baldi da UNB (Universidade de Brasília).
Esse processo de formação sistemático do Curso de Formação dos Agentes tem acontecido desde o ano de 2011, com duas etapas por ano. O objetivo dessa etapa, a segunda de 2018, foi possibilitar a apropriação do conceito e da tese de Decolonialidade como ferramenta que fortalece a ação do CPP junto aos pescadores e frente aos processos de negação da identidade, da existência e do modo de vida das comunidades tradicionais pesqueiras. Outro objetivo do encontro foi aprofundar o conceito de raça, etnia, racismo, racismo ambiental, racismo institucional e suas marcas estruturais nas relações da sociedade brasileira.
A temática foi escolhida a partir de reflexões surgidas da avaliação externa da prática político-pedagógica do CPP, que fez algumas indicações sobre o trabalho desenvolvido pela pastoral.
Além da reflexão, o objetivo é que ao fim de todos os encontros de formação a prática político pedagógica do CPP seja sistematizada.
Decolonialidade
“Não há processo colonial sem o racismo, porque a construção de classificação social de raça vai ser determinante para a colonização”, explica o pesquisador César Baldi, ao citar o sociólogo peruano Aníbal Quijano, criador do conceito de Decolonialidade.
Baldi explica que para Quijano, a modernidade, a colonialidade e o capitalismo surgem no mesmo dia. “Há um sistema de poder que é assentado numa classificação social que é a raça”, explica Baldi. Ele ainda afirma que para Quijano, a presença colonial é permanente. “Por isso não é possível descolonizar. Apenas fazer da decolonização um processo que será constante, não acabará”.
Para Vilma Reis, a escravidão e a colonização estão em carne viva no Brasil. “Os ataques ao nosso cabelo, à nossa estética, demostram que as nossas feridas estão abertas”, explica Reis. Com várias indicações de livros, textos e filmes, a socióloga apontou para o processo de invisibilização e de opressão dos negros.
Vilma Reis também falou dos três princípios da Cosmovisão negra na Diáspora Africana: a ancestralidade, a identidade e a resistência. Ela citou uma frase de Marco A. Luz para explicar a ancestralidade. “Para o homem (e a mulher) da tradição, existir não significa simplesmente viver, mas pertencer a uma totalidade”. Sobre a identidade, ela explicou. “É importante o princípio da identidade porque é forjador, é princípio organizador de todas as ações educativas, pois sem ela não existe raiz, referência de si e do outro e quem diz sobre a identidade da gente somos nós”, aponta. Sobre a resistência, ela lembra. “Ninguém nos deu a liberdade, foi preciso lutar, por isso falamos de resistência”.
A socióloga também falou sobre as imagens de controle sobre o ser negro, geralmente baseadas em estereótipos criados pela colonização. “A imagem de controle nos é muito cara, porque a nossa identidade é colocada em dúvida o tempo inteiro”, afirma Reis. “Na questão da colonialidade, como o dominador mantem o poder? Mantendo a imagem de controle sobre o negro!”, explica.
Após falar sobre os impactos da escravidão no Brasil, Vilma Reis lembrou que a suposta abolição da escravidão não garantiu terras, nem boas condições de vida aos negros e negras do país. “Na falta da terra, o nosso povo teve que se lançar às águas”, fala Reis para explicar a origem da maioria dos pescadores e pescadoras artesanais no Brasil. Ela defendeu também a importância de trabalhar a temática do racismo no CPP. “Por isso as discussões sobre racismo têm que ser estruturantes dentro de uma organização como o CPP, que trabalha com pescadores e pescadoras artesanais”.
Bem Viver
Para Saulo Feitosa do CIMI, a cosmologia ocidental se contrapõe à cosmologia do envolvimento, que está presente nas populações indígenas. Como exemplo, ele falou dos mitos populares presentes na cultura brasileira. “O mito da Comadre Florzinha é um exemplo dessa filosofia de proteção da natureza. O que fizemos foi essa mudança conceitual dessa relação com a natureza, tirando o mito e colocando o IBAMA ou o ICMBio no lugar. Essas figuras mitológicas revelam que nas nossas origens haviam filosofias que estabeleciam já acordos de convívio social”, defende.
Feitosa também falou do “Bem viver”, filosofia ameríndia, nascida no Equador, Bolívia e Peru. “Na perspectiva do Bem Viver, a natureza é o centro. O Bem Viver faz uma crítica ao modelo de desenvolvimento, porque o modelo de desenvolvimento critica as filosofias indígenas”, explica. Feitosa também aponta para a dimensão política que essa filosofia ganhou. “Os movimentos indígenas da Bolívia e do Equador resolveram recuperar essas filosofias e transformá-las em instrumentos de lutas políticas”. Segundo ele, os direitos dos povos originários foram trazidos para dialogar com a constituição dos respectivos países. “Foram criados Estados plurinacionais e na constituição do Equador e da Bolívia foram feitos movimentos de dar direitos à natureza. Existem 71 artigos que falam da defesa da terra e assim ressacralizam a terra”, explica.
A intensa semana de formação foi bastante elogiada pelos participantes. “É importante ressaltar o quanto esse processo mexe com a gente e com a nossa autoafirmação”, revela a agente do CPP Bahia, Andrea Rocha. A próxima etapa da formação deve acontecer no primeiro semestre de 2019.