Foi encerrada no dia de ontem (04/03) a Assembleia Nacional do CPP, que pela primeira vez aconteceu de forma virtual. Tendo como tema, "Diálogo, compromisso e esperança: tecendo redes no mutirão pela vida das comunidades pesqueiras", o evento contou com a participação de agentes de pastoral de todo o país, que durante dois dias debateram a atual conjuntura política nacional e o cenário de atuação do CPP.
A Assembleia, que tem o objetivo de avaliar o ano e apontar caminhos para a atuação da pastoral, trouxe relatos sobre o agravamento da pandemia nas comunidades pesqueiras e o aumento da insegurança alimentar entre os pescadores e pescadoras artesanais. O encarecimento dos preços da cesta básica e as restrições causadas pela pandemia do Coronavírus tem dificultado o acesso aos alimentos. “A gente vê que a nossa região amazônica tem sido afetada pela pandemia e as famílias que foram afetadas por essa situação estão passando fome”, revela o agente de pastoral de Santarém (PA), Paulo Miranda.
As dificuldades de acesso ao auxílio-emergencial e ao seguro-defeso intensificaram ainda mais o empobrecimento das comunidades pesqueiras. “O governo genocida afeta o país todo, inclusive os pescadores e pescadoras artesanais. Os poderes públicos têm usado da pandemia para justificar a negligência em relação às comunidades”, analisa o agente do CPP Piauí, Luciano Galeno.
A negligência dos poderes públicos durante a pandemia também tem colaborado para o avanço de empreendimentos que afetam as comunidades e os territórios pesqueiros. “Vemos o avanço dos parques eólicos no Rio Grande do Norte e a volta da ameaça da Usina Nuclear no sertão de Pernambuco”, aponta o agente de pastoral de Pernambuco, Severino Santos. A agente do CPP Ceará, Diana Maia, confirma. “Os grandes projetos têm avançado, especialmente as usinas eólicas no mar. Os empresários são ouvidos pelos poderes públicos e as comunidades são ignoradas”, lamenta Diana.
Para o teólogo Pe. Junior Aquino, que facilitou o debate sobre “Os desafios do serviço pastoral em tempos de pandemia e da desconstrução dos direitos e da democracia”, o Brasil tem sido impactado pelo que chamou de 3 pandemias. “Estamos vivendo 3 pandemias: a pandemia do Coronavírus, a pandemia da desigualdade social e a pandemia do bolsonarismo. A pandemia do Covid-19 é a pandemia que estamos sentindo de maneira mais presente. Pensando nessas mortes, pensamos também no sofrimento e no luto das famílias”, analisa.
Para explicar a “pandemia da desigualdade social”, o Pe. Junior Aquino recorre à análise feita pelo economista e professor da PUC/SP, Ladislau Dowbor, que aponta uma conjunção de crises no momento atual. “Nós estamos vivendo um momento em que há um conjunto de crises implicadas uma nas outras: crise ambiental, crise econômica, crise social, crise política e crise ética. Ele (Dowbor) fala de uma tragédia social, que tem a ver com as desigualdades sociais. No mundo todinho 1% da população tem mais riqueza que 99% das pessoas. As desigualdades e as situações de miséria que já eram tremendas ficaram muito maiores após essa pandemia”, explica Aquino.
Sobre a “pandemia do bolsonarismo”, o sacerdote indica que o bolsonarismo vai além do próprio presidente. “O bolsonarismo vai além de Bolsonaro. Bolsonarismo é uma mentalidade elitista, racista, preconceituosa, de desrespeito aos direitos humanos e à direitos sociais”, explica. Para ele, a “pandemia do bolsonarismo” está a serviço do neoliberalismo. “Bolsonaro é peça de um jogo”.
Apesar de todas as situações graves apontadas na sua análise, o Pe. Aquino defende que é possível “curar” todas essas pandemias. “Nós somos chamados a colaborar no desenvolvimento de estratégias e vacinas que curem todas essas pandemias. Nós não podemos perder a esperança, mesmo no meio da doença, sofrimento e desigualdade social”, analisa. “Temos que defender a vacina para todos e ajudar a construir uma grande frente de esquerda para enfrentar o bolsonarismo”.
Ao final do evento, o conjunto da Assembleia definiu cerca de 20 prioridades para atuação do CPP no ano de 2021, entre elas, a defesa de direitos fundamentais como a saúde, o SUS, a previdência e os direitos trabalhistas.
O fortalecimento da agroecologia e da economia solidária como formas de fazer enfrentamento à fome e insegurança alimentar, também foram pautas defendidas pelos participantes da Assembleia, que decidiram priorizá-las em conjunto com a luta contra o bolsonarismo.
Toinho Pescador
A mensagem de esperança que o Pe. Junior Aquino defende foi trazida aos participantes da Assembleia do CPP, através da participação especial do pescador Antônio Gomes dos Santos, mais conhecido por todos por Toinho Pescador, o poeta de Penedo (AL) que tem uma longa história de luta em defesa do Velho Chico e dos pescadores e pescadoras artesanais.
Poeta e pescador, Toinho teve uma participação importante na construção do Conselho Pastoral dos Pescadores, quando colaborou com Frei Alfredo Schnuettgen, fundador do CPP, na divulgação e consolidação do trabalho da pastoral. Durante a década de 80, em conjunto com outros pescadores artesanais, o pescador poeta também esteve à frente da luta pela inserção de direitos previdenciários para os pescadores artesanais na Constituição de 1988. “Depois que me engajei na pastoral (CPP) foi a minha felicidade. Eu não me esqueço da minha união com as comunidades. Precisamos continuar essa mensagem à todos os irmãos que precisam ouvir e conhecer a Pastoral dos Pescadores. Pra mim, a Pastoral (CPP) é Igreja Viva!”.