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Maré das Décadas: No Ritmo das Águas, o CPP constrói sua História

22-05-2019
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do Congresso do CPP | Texto: Lígia Apel | Fotos: Thomas Bauer

                                  Ranchos trazem informações sobre as décadas do CPP

Navegar pelos anos passados desde a criação, analisar avanços e políticas públicas conquistadas, compreender desafios não ultrapassados e seus motivos e apontar as lições aprendidas em toda a sua trajetória foram os objetivos da atividade Maré das Décadas, realizada na tarde do 2º dia do Congresso de 50 anos do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP).

Para dar conta de tanta história que o CPP tem para contar, os cerca de 500 participantes entraram em um movimento dinâmico e incansável, divertido e sério, intensamente produtivo, assim como é o movimento das marés. Divididos em grupos, os participantes identificaram acontecimentos, conquistas, problemas, desafios que marcaram cada década de caminhada. Com os altos e baixos próprios das marés, ora com tempestades, ora com pequenas maresias os agentes de pastoral seguiam confiantes e perseverantes, na força do compromisso com a luta dos pescadores e pescadoras.

Essa força que moveu as experiências do CPP foi sentida e revigorada pelos pescadores e pescadoras que ouviam, lembravam, dialogavam e concluíam que, em tempos de retrocessos políticos e ameaças aos territórios e identidades, é preciso continuar, constantemente, revitalizando as bases e as esperanças “das lutas, compromissos, beleza e amor profético à causa dos povos das águas”.

Maria das Dores Melo comparou a dinâmica da Maré das Décadas com uma construção, onde se coloca “uma pedra de cada vez e se ficarem bem encaixadas a casa fica bem estruturada. Assim é a história do CPP. Contando ela de dez em dez anos, a gente ganha porque não se perde nada e agora podemos melhorar”, sugerindo a importante renovação do CPP, diante das atuais políticas de ataque aos trabalhadores.

Na incursão pelas décadas, merecem destaque momentos que revelam essa força na resistência e as conquistas alcançadas a partir das incidências geradas.

Na década de 1970, que teve início nos últimos anos da década de 60, foi o período de criação do CPP. Pescadores e pescadoras começam a sentir os sinais dos bons ventos que viriam pelas ações de Frei Alfredo Schuettgen. Seus valores, modos de vida, sonhos e lutas adquirem reconhecimento e são valorizados, apesar do regime militar ter se instaurado no país. Em tempos de ataques aos direitos humanos, a resistência e a coragem marcaram esse período. Assim, afirma Dorinha: “nós não tínhamos medo dos militares. Se a gente tivesse tido medo, a gente não estaria aqui, mas a gente acreditou no Homem lá de cima que cuida da gente e lutamos pela nossa vida”, dando sua opinião de que a solidariedade e compromisso da Igreja foi fundamental para seu fortalecimento. “Esse foi um período que alguns padres e religiosas deixaram seu conforto, suas capelas famosas, seus colégios religiosos e foram fundar pequenas comunidades junto aos pobres. Entre esses religiosos tínhamos Irma Aluízia, de São Bento do Norte, Irmã Assunta, em Rio do Fogo, e Dom Costa, o Bispo que nos acolheu. Então, os padres da época abriram as portas para nos receber e iam celebrar com os pescadores”, disse Dorinha, mostrando sua fé e esperanças na Igreja Povo que lhe fornece a força necessária para confrontar o sistema.

Na década de 80 foi possível respirar. O país entra em um período de redemocratização e surgem diversas organizações de trabalhadores. A cultura e a educação popular se mostram como caminhos de formação da cidadania, colocando as pessoas como sujeitas na construção de suas histórias. É instaurada a Assembleia Constituinte para reescrever a Constituição Federal e os pescadores e pescadoras estruturam a Constituinte da Pesca. A CNBB reconhece o CPP como pastoral que constrói sua prática e missão junto aos pescadores e pescadoras.

Nos anos 1990, o neoliberalismo avança e, junto com ele, vêm fortes ameaças aos direitos conquistados. Por outro lado, as organizações populares dos pescadores se reestruturam e se fortalecem. Nesse período, morre Frei Alfredo e o CPP passa por um dos momentos mais difíceis de sua história. Mas, não perde as esperanças e enfrenta o desafio de perceber, sentir e agir o balizador cuidado pastoral.

Nos primeiros anos do 3º milênio, as lutas indígena, negra e popular buscam unidade para se contraporem aos 500 anos de colonização. Reforma Agrária é uma das principais bandeiras de luta. Mobilizações contra a ALCA (Associação do Livre Comércio das Américas) se intensificam. É eleito o primeiro operário presidente do Brasil, mas as reformas desejadas não foram feitas. Pescadores e pescadoras artesanais se mobilizam contra os projetos neodesenvolvimentistas e à mercantilização dos seus territórios tradicionais. Essa década é tecida por muita luta, resistência e articulação.

As percepções refletem os próximos passos

Em um processo tão intenso, com a maré da luta e resistência subindo e baixando, os 50 anos do CPP foram se construindo e, hoje, em seu jubileu, o CPP sente o balanço das águas e o Agentes e Pescadores artesanais aprendem mais sobre os ranchos sobre as décadas | Foto: Thomas Bauerconvite profético de avançar, de aprofundar o projeto de libertação.

O pescador Adelino Cavalcante Ferrera, de Limoeiro do Ajuru, Baixo Tocantins, entende que o momento de analisar a história da CPP é uma importante oportunidade para os pescadores fortalecerem sua identidade e resistirem em seus territórios: “Entre erros e acertos, o momento é ímpar para voltarmos às nossas bases, corrigir o que precisa ser corrigido e pautar os objetivos que nós, pescadores artesanais, temos para manter os nossos direitos conquistados. O território é nosso. Precisamos lutar por ele e pela nossa identidade. Somos pescadores de fato e de direito. Tempo já tivemos demais, agora está na hora da ação, de sairmos da invisibilidade”, afirma, conclamando os companheiros e companheiras para repensar e planejar as estratégias de luta.

Para as mulheres pescadoras, a história rememorada indica vitória pelo reconhecimento de sua profissão e a garantia de que jamais perderão seus espaços de colaboração na construção de uma nova sociedade. Ângela Fonseca, Pescadora da cidade de Goiana, estado de Pernambuco, diz que a ação da CPP foi a responsável pela transformação em sua vida, de uma pessoa oprimida em uma agente de transformação social. “Eu era uma pescadora que vivia com a cabeça dentro da lama, eu me achava feia, que meu cabelo era ruim, me sentia humilhada ao pensar que marisqueira era quem se interessava pelo marido de outras mulheres.  Mas depois do CPP ajudar a gente, entendi que marisqueira é uma profissão muito digna. E isso me empoderou e me deixou muito forte. Hoje me vejo uma mulher de verdade. Sei que sou importante, sou fonte de vida. Eu não sabia nem falar e hoje sou presidente de uma colônia de pescadores”, afirma Joana com orgulho do caminho trilhado. E Dia que sai do Congresso “mais fortalecida, para ajudar mais ainda os companheiros do meu estado”.

Resgatar a autoestima e assumir a identidade, reconhecendo sua força, é também um resultado alcançado na juventude, com a qual o CPP envolveu no decorrer de sua historia. O jovem quilombola Lucimaro dos Santos, da região Baixo Sul da Bahia, reconhece a atuação do CPP e do MPP e os compara às ações de uma pai e de uma mãe: “O CPP ajuda as pessoas a enxergarem seus direitos, enxergar o seu direito de viver e viver em sua localidade, sem precisar sair para os grande centros. É como nossos pais que orientam a vida da gente. Quando a gente é criança, nossos pais ajudam a gente a se alimentar, a caminhar, a viver. O CPP é um pouco assim. Nossos pais viveram esse aprendizado e agora a participação dos jovens é importante porque é nossa vez de aprender”, diz Lucimaro, convocando seu amigos para a luta: “Essa é a hora da juventude se reunir e estar lutando pelos direitos dos nossos pais, os nossos direitos e os direitos dos nossos filhos que serão o futuro”. 

O jovem também fala do fortalecimento de sua identidade: “Quando eu comecei, eu não tinha ideia do que era o CPP. Um amigo meu me levou para uma reunião. Gostei e comecei a participar e fui me maravilhando. E a partir disso eu tive orgulho de ser filho de pescador e de uma professora. Tive um reconhecimento da minha identidade e orgulho do lugar onde vivo”, finaliza.

 

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