Assessoria de Comunicação do Congresso do CPP | Texto: Lígia Apel | Fotos: Thomas Bauer e Juliana Pesqueira
Unem-se as águas e as terras dos territórios pesqueiros do Brasil, país de riquezas sociais, culturais, ambientais, tradicionais. É com essa sinergia de união, cooperação, interação e esperanças no Bem Viver que os cerca de 500 pescadores e pescadoras artesanais e agentes de pastoral iniciaram, neste 20 de maio, o Congresso dos 50 anos do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), que se realiza nas áreas de convivência da Universidade Federal do Pará, campus de Belém.
Ao trazer os atores e atrizes principais de sua missão para a comunhão e homenagem pelo seu Jubileu, o CPP renova o compromisso de colaborar com os anseios dos profissionais da pesca artesanal, estimulando suas organizações, animando, formando e articulando pescadores e parceiros na luta pelo fortalecimento da identidade, por territórios pesqueiros definidos e garantidos, direitos civis, sociais, ambientais e humanos assegurados e respeitados.
Josemar Alves Durães, pescador do rio São Franscisco, no município de Pirapora (MG), participa do Movimento dos Pescadores e Pescadoras (MPP) desde o seu início e comenta a importância da parceria e apoio do CPP em todos esses anos. “A data é emblemática, com meio século de trabalho junto aos pescadores. A parceria é tão boa que muitas vezes o trabalho da pastoral se mistura um pouco com o trabalho do movimento [MPP]. A gente tá sempre junto e isso é muito importante. Acho que de fé mesmo, [o CPP] é o único aliado que os pescadores e o movimento têm na defesa verdadeira dos nossos interesses”.
Com esse depoimento, Josemar e demais pescadores e pescadoras presentes no Congresso manifestam o reconhecimento ao apoio da CPP e celebram seus 50 anos trazendo profundos agradecimentos e grandes alegrias, mas também, pedidos de continuidade da parceria, pois a política nacional adotada pelo atual governo não é favorável à defesa dos territórios pesqueiros e aos direitos dos pescadores. “Eu acho que a pastoral faz esse trabalho com dignidade, com muito companheirismo, e é justamente aí que precisamos continuar fortalecendo nossa parceria. Em tempos de um governo que destrói vidas, a parceria e a união são essenciais”.
Mistura de terras, águas e vidas dos diferentes rincões do Brasil
Um dos pontos altos da celebração de abertura do Congresso foi o momento em que pescadores e pescadoras misturaram punhados de terra e porções de água trazidos de seus territórios, rios e mares. Ambientes em que vivem e de onde retiram o sustento de suas famílias e comunidades. Uma a uma, as pessoas se aproximavam dos potes e cumbucas e misturavam as terras e águas provindas dos diversos rincões do país, simbolizando a união de suas vidas e lutas.
Josemar, emocionado, afirma que a simbologia é da união de vidas de todos os territórios pesqueiros do país: “Eu achei muito importante esse momento porque mostra a questão do estar junto, se solidarizando nas agonias vividas em cada rincão desse Brasil. E quando a gente mistura aquilo tudo torna-se uma coisa muito forte”, disse, comparando a mística com a estória das varinhas que, quando estão em feixes, inviabiliza as tentativas de quebrá-las.
O pescador também viu, simbolicamente, que as porções de água e terra, ao se misturarem, denunciavam os diversos e sérios problemas que os pescadores enfrentam em seus territórios. “Eu vi os problemas daquelas águas que caíam ali naquele vaso. Os pescadores têm muito problema com as águas de onde retiram seu sustento. Porque a água tá sendo a ‘bola da vez’ do mercado. Hoje, as águas brasileiras significam muitos cifrões. Por isso, tem muita pressão pra cima das comunidades pesqueiras”, lembra o pescador que participou, com apoio da CPP, dos processos de debate para a construção das Diretrizes da Pesca em Pequena Escala, promovida pela FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura e que mostram os interesses do capital mundial na exploração das águas e dos recursos pesqueiros.
Para Ormezita Barbosa, atual secretária executiva do CPP, a mística da união das águas teve como objetivo mostrar que assim como as águas, o CPP move-se junto com os pescadores e pescadoras que, por sua vez, movimentam-se e unem-se em defesa de suas vidas: “quisemos dar esse tom da força e da unidade das águas, tendo a água como esse elemento que nos move e que move toda a trajetória da pastoral. Quando a gente elege a água, a gente elege uma perspectiva dessa força que impulsiona, que nos leva a navegar por esse caminho e por onde passa a luta dos pescadores”.
Em relação à mistura das terras, Ormezita lembra que os territórios pesqueiros são lugares sagrados, de identidade e vida para os pescadores e que a luta é essencialmente pela garantia de permanência das comunidades em suas regiões. “A terra é esse lugar sagrado, de referência que os pescadores vivem e celebram também”, disse, afirmando que as simbologias representam a mensagem do tema do Congresso: “Celebrar a resistência e profetizar a esperança. Consideramos que esses símbolos traduzem esse tema e nos coloca o desafio de que, em tempos de retrocesso, de aumento da violência contra tudo e todos, precisamos buscar também nosso crescimento em meio a essas turbulências todas”.
A secretária também comentou que enfrentar a luta é um desafio conjunto para o CPP e MPP: “Esse é um momento importante da luta dos movimentos sociais em geral, então ter os pescadores reunidos aqui, eu penso que traz essa responsabilidade conjunta da gente fortalecer essa luta, essa resistência contra todos esses retrocessos que estamos vivenciando”, comentando que está muito animada com o encontro e que “a expectativa é que esse Congresso transcorra de forma positiva e que o CPP prossiga seu caminho sendo inspirador para os homens e mulheres das águas”.
Com esse sentido de continuidade, Ormezita lança o convite aos pescadores e pescadoras para “se manterem dando visibilidade a sua luta, a sua história, a sua produção, a sua diversidade. Precisamos continuar irmanados, confiantes e construindo outras formas de vida, uma sociedade diferente, um mundo mais justo, mais fraterno, mais igual”.
Bispos presentes lançam suas bênçãos à diversidade presente no Congresso
O Congresso de 50 anos do CPP contou com delegações dos estados da Bahia, Sergipe, Ceará, Piauí, Maranhão, Minas Gerais, Espírito Santo, Nordeste, Pará e dos estados do sul do país. O comentário de acolhida na celebração retratou a diversidade de realidades e anseios reunidos: “A nossa identidade e memória tem se apresentado como projeto de futuro escrito a muitas mãos, buscando incorporar as diversas formas de fazer e ser, com muitos rostos e sotaques, à serviço do reino junto às comunidades tradicionais pesqueiras do Brasil. Nossos trajetos são desenhados pelas forças das águas que movimentam e impulsionam a busca cotidiana e evangélica junto às pescadoras e pescadores artesanais”.
Dom José Valdeci Mendes, Bispo de Brejo (MA) e presidente do CPP; Dom Frei Carlos Alberto Pereira, Bispo de Juazeiro (CE) e vice-presidente do CPP; Dom Altevir José da Silva, Bispo da Diocese de Cametá (PA) e Dom José Haring, Bispo Hemérito do Limoeiro do Norte (CE) e ex-presidente do CPP, acompanharam a celebração inicial do Congresso e deram suas benções aos participantes.
Na oração final, Dom José Haring, lembrando as palavras de Papa Francisco, encorajou pescadores, pescadoras e agentes de pastoral, dizendo que “as diversidades, sobretudo se forem grandes nos causam medo. Mas, por isso mesmo, elas se tornam um desafio. É preciso lembrar que, acima disso, a diversidade é uma riqueza. Mesmo as mais dolorosas nos ajudam, nos desafiam, nos enriquecem. Por isso é preciso superar os medos e não temer a diversidade dos outros. Colocar em comum o que temos e encarar a diversidade como um desafio que nos faz crescer. Que Jesus Cristo nos abençoe em nossa diversidade e fortaleçamos nossas identidades na construção da justiça e da paz. E que o mundo seja um lugar de Bem Viver.