Propostas incluem medidas de mitigação, adaptação e transformação ecológica para as comunidades pesqueiras
Assessoria de Comunicação do CPP
A Primeira Conferência Livre Nacional do Meio Ambiente dos Povos das Águas foi realizada de maneira remota durante todo o dia de terça-feira (10), com a participação de cerca de 50 pessoas, entre pescadores, ambientalistas e pesquisadores, que debateram os impactos das mudanças climáticas na pesca artesanal, além de terem apresentado propostas para serem levadas à Conferência Nacional do Meio Ambiente, que será realizada em maio de 2025. Na ocasião também foi eleita uma delegada e 2 suplentes para representarem os pescadores e pescadoras artesanais na Conferência Nacional.
A atividade foi uma iniciativa do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras artesanais (CPP) e da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), que tinha o objetivo de articular os povos das águas, além de organizações, para proporem ações e estratégias para o contexto da crise climática e da pesca artesanal.
A parte inicial do encontro apresentou o cenário de impactos vivenciados pelas comunidades pesqueiras que já têm sofrido com os fenômenos extremos das mudanças climáticas. O pescador Pedro Canizio do estado do Amazonas e a pescadora Viviane Teixeira do Rio Grande do Sul trouxeram depoimentos que ajudaram na compreensão da realidade enfrentada por essas comunidades.
“A gente aqui viveu e está vivendo ainda a questão da estiagem. A água está subindo muito lentamente. Nessa época do ano, a água já era para estar mais avançada, mas infelizmente ainda continua bem devagar a subida das águas. Aqui na região a gente presencia várias vezes o fenômeno da seca a partir do mês de agosto para setembro. A seca intensificava mais em outubro, novembro. Eram os dois meses que ficavam mais seco. Esse ano a seca veio mais adiantada. Em setembro a gente já não conseguia mais navegar de barco”, relata o pescador Pedro Canizio da Federação dos Manejadores de Pirarucu da Região de Mamirauá (Femapam).
Ele relata que a dificuldade de transporte devido ao nível baixo dos rios, fez com que as coisas ficassem mais caras, aumentando assim o preço da cesta básica. A diminuição do pescado e das espécies, junto com a falta de água, são preocupações muito presentes entre os pescadores da região. “Algumas espécies a gente ainda consegue pescar que estão fora do defeso, mas com o Pirarucu, que a gente trabalha com manejo, não dá porque é um peixe muito grande”, explica.
Já a pescadora gaúcha, Viviane Teixeira, aponta dificuldades geradas por um fenômeno oposto, que foram as cheias que atingiram o Rio Grande do Sul. “A gente sofreu muito foi com a enchente, né? Ao contrário do outro companheiro aí, graças a Deus aos poucos as coisas estão se normalizando. Não tanto como a gente queria. Porque teve muitas salgas perdidas, muito material de pesca perdido. Muita coisa que ainda tem para ser resolvida e que a gente precisa de muita ajuda ainda”. Um dos problemas relatados por Viviane á a ponte da comunidade que cedeu e ainda não foi consertada. “A gente aqui na comunidade continua com a nossa ponte cedida pelo quartel, não conseguimos colocar a nossa ponte ainda”.
Ela ainda aponta problemas com a água da Lagoa dos Patos. “A nossa Lagoa ela dá sinais de água salgada e de repente do nada ela adoça de novo e dá sinais de algum peixe e do nada ele também vai embora. A gente está nessa luta aí. Lutando e tentando ver o que é que se dá para fazer. Mesmo colocando os pontos negativos e pedindo ajuda, a ajuda não vem”, relata a pescadora fazendo referência à falta de auxílio governamental.
Além do depoimento dos pescadores e pescadoras artesanais, a Secretária de Território e Meio Ambiente do CPP Nacional, Andrea Rocha, apresentou algumas informações que estarão no Relatório de Conflitos do CPP que será lançado em breve. Um dos números apresentados diz respeito à percepção das mudanças climáticas pelos pescadores e pescadoras artesanais. “Esses dados, muito preocupa a gente e eles comprovam o relato das comunidades. Os efeitos das mudanças climáticas estão sendo percebidos no processo de produção e isso é muito grave para as comunidades e a atividade pesqueira”.
Andrea também explica a importância de trazer essas informações para o conjunto dos participantes da Conferência Livre de Meio Ambiente. “A gente traz esses dados e relatos para que a gente possa nos fortalecer e se articular para buscarmos providências urgentes para o enfrentamento dessa situação. Os dados também revelam que os principais causadores desses impactos são as empresas privadas”, aponta Andrea.
Após as falas iniciais, foi aberto o debate para os participantes expressarem as suas opiniões. A pescadora Rosinéa Pereira, da Associação dos Pescadores Artesanais de Porto de Santana e Adjacências, no Espírito Santo, também relatou alguns dos impactos que ela e as comunidades pesqueiras da sua região já vivenciam com as mudanças climáticas. “A gente tem muita preocupação porque no momento a gente não tem mais o quantitativo que a gente pegava de pescado, como o sururu que é o nosso carro-chefe aqui na nossa comunidade. São mais de 300 marisqueiras. Antigamente a gente pegava o caranguejo com muita facilidade, hoje em dia já não pega mais. A lama já tem uma cor diferente, já tem um brilho, que você ver um arco-íris. A lama dos manguezais já está modificando, ou seja, o clima mudou”, relata.
Propostas para a Conferência do Clima
Após o debate na plenária, os participantes da Conferência se dividiram em cinco grupos para discutirem propostas para diferentes eixos temáticos: Mitigação; Adaptação e Preparação para Desastres; Justiça Climática; Transformação Ecológica; Governança e Educação Ambiental. De cada eixo saíram 2 propostas que serão levadas para Conferência Nacional em maio de 2025. O objetivo agora é fazer com que essas propostas sejam aprovadas na Conferência e assim possam ser inseridas na Política Nacional sobre Mudança do Clima e no Plano de Transformação Ecológica que estão sendo construídos pelo governo federal.
Na ocasião também foi eleita a delegada titular e duas suplentes que representarão os pescadores e pescadoras artesanais nos debates nacionais. Como titular, foi eleita Francilourdes dos Santos, da Colônia Z20 do Pará. Como primeira suplente foi eleita Rosinéa Pereira, pescadora do Espírito Santo e como segunda suplente foi eleita Gerônima da Costa, pescadora do estado de Rondônia.
Conheçam as propostas que foram aprovadas na Conferência Livre do Meio Ambiente dos Povos das Águas:
Eixo I – Mitigação
1. Implementar medidas e recursos financeiros orçamentário para a proteção e recuperação de áreas de proteção permanente (mangues, matas ciliares entre outros) para garantir a sustentabilidade dos recursos pesqueiros. Monitorando sistematicamente a saúde e biodiversidade dos ambientes, com pagamento de prestação de serviços ambientais às comunidades e pescadores (bolsa verde) envolvidos;
2. Não permitir e/ou licenciar novos projetos que produzam gases de efeito estufa: tais como: Mineração, Agronegócio, geração de energia, indústria do turismo e exploração de gás e petróleo, sobretudo na plataforma equatorial;
Eixo II – Adaptação e Preparação para Desastres
1. Capacitar as comunidades pesqueiras para criar planos locais de contingência e emergência. Com autodiagnóstico, monitoramento, prevenção e defesa dos riscos e impactos frente às mudanças climáticas, por meio da metodologia participativa e comunicação popular;
2: Construir políticas públicas para financiamento de obras, ações e serviços de adaptação climática que contemplem a construção de casas e espaços de trabalho adaptados à pesca das comunidades tradicionais pesqueiras, garantindo continuidade do modo de vida tradicional e permanência no território.
Eixo III – Justiça climática e superação das desigualdades
1. Criar e efetivar políticas de proteção e regularização dos territórios/maretórios das comunidades tradicionais pesqueiras, garantindo a continuidade do seu modo de vida. Priorizando a aprovação do PL 131/2020 (Lei do Território Pesqueiro) e a efetivação de Marcos Legais que garantem o direito de escuta das comunidades tradicionais, como a convenção 169 da OIT, o Decreto 6040, entre outros;
2. Garantir o direito ao acesso à informação qualificada sobre obras de infraestrutura, e grandes projetos em todas as questões que envolvam, direta ou indiretamente os territórios tradicionais, fazendo valer o direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé, conforme disposto na convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Povos tradicionais são e devem ser prioritários.
Eixo IV – Transformação Ecológica
1. Investir em fontes de alternativas de energia, abastecimento de água e moradia. Fortalecendo as iniciativas de geração de energia descentralizada e populares, por exemplo a instalação de placas solares e construção de cisternas em unidades familiares, de comunidades tradicionais e pesqueiras, bem como do Programa “Minha Casa Minha Vida” em comunidades urbanas e rurais;
2. Investir recursos orçamentários nas Boas Práticas Ambientais já desenvolvidas nos territórios tradicionais rurais e urbanos. Como o reflorestamento de restingas e manguezais; sistemas agroflorestais e agroecológicos. Contemplando programas de reciclagem de resíduos sólidos, orgânicos e reaproveitamento em artesanatos e outros fins.
Eixo V – Governança e Educação Ambiental
1. Garantir espaços institucionais participativos e paritários (conselhos municipais/estaduais de meio ambiente) de governança, com ativa participação popular, para enfrentar as mudanças do clima. Fomentando ações de pesquisa e extensão institucionais (Instituições Públicas de Pesquisa e de Ensino Federal e Estaduais) em apoio à solução das demandas das comunidades tradicionais de pesca artesanal;
2. Fortalecer a legislação ambiental, incluindo novo processo de licenciamento ambiental intersetorial/interministerial e ecossistêmico, que avalie os impactos cumulativos de vários empreendimentos num mesmo território. Garantindo a autonomia e estruturação física e financeira dos órgãos ambientais fiscalizadores para efetivar e garantir a aplicação da legislação.