A conferência reuniu pescadores e pescadoras artesanais, organizações de apoio, representantes governamentais e parceiros acadêmicos com o objetivo de elaborar propostas para fortalecer a pesca artesanal, que serão encaminhadas à etapa nacional
Texto: Henrique Cavalheiro - Comunicação CPP
Nos dias 28 e 29 de outubro, aconteceu a 1ª Conferência Livre de Economia Popular e Solidária dos Povos das Águas, um encontro virtual que marcou um espaço importante de articulação para as comunidades pesqueiras e organizações de apoio. O evento foi um momento de discussão e elaboração de propostas para a 4ª Conferência Nacional de Economia Popular e Solidária (4ª CONAES), abordando desde o papel da economia solidária na preservação ambiental até a necessidade de políticas públicas inclusivas para a pesca artesanal em toda a sua diversidade no Brasil.
Economia solidária e trabalho coletivo: impactos para as mulheres
Pescadora do Piauí, Raquel Silva, da Articulação Nacional de Pescadoras (ANP), destacou a importância do trabalho coletivo das mulheres em sua região. “As mulheres trabalham coletivamente, causando uma série de benefícios para a comunidade. Além do manejo do pescado, somos responsáveis pelo cuidado do território. O trabalho em grupo traz benefícios para a saúde mental das pescadoras e fomenta várias iniciativas locais”, afirmou Raquel, reforçando que, em muitos estados, as pescadoras atuam exclusivamente em coletivos que fortalecem a economia e a qualidade de vida da comunidade.
A união e o associativismo como força para o desenvolvimento
Pedro Canízio, representante da Federação dos Manejadores e Manejadoras de Pirarucu de Mamirauá (FEMAPAM), mencionou o impacto positivo da economia solidária no desenvolvimento das comunidades. “A economia solidária une as associações e fortalece o coletivo, especialmente na negociação e valorização do nosso pescado. Somos os guardiões da floresta, cuidando do meio ambiente e garantindo a sustentabilidade. Fortalecer o associativismo é fundamental para uma vida de qualidade nos territórios”, explicou Pedro, que vê a união entre pescadores como essencial para enfrentar os desafios econômicos e ambientais.
Luta pela preservação dos territórios tradicionais
Já para a pescadora Ana Flávia, da Coordenação das Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC), São Paulo, ressaltou a luta das comunidades pesqueiras contra a especulação imobiliária e a importância de um modelo econômico sustentável. “A economia solidária busca uma economia humana e democrática. A pesca artesanal é um exemplo de atividade feita sem conflitos, com cooperação. Precisamos pensar em políticas públicas que realmente cheguem à base, fortalecendo nossas comunidades contra o avanço do capital”, apontou Ana Flávia, lembrando que o apoio governamental é essencial para que o movimento ganhe força.
Desafios para o acesso a políticas públicas
O secretário de Economia Solidária do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), Marcelo Apel, enfatizou a dificuldade que muitos pescadores têm em acessar políticas públicas. “Não há economia solidária sem território. Proteção do território e acesso a políticas públicas são nossos maiores desafios. Precisamos pensar em estratégias de intercâmbio entre territórios e em formas de garantir que as experiências de sucesso se espalhem pelas comunidades”, afirmou Marcelo, pontuando a necessidade de articulações nacionais para fortalecer as iniciativas locais.
Convivência com a natureza e qualidade de vida para as futuras gerações
Manoel Bueno, conhecido como Nego da Pesca, do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP), destacou a conexão entre o trabalho solidário e a preservação do meio ambiente. “Ou o ser humano cria uma conexão com o meio ambiente, ou o que será das próximas gerações? A economia solidária é um novo modelo de desenvolvimento que valoriza a natureza, promovendo alimentação de qualidade e uso de sementes crioulas”, ressaltou Nego, que vê a economia solidária como uma ferramenta de transformação para uma vida mais justa e sustentável.
Reflexões sobre o contexto político e social
O secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, Gilberto Carvalho, abordou a importância da economia solidária para as comunidades pesqueiras e para o país, destacando que o desenvolvimento deve ocorrer com estratégias que respeitem a natureza e promovam harmonia com os povos tradicionais, como os pescadores e pescadoras artesanais. “A economia solidária é essencial para o Brasil. Permite que as pessoas ganhem o próprio sustento com dignidade e vivam novos valores no sistema de produção, com respeito à natureza e ao comércio justo”, afirmou. Ele enfatizou a necessidade de uma economia que traga desenvolvimento sem prejudicar o meio ambiente, fortalecendo as comunidades locais com práticas agroecológicas e consumo consciente.
Carvalho também refletiu sobre o cenário político atual e os desafios enfrentados pelas comunidades que vivem da pesca artesanal. “O governo sozinho não muda uma sociedade. Precisamos fortalecer as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais”, destacou, mencionando a economia solidária como um ponto fundamental nesse processo de transformação. Carvalho reforçou que, para se contrapor às forças que exploram o meio ambiente e excluem as comunidades, é preciso “acelerar o passo na reconquista da confiança do povo”, contando com a mobilização social e o apoio mútuo entre as comunidades e suas lideranças.
Representando o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), o coordenador-geral de Cadeias Produtivas, Fomento e Inovação, da Secretaria Nacional de Pesca Artesanal, Quener dos Santos, destacou a importância de fortalecer políticas públicas para as comunidades pesqueiras, visando garantir acesso a recursos e fomentar o desenvolvimento sustentável das atividades tradicionais. Em sua participação, ele apresentou a estrutura do ministério e os objetivos do programa Povos da Pesca Artesanal, reforçando o compromisso com o apoio às cadeias produtivas da pesca artesanal.
Os participantes se dividiram em grupos temáticos para debater e construir propostas a serem encaminhadas à Conferência nacional. Abordaram cinco temas principais: 1) Realidade Socioambiental, Cultural, Política e Econômica; 2) Produção, Comercialização e Consumo; 3) Financiamento: Crédito e Finanças Solidárias; 4) Educação, Formação e Assessoramento Técnico; 5) Ambiente Institucional: Legislação, Gestão e Integração de Políticas Públicas. Após as discussões, cada grupo apresentou suas contribuições em plenária, onde foram debatidas e aprovadas por todos. O material será agora sistematizado e enviado para a etapa nacional.
Os participantes da Conferência dos Povos das Águas vão apresentar o pedido para que sejam aceitos como convidados e convidadas os representantes das instituições, organizações e movimentos que conduziram esta conferência livre, pois estas não elegem delegados. É essencial garantir que outras vozes sejam convidadas.
4ª Conferência Nacional de Economia Popular e Solidária (CONAES)
A 4ª CONAES ocorrerá de 10 a 13 de abril de 2025, em Brasília, com o objetivo de fortalecer e consolidar a economia solidária como política pública no Brasil. Em preparação para o evento, conferências locais, estaduais, temáticas e livres estão sendo realizadas ao longo do ano para levantar as demandas e a realidade dos empreendimentos solidários, além de eleger os delegados e delegadas que representarão esses espaços na etapa nacional.
Com o tema “Economia Popular e Solidária como Política Pública: Construindo territórios democráticos por meio do trabalho associativo e da cooperação”, a 4ª CONAES também contribuirá para a formulação do 2º Plano Nacional de Economia Solidária, um avanço que não ocorria desde 2014, quando foi elaborado o primeiro plano. Espera-se a participação de 1.500 delegados e delegadas, abrangendo representantes governamentais, da sociedade civil, de entidades e empreendimentos, em um espaço dedicado ao fortalecimento e à promoção da economia solidária no país.