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QUEM TEM FOME, TEM PRESSA - 1ª Conferência Livre de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional dos Povos das Águas aconteceu nesta terça (10/10)

 Além da construção de propostas e discutir a realidade alimentar e nutricional das comunidades pesqueiras, foi realizada a eleição dos delegados que defenderão os interesses dos pescadores e pescadoras artesanais na 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, agendada para ocorrer de 11 a 14 de dezembro em Brasília (DF) 

10-10-2023
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Texto: Henrique Cavalheiro / Assessoria de Comunicação do CPP

Aconteceu nesta terça-feira (10/10), a primeira Conferência Livre de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional dos Povos das Águas, com o tema: “Territórios Ancestrais Sustentáveis Fonte de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional”. Uma grande oportunidade de aprofundar a discussão sobre os territórios ancestrais pesqueiros como fonte de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. O encontro on-line foi promovido pela Articulação Nacional das Pescadoras - ANP, Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP e Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil – MPP.

Mais de 100 pessoas, entre mulheres e homens das águas, diversas organizações, servidores/as e gestores/as do sistema de saúde e nutrição, pesquisadores/as e demais parceiros/as na defesa de políticas públicas para segurança alimentar para os povos das águas, se reuniram para debater o bem viver e soberania alimentar das comunidades das águas.

A Conferência livre iniciou com um momento de acolhida e mística embalada por poesias e a canção da Ação Cidadania, “Quem Tem Fome, Tem Pressa”. Logo após foi feito uma explicação sobre a importância do encontro e como surgiu a necessidade da realização da Conferência.

Segundo o relatório ‘O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)’, publicado em julho de 2023, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), os indicadores de fome e insegurança alimentar no Brasil são alarmantes. Em 2022, 70,3 milhões de pessoas estavam em estado de insegurança alimentar moderada, que é quando possuem dificuldade para se alimentar. O levantamento também aponta que 21,1 milhões de pessoas no país passaram por insegurança alimentar grave, caracterizada por estado de fome.

Esta Conferência Livre é uma etapa preparatória, participativa e temática para a 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que acontecerá de 11 a 14 de dezembro em Brasília (DF). Que tem por objetivo fortalecer os compromissos políticos com a Democracia, com a erradicação da fome com Comida de Verdade e com o Direito Humano à Alimentação Adequada, por meio de sistemas alimentares justos, antirracistas, antipatriarcais, sustentáveis, promotores de saúde e da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

Mesa de Abertura

Em uma rica discussão, a mesa de abertura debateu a realidade de segurança e soberania alimentar e nutricional das comunidades pesqueiras no Brasil, diversas falas enalteceram a importância da relação da proteção do território pesqueiro como ferramenta indispensável para manter a soberania alimentar na pesca artesanal. Também surgiram as preocupações e possíveis caminhos para enfrentar os desafios enfrentados por essas comunidades tradicionais.

Para Bárbara Ramos, da ANP, as comunidades pesqueiras lutam de forma firme, e, embora estejam em constante resistência, muitas vezes se sentem engolidas por empreendimentos que ameaçam seus territórios. Ramos enfatizou a importância de proteger as águas, essenciais para a vida humana, especialmente para as comunidades pesqueiras. “Estamos com nossos corpos em luta, mas estamos o tempo todo sendo engolidos. Acabam fatiando nosso território, como se as pessoas que ali moram fossem objetos que podem ser descartados”, disse. Segundo a pescadora, não se pode falar de segurança alimentar sem falar da proteção das águas.

A necessidade de atender às demandas das comunidades pesqueiras, que frequentemente enfrentam a fome, foi destacada na fala do Manoel Bueno, conhecido por Nego da Pesca, membro do MPP, que apontou que os mais atingidos pela insegurança alimentar nos territórios pesqueiros, são pessoas negras, sobretudo mulheres pretas.

“Não tenho dúvida que com essa companheirada a gente vai fazer a diferença no combate à fome, e ao racismo ambiental e estrutural e seus impactos na alimentação. Precisamos ocupar os espaços nos conselhos para reivindicarmos nossas pautas para as políticas públicas para nosso povo”, afirmou o pescador, e completou, “Não podemos perder a oportunidade de participação no Conselho de Segurança alimentar”.

Já para Andréa do Espírito do Santo, integrante do CPP Nacional, é preciso ter a compreensão da importância do território pesqueiro como um espaço simbólico, sagrado e ancestral. “A soberania alimentar das comunidades pesqueiras se dá neste espaço do território, onde as pessoas vivem, celebram e se encontram”, ponderou Andréa. Ressaltou também as ameaças constantes enfrentadas pelas comunidades devido a diversos empreendimentos e projetos de lei que impactam negativamente seus modos de vida tradicionais. “O futuro é ancestral, precisamos recuperar essas relações para continuarmos vivos”, finalizou a agente de pastoral citando Amilton Krenak.

Crime do Petróleo de 2019 e a insegurança alimentar

Para a representante da Secretaria Nacional de Pesca Artesanal, do Ministério da Pesca e Aquicultura, Natália de Azevedo, a grave situação de fome e insegurança alimentar no Brasil, foi agravada nos últimos anos por mudanças na conjuntura política, mas também é consequência do crime do petróleo de 2019 e a pandemia da Covid-19. Ela destacou a contribuição fundamental dos pescadores artesanais na produção de alimentos saudáveis para a população brasileira e a importância do reconhecimento desta atividade por parte do Estado e dos governos.

“É preciso falar da contribuição dos pescadores artesanais na produção de alimento saudável para a população brasileira, o que precisa ser reconhecido pelo Estado e pelos governos. Outra questão são os efeitos das mudanças climáticas que está levando a população de vários territórios para um cenário de insegurança alimentar”, declarou Natália.

Victor Urzua, pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) Eunápolis, apresentou dados sobre os impactos da invasão das áreas urbanas nos territórios pesqueiros. Urzua enfatizou a pressão sobre a renda das comunidades, agravado pelo derramamento de petróleo em 2019, o que levou muitos a acumularem dívidas para comprar comida devido à redução do tempo dedicado à pesca após o crime. “O grande desafio é o acesso dos pescadores e pescadoras à máquina do Estado, por meio de políticas públicas. Além de uma necessária valorização do trabalho das comunidades pesqueiras e valorização social”, disse o pesquisador.

Racismo ambiental e estrutural como agravante da fome

Por fim, Edgard Moura, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea, alertou para a perda dos territórios pesqueiros devido ao racismo estrutural e ambiental no Brasil. Ele destacou a falta de políticas públicas adequadas para a pesca artesanal e a necessidade de uma ação conjunta para enfrentar os desafios das mudanças climáticas e a degradação do meio ambiente.

“Em nome da ganância do capital a qualidade de vida das pessoas fica em segundo plano. Temos que fazer uma grande frente para enfrentar as diversas esferas de poder, denunciando a falta de políticas públicas para os povos da pesca artesanal. A mídia está noticiando a morte dos peixes, mas ninguém fala sobre a morte dos pescadores. Temos de estar de mãos dadas cobrando dos governos, denunciando atravessadores. Hoje estão matando nossas águas e nossa terra, e assim vão acabando com nossa forma de ser e existir”, pontuou Moura.

Houve ainda a abertura da oportunidade de fala aos presentes, que relataram suas experiências nos territórios e a relação da pesca artesanal com a segurança alimentar e nutricional.

Propostas e eleição de delegadas

Já no início da tarde, os participantes foram divididos em grupos, para que dessa forma, pudessem elaborar 3 propostas para serem apresentadas em plenária e posteriormente serem levadas para a Conferência Nacional pelos delegados/as eleitos.

Também foi realizada no período da tarde, a eleição do delegado que representará as pescadoras e pescadores artesanais na 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que acontecerá de 11 a 14 de dezembro em Brasília (DF). Foi escolhido para delegado, o companheiro Clarindo Santos, do MPP - Minas Gerais. Como suplente foi eleita a companheira Barbara Ramos, da ANP - Bahia.