Após 3 anos, pescadores ainda relatam impactos ambientais e na saúde que não foram sanados. Manchas de petróleo continuam reaparecendo pelo litoral nordestino
Assessoria de Comunicação da Campanha Mar de Luta
Pescadores e pescadoras artesanais, ativistas e pesquisadores dos 9 estados do nordeste do país e também dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, estarão reunidos entre os dias 29 e 31 de agosto, no Centro de Treinamento Sindical Rural- CENTRESIR, em Aracaju (SE), para o Seminário da Campanha Mar de Luta: 3 anos de resistência ao crime do petróleo. A proposta do evento é discutir os impactos do derramamento do petróleo ocorrido no litoral brasileiro em 2019. Passados três anos, pescadores e pescadoras artesanais ainda relatam graves consequências advindas do crime do petróleo, que não foram sanadas.
O encontro, organizado pela Campanha Mar de Luta - coletivo de movimentos de pescadores, pesquisadores e ativistas - reunirá cerca de 80 participantes com o objetivo de fazer memória e dar visibilidade ao terceiro ano do crime do derramamento do petróleo, cujas primeiras manchas foram encontradas em 30 de agosto de 2019, no litoral sul da Paraíba. Até o final daquele ano, mais 1000 localidades registrariam em toda a região nordeste e em parte da região sudeste, o aparecimento de manchas de petróleo. O reaparecimento das manchas em diferentes localidades de maneira pontual, ainda ocorrem nos dias de hoje, como as que apareceram no litoral da Bahia em julho de 2021 e as que apareceram recentemente, em agosto de 2022, no estado de Pernambuco.
O reaparecimento das manchas é apenas uma das várias questões sem respostas e que estão relacionadas a esse crime. A permanência dos impactos e violações, como a falta de acesso aos direitos dos pescadores e pescadoras artesanais impactados pelo derramamento do petróleo, a falta de dados que demonstrem a situação dos ambientes e das espécies marinhas, a atual situação jurídica dos processos que correm na justiça, entre outros, são algumas das várias perguntas que continuam em aberto. Para refletir sobre essas questões, uma agenda extensa de debates e mobilizações foi pensada para o Seminário, que terá a participação de pesquisadores da UFBA, UFPE, de representantes do Ministério Público Federal e do Congresso Nacional, como os deputados da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB/SP) (que participará de maneira remota), e da Comissão Externa de derramamento do petróleo na Câmara dos Deputados, João Daniel (PT/SE).
“Esse evento é importante porque é a primeira atividade presencial da campanha promovendo esse grande encontro dos impactados de vários cantos”, avalia Andrea Rocha, Secretária de Território e Meio Ambiente do CPP e uma das organizadoras do evento.
Andrea também acredita que o evento vai animar o processo de resistência, além de promover a articulação com outros atores que também estão no processo de enfrentamento aos impactos do petróleo no Brasil, como o que acontece com os povos e comunidades tradicionais do Rio de Janeiro e da Serra da Bocaina, em São Paulo, que fazem um enfrentamento histórico aos empreendimentos petrolíferos que atingem a região há anos.
“Acredito que o encontro vai ajudar principalmente na promoção, articulação e nessa troca de experiências de enfrentamento que esses pescadores e essas organizações têm vivenciado”, finaliza.
Ao “Deus dará”
“Nós não recebemos benefício nenhum. Os peixes se afastaram da nossa região. A colônia não fez nada, o governo federal foi ainda pior. Ficamos ao ‘Deus dará’ até hoje. Ninguém deu assistência para nós”, relata o pescador Josadaque Santos, do município Paco do Lumiar, no Maranhão.
O caso do pescador Josadaque Santos não é único. Apesar do governo federal ter distribuído um auxílio emergencial equivalente a um salário mínimo durante 2 meses, muitos pescadores não foram contemplados. O pouco tempo de distribuição do benefício também esteve longe de corresponder à dimensão dos impactos socioeconômicos causados pelo derramamento do petróleo. Junto com isso ainda houve danos ambientais como a diminuição do estoque pesqueiro, o desaparecimento de espécies e impactos na saúde causados pelo contato direto dos pescadores artesanais com o óleo.
Uma pesquisa realizada em 2020 confirma isso. Dados do levantamento realizado pela Fundação Joaquim Nabuco em 9 estados do Nordeste, apontam que 40,4% dos pescadores artesanais entrevistados relataram que estuários e manguezais próximos foram atingidos e 67,5% relataram queda de renda por conta do petróleo nas praias. A redução da renda média entre os pescadores foi de 37,28%, segundo o estudo.
Falta de respostas
Todas essas consequências são agravadas pela falta de respostas do Estado. A CPI do Óleo foi encerrada em abril de 2021 sem um relatório final que concluísse sobre os responsáveis. Ainda em dezembro de 2021, a Polícia Federal concluiu o inquérito e apontou o navio petroleiro grego como responsável pelo derramamento do petróleo. Apesar do encerramento do inquérito, pesquisadores desconfiam que as provas levantadas pela Polícia Federal são incipientes.
Cientistas de universidades e institutos de pesquisa brasileiros que participarão do Seminário, em conjunto com os pescadores, devem retomar esse debate e revelar dados novos sobre os impactos do derramamento do petróleo nas comunidades pesqueiras a partir das pesquisas realizadas.
Outro ponto importante para o encontro é a compreensão da conjuntura da indústria do petróleo no Brasil, inclusive o avanço da exploração de petróleo sobre as comunidades pesqueiras, em especial o caso da exploração de petróleo pela Exxom Mobil, à 27 milhas da foz do rio Francisco, entre os estados de Sergipe e Alagoas.
“Com o derramamento de óleo perdemos a produção do pescado, porque se acabaram várias espécies. A vida aqui é complicada, difícil de viver, principalmente pelos impactos que a gente vem tendo aqui na região”, relata o pescador de Brejo Grande (SE), Domenicio José dos Santos. Por isso os riscos da exploração de petróleo na foz do Velho Chico deixam o pescador ainda mais preocupado. “Com a Exxom Mobil, que está aqui na foz do rio São Francisco, ainda tem mais coisa. A qualquer momento pode ter mais um derramamento de óleo e ninguém se responsabilizará por isso”, lamenta.
A preocupação do pescador deve-se ao tratamento que os pescadores receberam durante o derramamento de petróleo em 2019, mas também está baseada no histórico da ExxonMobil na prática de crimes ambientais em diferentes países, a exemplo da chamada “Maré Negra”, como ficou conhecido o vazamento de petróleo em 1989, no estado do Alasca. Até 2013 esse foi considerado o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos.
“Precisamos de alguém que ajude a gente aqui nessa região, por conta dos prejuízos que a gente vem tendo”, reivindica Domenicio.
Sobre a Campanha Mar de Luta
A Campanha “Mar de Luta: Justiça social para os povos das águas atingidos pelo petróleo” surgiu em 2020 como uma iniciativa de movimentos sociais de pescadores e pescadoras artesanais e de organizações ligadas às temáticas de direitos humanos e socioambientais, como o Conselho Pastoral dos Pescadores, o Movimento de Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP), Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), em conjunto com outras organizações, além de pesquisadores e ativistas.
O objetivo da referida Campanha é pautar os impactos às comunidades pesqueiras afetadas pelo derramamento de petróleo que atingiu o litoral do Nordeste e de parte do Sudeste do país em 2019, além de reivindicar respostas e reparações do Estado.
Serviço
O quê: Seminário Campanha Mar de Luta: 3 anos de resistência ao crime do petróleo
Onde: Centro de Treinamento Sindical Rural- CENTRESIR, em Aracaju (SE)
End.: Rua Alex Nascimento Silva, nº 116 – Bairro Rosa Maria- São Cristóvão/SE
Quando: 29 a 31 de agosto de 2022
Painéis e debates: 29 e 30 de agosto no CENTRESIR
Mobilização: 31 de agosto, Bairro Industrial, às 15hs