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PEC das Praias: Plenária Popular das Águas reúne pescadores, pesquisadores, ativistas e parlamentares para barrarem a PEC 03/2022

Na ocasião foram feitos encaminhamentos para dar continuidade à luta contra a Proposta de Emenda à Constituição

26-06-2024
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do CPP

A PEC 03/2022, que trata da transferência de propriedade dos terrenos de marinha da União para estados, municípios e particulares e que coloca o acesso público às praias em risco, foi tema de debate realizado na última quarta-feira 19/06, de maneira remota, pelo aplicativo Google Meet. Chamado de “Plenária popular das águas: Não à privatização das praias”, o evento organizado pelo Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) em conjunto com o Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP), com a Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) e com a Comissão Nacional para o Fortalecimento das RESEXs Marinhas (CONFREM), contou com a participação de pescadores e pescadoras artesanais, parlamentares e pesquisadores, com o objetivo de informar ao conjunto dos pescadores e pescadoras artesanais e à sociedade em geral os impactos da PEC 03/22.

Cerca de 100 pessoas participaram online das discussões que debateram as preocupações com as ameaças ao modo de vida das comunidades tradicionais pesqueiras, caso a PEC 03/2022 seja aprovada. Em falas, os debatedores explicitaram o temor de que o processo de privatização de acesso às praias, que já acontece, possa ser intensificado.  “A privatização já acontece de maneira velada. Já aconteceu até morte de pescador que estava pescando em área de cerca elétrica. Essa PEC quer tirar a gente dos territórios que tradicionalmente ocupamos. Dizemos não a essa PEC da morte. Resistir é o nosso lema”, defendeu a pescadora e coordenadora da CONFREM, Janete Barbosa.

Para a pescadora e Secretária da Articulação Nacional das Pescadoras, Raquel Silva, os pescadores precisam ser ouvidos.  “Hoje a gente está aqui para afirmar que nós pescadoras somos completamente contra essa PEC, que chamamos de PEC da invasão. Precisamos deixar bem claro que somos uma população bem grande e estamos contra a PEC que vai invadir o nosso território. Quando tem qualquer processo de invasão, de expulsão, nós precisamos ser ouvidos e não fomos. Queremos nossos territórios livres e com acessos livres”, reivindicou.

O pescador Humberto Almeida, integrante da Articulação Caiçara e morador do município de São Sebastião, litoral de São Paulo, lembrou a tragédia que aconteceu na sua região em fevereiro de 2023, quando milhares de pessoas ficaram desabrigadas e 64 pessoas morreram devido aos deslizamentos de terra. Populações pesqueiras, que foram atingidas pelos deslizamentos, passaram a morar no morro após serem expulsas de seus territórios. “Espero que essa PEC não seja aprovada, porque sem ser aprovada, a prefeitura do município já está tentando tirar uma área de uma comunidade tradicional. Hoje temos poucas áreas de comunidades tradicionais. Muitos são condomínios na beira da praia, porque já foram tirados esses moradores, pescadores e jogados para o morro. Há pouco tempo atrás houve uma tragédia em que muitas pessoas morreram, devido às pessoas que moravam embaixo e foram enganados pela especulação que entrava nessas áreas. Aí essas pessoas foram expulsas e tiveram que ou ser caseiro ou morar no morro. Então por isso essa PEC é muito grave”, alertou.

O pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA), Nelson Bastos, aponta que a PEC é parte de um movimento de mudanças legislativas que buscam legalizar processos de apropriação de bens públicos. “Todo esse movimento que vem acontecendo no mundo todo do avanço da extrema direita é para tentar impor o que já vinha acontecendo de forma restrita e a partir de 2016, ela começa a se espalhar pelo Brasil afora, principalmente em comunidades vulnerabilizadas como a nossa dos pescadores artesanais. Esse processo de privatização das praias, é um processo que já vem acontecendo, dentro de um processo que eu chamo de leis conflitantes com efeitos de legalidade. Nós temos em 2013 a lei dos portos, em 2017 uma nova lei sobre o uso e ocupação de terras e aqui em Abaetetuba, na ilha do Xingu, que tem um assentamento agroextrativista, é uma ilha que a Cargill toma posse de uma faixa de 500 km de área para construir um porto privado. Esse processo continua em andamento, mas já se encontra dentro desse processo da privatização das praias, porque é uma imensa praia dentro da ilha, com grande biodiversidade de recursos naturais, onde a Cargill até hoje tenta o licenciamento ambiental. Essa PEC vem ao Congresso nacional, justamente desse grupo que está tentando legitimar o que não tem legitimidade, a partir de leis conflitantes com eventos de legalidade”, explica o pesquisador.

 

Privatização das praias: uma velha conhecida

“Desde muito tempo essa tentativa de privatizar os terrenos de marinha e acrescidos já vem acontecendo. São várias as denúncias das comunidades pesqueiras. Há muito tempo isso vem sendo denunciado e vem sendo invisibilizado. Além das praias, os terrenos de marinha e os acrescidos de marinha envolvem os manguezais, as falésias, os apicuns, as dunas. Então é tudo muito grave, por isso a gente não pode achar que essa tentativa de privatização atinge só as praias. Porque atinge uma série de ambientes costeiros marinhos que são de fundamental importância pra vida das comunidades tradicionais pesqueiras, principalmente para toda a sociedade, principalmente no enfrentamento das mudanças climáticas”, analisou Ornela Fortes, integrante da equipe do Conselho Pastoral dos Pescadores regional Nordeste 2 e responsável peça organização da terceira edição do Relatório de Conflitos nas Comunidades Pesqueiras do CPP. 

Ornela também citou alguns dos casos mais emblemáticos de privatização de terrenos de marinha, acompanhados pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e pelo MPP, que se intensificaram nos últimos tempos: são eles a ameaça de privatização de parte da Ilha de Boipeba, localizada no município de Cairu, na Bahia, a construção de muros na praia de Maracaípe, no município de Ipojuca, em Pernambuco, que impedem o acesso de pescadores artesanais e o caso de venda fraudulenta de terrenos de marinha, no município de Luís Correia, no Piauí, onde um cartório está sendo investigado pela Polícia Federal por fraudar documentos de posse de terras públicas da União. “São casos que já tem um histórico anterior, mas que não podemos deixar de relatar porque agudizaram recentemente”, explica. Ela também citou dados da próxima edição do Relatório de Conflitos do CPP, onde a privatização das áreas e territórios, em conjunto com o impedimento de acesso, estiveram entre os conflitos mais relatados.  

A pescadora Marinalva Rocha, da comunidade de Cabaceiras, do município de Itacarambi, em Minas Gerais, começou a sua fala reivindicando que as praias de rios também sejam lembradas no debate sobre a ameaça de privatização do acesso às praias. “Sou moradora do rio São Francisco e a gente vê que a PEC já vem de muito tempo. Há muitos anos ela vem querendo derrubar as nossas comunidades quilombolas, pescadores, ribeirinhos, comunidades vazanteiras e quando fala da PEC de privatizar as praias, de colocar as cercas nas nossas águas, a gente fica pensando como que vai ficar esse povo? O rio são Francisco passa por cinco estados, em 500 municípios. Cerca de 16 milhões de pessoas vivem na bacia do São Francisco, sendo que boa parte são de comunidades. Essa nossa luta não é de agora”.

A pescadora ainda lembrou a relação que as comunidades tradicionais tem com a natureza e o quanto a PEC ameaça isso. “Essa é uma vida boa, porque tudo que se planta, dá, mas é uma vida sofrida porque somos perseguidos demais por quem tem dinheiro”, explica a pescadora. Ela ainda falou de conflitos com fazendeiros da região que tem tentado tomar os territórios das comunidades tradicionais. “Eu acredito que o objetivo dele não é apenas se apossar do nosso pedaço de terra, ele quer é tomar toda a beira de rio”, analisa. “É importante defender os grandes rios e as grandes comunidades que vivem à beira do rio São Francisco”, alertou.

 

Pressão popular

O deputado federal Túlio Gadelha (Rede/PE) também participou da Plenária e reforçou a importância da luta para que os Terrenos de Marinha continuem como patrimônios do povo brasileiro. “Muitos depoimentos de vocês ganharam as redes sociais e fizeram com que ganhássemos muitos aliados na Câmara e no Senado pra gente barrar essa PEC. Essa PEC não é boa porque ela privatiza as praias e por mais que isso não esteja escrito no texto, ela restringe o acesso das pessoas à praia. Hoje, pela lei, tem que se permitir o acesso das pessoas que queiram visitar a praia, que queiram conhecer a praia. Se a gente privatiza esses territórios, é lógico que a parte da encosta da areia, as pessoas vão sempre poder acessar, mas para chegar naquela praia especificamente, ela vai ter que passar por dentro de uma propriedade e essa propriedade pode se fechar para o acesso de pessoas, de transeuntes”, aponta o deputado. 

O deputado também fala que o principal objetivo da PEC não é a redução de impostos como senadores vem alegando, mas sim o interesse privado. “São grandes investidores que querem ter a posse plena desses territórios para que seus empreendimentos sejam valorizados, só que o prejuízo é muito grande, tanto para as comunidades, pescadores, marisqueiras, que hoje acessam esses territórios, quanto para o governo que arrecada e consegue investir em estradas, em cuidado ambiental e novos concursos para que se proteja todo esse ecossistema que existe”, defendeu.

A Senadora Teresa Leitão (PT/PE) concorda com o deputado e fala da importância da organização popular para barrar a PEC, devido às dificuldades de tratar as pautas ambientais na atual configuração do Congresso. “A composição dessa nossa reunião é muito simbólica do impacto que essa PEC pode ter sobre as organizações e o povo que vocês representam: as marisqueiras, a pesca artesanal, a cadeia produtiva, os que vivem na beira da maré, os que preservam o mangue, então tudo isso é a representação que eu vejo nessa tela e nós vamos precisar muto dessa força de vocês, desse movimento de vocês pra gente derrotar essa PEC. Ela ataca de maneira frontal a soberania nacional. Todos os países tem a sua área de defesa pública”.

Ela também falou do impacto da PEC para as pessoas que vivem nessas áreas. “O segundo ponto é a questão do desrespeito às pessoas que vivem nessas áreas.(...) O pescador que está lá na colônia, fazendo do pescado o seu meio de vida. Beneficiando o seu pescado na colônia, as marisqueiras que estão lá, no braço de mar, no mangue. O terreno da  marinha como é público e da União, ele preserva e a gente quer mais que ele preserve, a gente quer que ele estimule com políticas públicas, que faça desses pequenos instrumentos, dessa cadeia produtiva de sobrevivência e de subsistência, uma cadeia produtiva que se incorpore no desenvolvimento econômico, socialmente e ecologicamente sustentável”, defendeu. Outro ponto que a Senadora abordou foi o risco da PEC aumentar a especulação imobiliária para grandes empreendimentos.

Ao final do encontro foram pensados encaminhamentos para darem continuidade a luta para barrar a aprovação da PEC 03/2022.  Está previsto o lançamento de uma carta se posicionando contra a proposta de emenda à Constituição, até o dia 28 de junho. 

 

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