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O panorama da mineração no Brasil e no mundo é debatido no segundo dia de formação dos agentes de pastoral do CPP

Mapas e dados usados na formação ajudam a entender os perigos da mineração para as comunidades pesqueiras

23-10-2024
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do CPP | Fotos: Henrique Cavalheiro

O segundo dia (22) da Formação Nacional dos Agentes de Pastoral do CPP, que está sendo realizada entre os dias 21 a 25 de outubro, no Recanto dos Pescadores, em Olinda (PE), abordou o panorama da mineração no Brasil e sua articulação internacional. A militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Claudineia Aparecida e o Frei Rodrigo Péret, OFM, da Rede Igrejas e Mineração trouxeram informações sobre a maneira como as mineradoras atuam e os impactos que causam nas comunidades atingidas.

Claudineia começou a sua participação com uma instalação artístico-pedagógica que foi montada no centro do Auditório, onde os participantes foram convidados a comentarem sobre as fotografias e notícias relacionadas à mineração que estavam instaladas sobre uma esteira no chão. “Para mim, chama a atenção porque é uma tragédia anunciada. A gente não come minério. A gente come farinha, a gente come peixe e pode deixar de ter essa alimentação”, refletiu a agente de pastoral, Sueli Miranda. “O que me chama a atenção é essa questão da impunidade. Enquanto não há morte, ninguém é punido, mesmo cometendo crimes ambientais”, refletiu o agente de pastoral Renan Rocha.

A partir das falas dos participantes, Claudineia começou a relatar a situação de conflito que atingiu uma comunidade rural, na cidade mineira de Teixeiras, há 233 km de Belo Horizonte (MG). A história de conflito no interior de Minas, serviu para apresentar o modus operandi das mineradoras ao fazerem a exploração de minérios.

“A Zona da Mata Mineração conseguiu 3 licenças para minerar na região de Teixeiras (MG). No licenciamento ambiental omitiram diversas nascentes. Casas das pessoas da comunidade foram colocadas como casas de final de semana. Depois de instalada, começaram a utilizar os poços artesianos. Jogaram os rejeitos de minério nas cavas. O transporte espalhou lama pela comunidade, usaram explosivos, atingiram o lençol freático da comunidade”, relata Claudineia.

A ativista relata que uma das estratégias utilizadas pelas empresas é promover conflitos internos entre os comunitários. “A mineração implementa a sementinha da discórdia nas comunidades. Esses conflitos são muito maiores do que a gente consegue enxergar. Eles mentem nas licenças ambientais, colocam multas nos contratos, caso as comunidades se manifestem contra a mineradora e ainda contaminam as águas. A mineração é perversa. É um ato de destruição mesmo”, afirma.

A chegada das mineradoras nas cidades costuma ter o apoio do legislativo, do executivo e do judiciário e em alguns casos, das universidades também. Apesar de todo o assédio, algumas estratégias têm se mostrado eficazes nesse processo de enfrentamento aos empreendimentos. “Uma das pautas que a gente trabalha, é do território livre de mineração. Fazemos esse trabalho de não deixar a mineração se instalar, porque dificilmente depois de instalada, conseguimos tirar a mineradora”, explica Claudineia.

Outra estratégia adotada são os intercâmbios entre as comunidades que estão ameaçadas com as comunidades que estão atingidas por mineradoras. “É uma maneira muita eficaz de fortalecer essa luta”, defende Claudineia. O MAM também tem construído com as comunidades protocolos de consulta e cartografias sociais. Além disso, tem discutido a proposição de leis municipais que garantam a água. “Temos trabalhado muito com Projetos de Lei, já que a gente precisa ter as nossas águas preservadas. Precisamos preservar as nossas nascentes, então temos conseguido aprovar leis que protegem as águas como Patrimônios Hídricos dos municípios. A pressão e a organização popular têm força. Mas é importante que a lei seja construída com o povo e que ele esteja junto nas votações e nas discussões”, finalizou.

 

Mineração e a transição energética

O Frei Rodrigo Péret da Rede Igreja e Mineração fez a sua fala abordando a relação entre a transição energética e o atual processo de exploração de minérios que está acontecendo no Brasil e no mundo. “Esse modelo de transição foi gestado em algum lugar. Não fomos nós que gestamos. A energia tem um papel fundamental, mas o acesso e a distribuição são desiguais”, aponta.

Segundo ele, o atual modelo de transição energética tem causado o aumento da procura por minérios. “A mineração é uma forma de exploração capitalista feita à base da expropriação e atualmente há uma corrida pelas matérias-primas”. O frei aponta que esse é um processo que reproduz as relações coloniais “É novamente a reedição colonial. O norte global com demanda de energia renovável: eólica, solar. Precisa de recursos do sul global. Então eles vão ao sul global dominar as matérias-primas. Nesse processo, não há transferência de tecnologias, o que causa uma dependência”. Essa desigualdade das relações se reflete também nos impactos sobre as comunidades. “Os benefícios são desiguais e não são compartilhados de maneira igual entre o norte e o sul global e aumenta a dependência”.

Para o Frei, pensar o enfrentamento ao aquecimento global apenas como a diminuição da produção de carbono também tem impulsionado uma outra corrida, dessa vez pelo mercado de carbono. “O consenso que enfiaram na nossa cabeça é da questão do carbono. Tudo gira em torno da solução do carbono que foi proposta. A gente enfrenta uma crise sim, mas que é fruto de um processo de consumo”, defende.

Frei Rodrigo continua a sua crítica lembrando o processo de venda de créditos de carbono. “O capital criou um outro tipo de propriedade: a do carbono sequestrado. Eles botaram preço na fotossíntese. É tudo dentro da mentalidade de que para preservar só tem uma forma: pagando. Para eles, natureza é o capital. Daí nasce toda essa ideia que vai impulsionar a apropriação da natureza. Quando a gente pensa no que está sendo feito, é a apropriação do impulso da vida. E a disputa acontece nos territórios”.

Ao mostrar mapas e documentos dos processos de exploração de minérios no Brasil e no mundo, o religioso revela também preocupação com o processo de avanço da mineração no mar. “A transição está mudando a reconfiguração do capitalismo para dar continuidade ao sistema econômico. Há uma arquitetura de dominação que conecta a mineração à transição energética. O impacto que esse modelo vai causar no mundo é enorme. No pacífico, o volume de mineração já é muito grande”, alerta. Claudineia Aparecida complementa a fala do Frei com preocupação. “Na mineração à céu aberto eles (as mineradoras) já fazem o que querem, imagina no fundo mar”.  O franciscano ainda reflete. "Estamos deixando que as estruturas do norte que causaram esse caos sejam os proponentes da solução para as mudanças climáticas".

 

 

 

Alguns dos destaques que a extração e transformação mineral para transição energética vem causando no país são:

•             Exploração de minerais da transição cresceu 39% na última década, frente a um crescimento de 9,3% do setor mineral, em valores reais.

•             Os investimentos em pesquisa de minerais da transição cresceram 240%, contra 150% do setor todo, entre 2013 e 2022.

•             Os conflitos com minerais críticos, de 2020 a 2023, envolveram 15 estados e todas as regiões do Brasil, 101.239 pessoas afetadas, 249 localidades e 348 ocorrências.

•             Pará e Minas Gerais concentram juntos 66,7% dos conflitos.

•             A Amazônia Legal é a região que mais tem violações por minerais da transição, 46,3% das ocorrências de conflitos total e 45,0% das localidades.

•             Barcarena (PA), Canaã dos Carajás (PA) e Craíbas (AL) foram os municípios que concentram mais violências para a transição.

As injustiças da transição climática recaíram, especialmente, sobre os pequenos proprietários rurais (23,9%), trabalhadores (12,1%) e indígenas (9,8%).

 

 * 31,9% dos grupos afetados eram povos tradicionais.

•             Ao menos 101.239 pessoas foram envolvidas em conflitos com minerais da transição no Brasil entre 2020 e 2023.

•             Mineradora internacional (46,3%) e Mineradora nacional (33,6%), sobretudo de médio porte, foram as maiores violadoras.

•             As maiores empresas violadoras foram a Hydro (14,4%) da Noruega, Vale S.A. (11,5%) do Brasil, e a britânica Mineração Vale Verde (8,3%).

•             O cobre e a bauxita foram os minérios da transição que mais danos provocaram, 25,3% das ocorrências cada um.

•             Terra (59,2%), Água (39,4%) Saúde (16,4%) e Trabalho (12,4%) foram as disputas em torno dos minerais da transição.

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