Assessoria de Comunicação do Congresso de 50 anos | Texto: Lígia Apel | Fotos: Thomas Bauer
O 3º dia do Congresso de 50 anos da CPP trouxe a essência da identidade, da mística e da espiritualidade libertadora vivenciada no CPP. Nas primeiras horas do dia, acolhendo os participantes, aconteceu a Celebração Eucarística que ressaltou a importância da preservação do meio ambiente para a pesca e os pescadores, e conclamou a todos e todas para lançar as redes em águas mais profundas. “precisamos fazer com que nossas ações frutifiquem, gerem os frutos do amor, da solidariedade, do cuidado e da fé”, conclamou Dom Antonio de Assis Ribeiro, Bispo da arquidiocese de Belém.
Unindo o convite de “ações que gerem frutos” de Dom Antonio à mística e espiritualidade libertadora que moveu o CPP em suas vivências ao longo dos anos, o monge beneditino Marcelo Barros também convida pescadores, pescadoras e agentes de pastoral a refletir sobre a importância delas. Com uma explanação envolvente, Barros reaviva o principal objetivo da pastoral: “o cuidado com o outro, o cuidado com o ambiente, o cuidado com a vida. Há 50 anos, o CPP assumiu os propósitos e o compromisso da Igreja Povo, a força profética e transformadora que foi conduzindo as ações do CPP”, diz o monge, que propõe, no entanto, uma condição para que essa oportunidade de rememorar a história do CPP não fique apenas “no saudosismo, naquela sensação de que o passado ‘foi tão bom, que pena que passou’. Mas, de lembrar sim o que aconteceu e seguir em frente à luz do que aconteceu, refletir as coisas que estão acontecendo hoje, na atualidade, e olhar para frente para ver o que podemos fazer concretamente”, desafia.
“Para agir concretamente, a mística e a espiritualidade são as forças que movimentam as pessoas”, diz Barros, refletindo a importância da Mística do Martírio, entendendo “martírio não como morte, mas como uma relação de fé e vida em um compromisso libertador”, destaca, referenciando-se em Jesus Cristo que liberta a pessoa integralmente: “Eu vim para que todos tenham vida e tenham vida em abundância”. Barros continua dizendo que “exercer a espiritualidade é alimentar o Espírito Santo em nós, pois, ela é aquilo que está dentro da gente, que a gente não sabe nem explicar, e que revela o amor, o carinho, a fé, a força afetiva. É Deus na gente, que é o Espírito Santo”, completa, indicando que fortalecer o Espírito em si remete à ação coletiva a partir das bases, a partir da luta concreta.
A realidade atual exige mística e espiritualidade fortalecidas
O grande desafio colocado para o CPP, os pescadores e pescadoras nos tempos atuais é manter a mística e a espiritualidade fortalecidas. “O dinheiro é mais importante que as pessoas, o lucro é mais importante que a vida, e isso tem que ser denunciado, tem que ser combatido, tem que ser transformado”, diz o monge contundente, lembrando do objetivo da pastoral: “Assim como a Igreja que saiu e foi até o povo, o CPP tinha uma força profética que foi induzindo a ação sempre a partir das bases, sempre a partir da luta concreta, dos pequenos. Dom Helder Câmara tem uma fala que até virou um canto - o mundo será melhor quando o menor acreditar no menor ”.
Para Barros, “ser crítico e atento ao que acontece com o mundo é uma necessidade na caminhada” e continua sua análise trazendo a mensagem do Papa Francisco que chama a atenção para a sociedade por produzir “um montão de descartáveis, descarta também a vida. Essa sociedade mata”.
Em meio a tantas mazelas consequentes dessa conjuntura, a situação das águas está entre as maiores preocupações. Pela ação direta do CPP junto aos pescadores e pescadoras, Barros enaltece a necessária mística e espiritualidade que vem dos povos das águas: “O CPP trabalha com pescadores e o meio de vida deles é a água. Água do rio, água do mar, água da lagoa. Hoje, esse meio é tratado como mercadoria a ser privatizada. E está contaminada. Então, esse trabalho de defesa das águas é um trabalho de defesa da vida que está nas águas”, alerta Barros, lembrando o Evangelho de São João, onde Jesus fala que “se alguém tiver sede, venha a mim e beba, vou jorrar rios de água viva”. Barros, então, relaciona essa mensagem com o compromisso do CPP que se propõe a ter, de fato, “uma espiritualidade ecológica”, pois, “a água tem vida, a água tem Deus, a água é sagrada. Não pode ser mercadoria, não pode ser vista apenas como recurso hídrico, que custa dinheiro. Não, a água é mais que dinheiro. Então tem que salvar a vida salvando as águas contaminadas e privatizadas”. E exemplifica com a contaminação dos rios em Mariana e Brumadinho (MG), “O Rio São Francisco está contaminado pela Vale, pelas mineradoras, temos que ser capazes de dizer que não podemos mais aceitar isso. Todo mundo junto, todo mundo na luta”, conclama Marcelo Barros.
Revigorar a espiritualidade é fortalecer o compromisso
Para a agente de pastoral da Bahia, Maria José Pacheco, mais conhecida como Zezé, trazer Marcelo Barros para reanimar a mística e a espiritualidade do CPP “é bem importante para recuperar a origem das pastorais das igrejas da América Latina e Brasil, desde Puebla, Medelín, Vaticano II, de que é essa Igreja que tem compromisso com a luta do povo, com a vida do povo, com a transformação da vida do povo”, afirma Zezé.
Na opinião de Zezé, o contexto das políticas nacionais de ataque aos direitos dos trabalhadores exige que o CPP tenha um planejamento de ação à luz da espiritualidade fortalecida e comprometida: “Nesse contexto que a gente vive no Brasil de ataque aos direitos do povo, toda uma perspectiva de retrocesso das liberdades e tudo isso que a gente denunciou, como o racismo, o escravismo indígena, negro, as garantias conquistadas na Constituição, participação, e tudo o mais que estamos perdendo, nos oprime, nos entristece. Então, a fala de Marcelo é um estímulo para que a gente, enquanto Igreja, assuma esse compromisso com essa transformação. E que seja resistente. O que ele falou é sobre uma dimensão da pastoral do martírio, não no sentido da gente morrer, mas no sentido de que a gente precisa se comprometer com a causa daqueles que morreram e deram a vida pela justiça. Esse é o sentido de ser cristão, de ser pastoral.
O pescador Litercílio Pereira Nonato, conhecido como Teba da Bahia, do rio São Francisco, emocionado, também disse que as reflexões de Marcelo Barros contribuíram para revigorar a sua espiritualidade e mística. “Pra nós que somos do MPP foi importante o que ele falou. Clareou uma luz pra gente ir pra frente, lutar mais pra frente. Porque do modo que a gente tá vivendo hoje em dia, a gente podia até se perder. A tristeza é tanta com tudo o que tá acontecendo com nossos rios, que dá desanimo de lutar. Mas com uma fala dessas, que ensina pra gente onde está Deus, a gente vai conseguir algo mais na frente, a gente vai ter força de ir pra frente”, disse Teba, comentando que o MPP está em campanha com um abaixo assinado para regularização dos territórios pesqueiros. “Hoje temos um abaixo assinado que vamos entregar pros homens que tão lá dentro de Brasília, que pra mim é uma luz porque reúne pescadores do Brasil todo. O capitalismo é um bicho papão e vamos mostrar que a gente não tem medo desse bicho papão, porque nós somos movimento”.
Os pescadores e pescadoras do rio São Francisco, na Bahia, enfrentam diversos e sérios problemas com os megaprojetos que estão se instalando no estado. Teba enumera esses problemas: “Primeiramente as grandes irrigações em peso que quebram sempre o mais fraco. Segunda coisa, as eólicas e mineradoras que tão chegando. Terceiro, esse desastre de Brumadinho que já caiu no São Francisco e não é uma coisa bonita. A gente tá vendo que o rio vai ser prejudicado por aquele grande impacto. Está vindo também a ferrovia do MATOPIBA, que vai pegar do Tocatins até a Bahia”, referindo-se à ferrovia de integração leste oeste (FIOL) que vai impactar, direta e indiretamente, diversos rios em seu estado. O cenário traçado por Teba é desolador, mas o pescador sai animado com as reflexões de Marcelo Barros: “Com essa mensagem que ele passou pra nós, a gente vai reunir no MPP. Vou fazer um resumo do que nós passamos aqui e, depois, ver que passos temos que dar agora, daqui pra frente o que podemos fazer”, concluiu.
Ao final do debate, Barros lança um desafio aos pescadores, pescadoras e CPP: “em tempos de novos e fortes ataques aos direitos dos trabalhadores, eu convido a todos e todas a renovar o seu compromisso pastoral”, conclama Barros, lembrando que a CPP é feita por muitas mãos, muitos sotaques, sonhos e esperança coletiva no projeto do Reino de Deus.