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Comunidade pesqueira e vazanteira de Canabrava, em MG, consegue suspensão de liminar que ameaçava a comunidade de despejo

19-05-2023
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do CPP

Após ameaça de expulsão, a Comunidade Pesqueira e Vazanteira de Canabrava, localizada às margens do Rio do São Francisco, entre os municípios de Buritizeiro e Ibiaí, em Minas Gerais, conseguiu no dia de hoje (19), decisão judicial favorável contra a liminar de despejo que foi emitida ontem (18), pela Justiça de Minas Gerais, em processo movido pela Fazenda Pau D’Oleo. A comunidade estava sob risco de nova expulsão de seu território tradicional, após a decisão. A Defensoria Pública, responsável pela defesa da comunidade, recorreu da sentença, apontando a incompetência da Justiça estadual de Minas Gerais para decidir sobre as terras ocupadas pela comunidade, localizadas em área da União, e que por isso devem ser julgadas pela justiça federal. A Vara da Comarca de Coração de Jesus acatou o argumento e suspendeu o despejo. 

A comunidade já havia passado por situação parecida em 2017, quando foi expulsa do seu território. O local que tradicionalmente ocupava, na margem oposta do rio que também faz parte do território de uso tradicional da comunidade, passou por uma reintegração de posse depois de uma decisão liminar emitida pela Justiça Estadual de Minas Gerais, que não tinha competência para arbitrar sobre a situação. A decisão liminar já havia sido suspensa, mas o despejo foi realizado com ação conivente da Polícia Militar de Minas Gerais e com a atuação de jagunços dos fazendeiros locais.

Logo após a expulsão, a comunidade de Canabrava ocupou a Ilha da Esperança, que fica localizada em frente à margem do território onde moravam antes. Mas devido aos alagamentos que ameaçavam a permanência da comunidade no local, passaram a ocupar a margem oposta que já era usada pela comunidade como porto. A enchente que assolou o rio São Francisco em 2022, destruiu os barracões que eram utilizados desde 2017 para abrigarem os materiais de pesca da comunidade, que a partir da expulsão, tem estado em constante estado de vulnerabilidade social, limitada a trabalhar somente um período do ano na ilha da Esperança, quando planta nas vazantes do rio, e na margem que a comunidade utiliza para os ranchos de pesca artesanal e que a Fazenda quer tirar a posse.

Desde a primeira expulsão, a comunidade tem lutado pela emissão do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), documento emitido pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que garante à comunidade a posse e permanência para fins de uso tradicional dos recursos naturais, o que inclui a permanência da comunidade tradicional no local. Em outubro de 2022 foi emitida uma sentença em resposta a uma Ação Civil Pública, que determinou que a Secretaria do Patrimônio da União deve realizar a demarcação das Terras da União, para só então ter destinação das terras públicas com a concessão do direito ao TAUS, segundo uma recomendação da Advocacia Geral da União da SPU. As comunidades ribeirinhas do São Francisco aguardam desde então o cumprimento da sentença para uma solução definitiva.

Por enquanto, a breve vitória que aconteceu no dia de hoje tem sido comemorada. “É muito preocupante essa situação. Ontem mesmo eu nem dormi com dor de cabeça, preocupado. Nós temos que procurar os órgãos mais rápidos para ver se decide alguma coisa pra gente. Vamos conversar com SPU para ver o que eles podem decidir o mais rápido possível. Emitir uma TAUS, uma liberação que a gente pode ficar sossegado num canto, até a SPU decidir como demarca”, apontou o pescador e vazanteiro da comunidade de Canabrava, Edmar Gomes da Silva.

 

Violência do latifúndio

A situação vivida pela comunidade de Canabrava tem se repetido em todo o norte mineiro. Para a agente do Conselho Pastoral dos Pescadores de Minas Gerais, Laís Cristina Assis, a falha do Estado brasileiro na garantia de direitos colabora para que as comunidades sofram as violências dos fazendeiros. “Infelizmente os fazendeiros no norte de Minas da beira do rio São Francisco vem se beneficiando ora da influência e poder local, ora da leviandade de juízes que desconhecem a realidade e o histórico de violações contra as comunidades tradicionais barranqueiras do Rio São Francisco. Como o Estado brasileiro falha na garantia de direitos, principalmente para as minorias desse país, as comunidades acabam sofrendo na pele com o racismo ambiental e estrutural das instituições”, analisa.

Laís também acredita que o golpe que tirou a Presidente Dilma Roussef do poder em 2016, colaborou para o aumento da violência fundiária no norte de Minas Gerais, que tem se intensificado desde então. “Acompanhamos nos últimos anos o aumento da violência no campo após o despejo de Canabrava em 2017, que aconteceu logo após o golpe. Houve, principalmente, a criação de novos procedimentos e condições, além de nenhum orçamento, para promover a regularização dos territórios tradicionais. Infelizmente a omissão resultou em um aumento das ameaças contra as comunidades, grilagem nos territórios e crimes ambientais. Por isso a regularização desses territórios é importante para dignidade desses povos que não tem a mesma lógica gananciosa de latifundiários. Esses povos querem continuar trabalhando e vivendo da forma como aprenderam”, reflete Laís.

A fala da agente é corroborada pelo depoimento de outro integrante da comunidade de Canabrava, o pescador e liderança do Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP), Clarindo dos Santos. Mesmo com as tensões e ameaças de expulsão do território, Seu Clarindo comemorou a boa pescaria da madrugada, preocupado com o destino da comunidade.  “Graças a Deus mais uma noite abençoada pelas bênçãos e acolhimentos pelas águas do nosso abençoado Velho Chico. Até quando vamos ter a dádiva de desfrutar desses milagres, não sabemos, mas pedimos ao nosso Papai do céu que dê muita sabedoria e força às pessoas do bem que conhece as leis e vem defendendo com muito amor e respeito os direitos do povo tradicional dás águas para que assim possamos ter o direito de continuarmos vivendo e fazendo o que precisamos e gostamos muito de fazer”, finalizou.

 

 

 

 

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