Julgamento que pode definir futuro das terras indígenas foi interrompido na sexta (11); povos pedem ao presidente da Corte, Luiz Fux, que remarque julgamento com urgência
Por Assessoria de Comunicação da Mobilização Nacional Indígena | Foto: Tiago Miotto
Em carta destinada ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, diversos povos indígenas pedem que o julgamento do caso de repercussão geral sobre demarcação de terras indígenas seja remarcado com urgência. O documento foi protocolado durante o ato realizado na tarde desta segunda (14) em frente ao Supremo e reuniu mais de 450 indígenas de vários povos de todas as regiões do país.
Na última sexta (11) o julgamento que deve definir o futuro dos povos indígenas foi interrompido logo após o início do período de manifestação dos ministros ser aberto e que deveria durar até o dia 18 de junho. O ministro Alexandre de Moraes pediu destaque do processo que agora deve ser inserido novamente na pauta de votação pelo presidente presidente da Suprema Corte.
O processo trata de uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.
O status de “repercussão geral” dado pelo STF ao caso significa que a decisão tomada nele servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito à demarcação de terras indígenas, além de servir para balizar propostas legislativas que tratem dos direitos territoriais dos povos originários.
A carta é assinada pelo povo Xokleng, que é parte no processo, e por diversos povos que participam da mobilização em Brasília. Na carta, os indígenas manifestam preocupação com os ataques contra seus direitos constitucionais, especialmente os que garantem a demarcação de suas terras, e em seus territórios.
O risco de aprovação de medidas como o Projeto de Lei (PL) 490, que pode ser votado nesta semana na Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara dos Deputados, é citado no documento como motivo de preocupação dos povos, que salientam que decisões pontuais da Corte têm sido utilizadas de maneira descontextualizada para embasar projetos que retiram seus direitos territoriais.
Por meio do PL 490, por exemplo, a bancada ruralista busca impor a aplicação do marco temporal como critério para as demarcações de terras indígenas, “baseada na informação falsa de que o STF já teria decidido adotar o Marco Temporal para a demarcação das todas as terras indígenas do Brasil e que o Legislativo somente estaria regulamentando a decisão do STF”, afirmam os povos no documento.
A carta também cita uma série de medidas e normativas do governo federal que, com a mesma estratégia, utilizam decisões pontuais do STF para manter paralisadas as demarcações de terras indígenas.
“Muitos de nossos territórios, mesmo aqueles já demarcados e regularizados, têm sido atacados e invadidos sob a falsa justificativa de que o STF teria aprovado o marco temporal e que isso daria legitimidade a estas invasões criminosas e violentas que estamos sofrendo”, afirmam os povos.
Os povos indígenas também manifestam sua expectativa de que o STF referende a decisão liminar do ministro Luis Roberto Barroso na ADPF 709, garantindo a proteção aos povos Yanomami e Munduruku, sob forte ataque de garimpeiros, e determinando a retirada dos invasores destas e de outras terras indígenas.
“Manifestamos nossa esperança, confiança e expectativa de que o STF garanta segurança jurídica e justiça, mantendo o texto da Constituição como escrito em 1988, pela demarcação das nossas terras de ocupação originária, sem qualquer forma de marco temporal”, reivindica a carta.
Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, Ministro Luiz Fux
RE 1017365 – REPERCUSSÃO GERAL (TEMA 1031)
Nós, Povo Indígena Xokleng, da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, com os povos que estamos acampados em Brasília/DF, desde o dia 08 de junho, em sintonia com todos os povos indígenas do Brasil que tem se manifestado em suas aldeias, acompanhamos, com muita atenção, o início do julgamento do RE 1017365 (Tema 1031), que foi retirado de pauta do Plenário Virtual do STF por meio de pedido de destaque do Ministro Alexandre de Moraes, no último dia 11. Nos preocupa muito o adiamento do julgamento deste caso emblemático. Isso porque, infelizmente, grupos políticos contrários aos nossos direitos estão fazendo uso do STF, de má fé, na tentativa de justificar ataques e agressões aos nossos direitos noutros Poderes do Estado brasileiro e também em nossos territórios.
É o caso, por exemplo, do que ocorre na tramitação do PL 490/07 na Câmara dos Deputados cujo conteúdo visa extinguir nossos direitos territoriais, duramente conquistados em 1988, com a promulgação da nossa Constituição. Toda a justificativa que o Deputado relator, membro da bancada ruralista, está usando na tentativa de aprovar um Substitutivo ao este Projeto de Lei na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) está baseada na informação falsa de que o STF já teria decidido adotar o Marco Temporal para a demarcação das todas as terras indígenas do Brasil e que o Legislativo somente estaria regulamentando a decisão do STF. Ora, Excelentíssimo Ministro Luis Fux, isso não é condizente com a realidade e a própria existência do RE 1.017.365 com Repercussão Geral em tramitação no STF é a prova disso.
Mesmo assim, o PL 490/07 tem sido colocado em pauta na CCJC da Câmara dos Deputados por pressão da bancada ruralista nestas últimas semanas e novamente está na pauta da sessão do dia 15 de junho desta Comissão parlamentar e isto tem nos deixado extremamente preocupados. Nós também estamos em Brasília para lutar contra esse Projeto de Lei 490/07.
Na prática, o PL 490/07 visa substituir a interpretação do STF sobre a matéria e esvaziar a função institucional desta Corte Suprema. Por isso, se faz necessário que o Tema 1031 seja de pronto julgado. Daí que pedimos encarecida e muito respeitosamente à Sua Excelência que possa pautar o RE 1.017.365 com Repercussão Geral no Plenário do STF de modo emergencial.
Outro exemplo é o Parecer 763, da Advocacia Geral da União (AGU), que, também se apoiando de forma equivocada ou de má fé em suposta decisão do STF, proíbe a continuidade de todo e qualquer procedimento administrativo de reconhecimento e demarcação de terras indígenas no Brasil por parte do governo federal. Esse Parecer da AGU causa um prejuízo permanente e incalculável a todos os nossos povos.
Muitos de nossos territórios, mesmo aqueles já demarcados e regularizados, tem sido atacados e invadidos sob a falsa justificativa de que o STF teria aprovado o marco temporal e que isso daria legitimidade a estas invasões criminosas e violentas que estamos sofrendo.
Diante disso, Senhor Ministro, clamamos pelo julgamento do Recurso Extraordinário nº 1017365 de forma emergencial, para que esta Corte dê uma resposta positiva e afirmativa a nós Xokleng e a todos os povos indígenas do Brasil.
Cumpre salientar neste sentido, que a ACO 1100, que também trata sobre a questão territorial do povo Xokleng, porém sem o caráter de Repercussão Geral, está pautada para ser julgada no Plenário Virtual do STF entre os dias 18 a 24 de junho. Temos uma grande esperança e expectativa de que o julgamento ocorra e que a decisão nos seja favorável, garantindo nosso direito, em respeito à Constituição Brasileira.
Ainda, Senhor Presidente do STF, estamos na expectativa de que esta Suprema Corte referende a decisão liminar do Ministro Luis Roberto Barroso relativo à ADPF 709, cujo julgamento está em curso no Plenário Virtual do Supremo. A retirada dos invasores de nossas terras é obrigação da União e condição fundamental, necessária para que possamos manter nossa existência física e cultural com o direito de usufruto exclusivo de nossas terras.
Por fim, com nossa presença, trazemos o apoio e o respeito de todos os povos indígenas do Brasil a esta Suprema Corte diante dos ataques antidemocráticos que tem sido desferidos esta instituição e seus digníssimos membros. Ao mesmo tempo, manifestamos nossa esperança, confiança e expectativa de que o STF garanta segurança jurídica e justiça, mantendo o texto da Constituição como escrito em 1988, pela demarcação das nossas terras de ocupação originária, sem qualquer forma de marco temporal.
É o que pedimos muito respeitosamente.
Povo Xokleng e demais povos indígenas do Brasil
Brasília-DF, 14 de junho de 2020