Na ocasião serão pensadas estratégias de articulação e enfrentamento conjunto. Será elaborado também um posicionamento político frente ao processo eleitoral.
Coletivo de comunicação das Pastorais do Campo | Por Ingrid Campos | Fotos: Mário Manzi
Iniciou, na tarde de ontem (03/08), o III Encontro Nacional da Articulação das Pastorais do Campo, no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO). O encontro, que será encerrado no domingo (05/08), reúne cerca de 50 agentes de pastoral de todo o Brasil, ligados às pastorais do campo, vinculadas à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Participam agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Cáritas Brasileira, Serviço Pastoral do Migrante (SPM), Pastoral da Juventude Rural (PJR) e Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
O objetivo do encontro é analisar e debater o contexto político, eclesial e socioambiental do Brasil, fazer um balanço das estratégias que vem sendo utilizadas pelas pastorais do campo e elaborar um posicionamento político frente ao processo eleitoral.
Para saber quais são as tendências e desafios do contexto socioambiental, econômico e político, o primeiro dia foi dedicado a uma análise de conjuntura realizada pelo economista Guilherme Delgado e pela coordenadora nacional da Comissão Pastoral da Terra, Isolete Wichinieski. A análise foi prosseguida por um intenso debate dos participantes do encontro.
Delgado iniciou as suas reflexões apontando para a dificuldade de analisar a conjuntura em momentos críticos, já que aumenta a complexidade. “As crises estão desmontando uma regularidade histórica precedente. Abrindo caminho assim para uma nova ordem. Não há uma teoria das crises que nos possa antecipar passos para sair da crise”, analisa.
Ao falar do momento atual, Delgado comparou com as mudanças políticas que ocorreram no Brasil na década de 60. “Naquele momento se consolidou o processo de modernização conservadora do campo, sem mudança da estrutura fundiária. Agora há uma mudança no agronegócio, da maneira como foi concebido entre os anos 90 e 2000”. Ele aponta que o pacto ancorado no Estado está comprometido e por isso surgiu um plano B. “Ao invés da expansão das commodities, o que há agora é a internacionalização e mercantilização plena dos ativos ambientais”, aponta.
O economista citou quatro pontos de internacionalização e mercantilização: as terras agricultáveis, as águas, as minas e os grandes petroleiros. “Essa estratégia, no caso do petróleo, envolve uma tentativa de internacionalizar o pré-sal e a Petrobras. Outro processo é o da internacionalização do sistema Eletrobrás, que é um processo gigantesco de privatização da água. A terceira estratégia é da privatização e internacionalização da RENCA (Reserva Nacional de Cobre e Associados) e a quarta tentativa é a internacionalização do mercado de terras”, explica.
Delgado acredita que entre as possíveis consequências do aprofundamento dessa mercantilização, está o comprometimento do meio ambiente natural e saudável , o comprometimento dos direitos ancestrais dos povos das águas e das florestas, do clima planetário, da soberania alimentar e da soberania estatal.
O economista demonstra preocupação com o prosseguimento dessas mudanças. “Essa é uma estratégia inédita e inconcebível do ponto de vista de um Estado-nação. O Brasil, como o conhecemos, não existiria mais”, alerta. “É como se o campo conservador/neoliberal estivesse se despedindo do Estado-nação Brasil, para entregá-lo de vez aos donos do capital”.
Sobre as eleições, ele se mostrou pouco otimista. “Eu não vejo nenhum sinal da possibilidade de eleição de Lula. Mas acredito que pode se construir um acordo de centro-esquerda para barrar o golpe através da radicalização democrática, que teria que vir através de plebiscitos, referendos, ou através de uma possível constituinte”, finalizou.
Comunidades tradicionais
As consequências da mercantilização sobre os povos ancestrais das águas e das florestas, relatados por Delgado, foram confirmados com os dados do Caderno de Conflitos do Campo da Comissão Pastoral da Terra, trazidos por Isolete Wichinieski. Através de um apanhado histórico sobre o processo de lutas das comunidades tradicionais, Isolete confirmou haver um recente processo de recrudescimento dos conflitos agrários vividos pelas comunidades tradicionais. “63% dos conflitos agrários de 2017 aconteceram contra comunidades tradicionais. Elas também estiveram envolvidas em 76% dos conflitos por água que registramos em 2017”, afirma.
Isolete citou o geógrafo Milton Santos, que afirmava que os territórios são a última fronteira contra a colonização, para apontar que a questão da posse tem que ser discutida. Ela acredita que as empresas do latifúndio querem segurança jurídica e por isso tem havido um processo intenso de regularização das terras. A agente citou como exemplo dessa mudança, as recentes leis dos estados do Piauí e de Goiás que dispõem sobre regularização fundiária nos respectivos estados. “As leis dos dois estados regularizam a posse de terra nas mãos das empresas que estão nas terras a partir de 2010, isso é praticamente uma grilagem de terra legalizada”, critica.
Ela ainda aponta que a grilagem não é apenas de terra. “Nós hoje temos a grilagem das águas e a grilagem verde também”. Como exemplo, ela cita o CAR (Cadastro Ambiental Rural), que na opinião dela, tem servido para a grilagem. “Muitos fazendeiros, ao se cadastrarem, colocam como reserva legal das suas propriedades, os territórios onde estão as comunidades quilombolas e indígenas”.
Uma das dificuldades enfrentadas pelas comunidades tradicionais é a inexistência de um marco legal para regularizar os territórios. “Existe o marco legal para as populações indígenas e quilombolas, mas para as outras identidades tradicionais não há”. Ela citou como exemplo, a campanha pelo projeto popular de lei do território pesqueiro, feita pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais, que conta com o apoio do Conselho Pastoral dos Pescadores.
Isolete acredita também que tem aumentado a descrença em relação ao Estado. “As comunidades não querem mais o Estado. Por isso a autodemarcação e os protocolos de consulta. Em Correntina (BA), as comunidades foram defender os seus direitos fora do Estado. Está havendo um outro jeito de pensar e organizar esse processo, que acontece na gestão também”, aponta.
Em meio a esse contexto, a coordenadora da CPT provoca. “Será que é possível ter um movimento unificado dos povos e comunidades tradicionais?”, questiona.
As discussões terão prosseguimento no dia de hoje, quando serão feitos os debates sobre o contexto eclesial da igreja.