Sociedade civil ganha tempo para tentar garantir proteção aos territórios pesqueiros no PL
Assessoria de Comunicação do CPP
O Projeto de Lei (PL) 576/2021, conhecido como o PL das Eólicas no Mar (offshore), teve a sua votação adiada na manhã dessa terça-feira (03/12), na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) do Senado, após pedido de vistas coletivo feito pelos senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Otto Alencar (PSD-BA), o que significou mais tempo para os demais parlamentares estudarem a matéria. A expectativa é que o pedido volte à pauta da casa na próxima semana.
Organizações e movimentos sociais presentes no Plenário 13 do Senado, comemoraram o adiamento da votação. Há no momento uma corrida para criar dispositivos na lei que evitem impactos às comunidades tradicionais pesqueiras no processo de implantação das usinas eólicas. Os “jabutis” dos combustíveis fósseis que foram acrescentados ao projeto na sua passagem pela Câmara dos Deputados, também têm sido alvo de muitas críticas de organizações ambientais e de associações que reúnem consumidores de energia elétrica, já que a inclusão das emendas, além de incentivar a expansão das usinas de energia termoelétrica, que podem intensificar o efeito estufa, também tendem a aumentar as contas de energia pagas pelo consumidor doméstico.
Apesar de toda pressão da sociedade civil, o relator do projeto de lei, o Senador Weverton Rocha (PDT-MA), manteve os benefícios às termoelétricas. “Infelizmente, na leitura do relatório, o relator afirmou que ouviu todos os setores pra construção desse texto, o que é uma mentira, porque o setor da pesca artesanal não foi ouvido, bem como a sociedade civil e ambientalista, que está tentando alertar contra os ‘jabutis’ fósseis que estão no texto. Então a gente ficou bem chateado de se sentir muito desrespeitado dessa forma, né, com essa afirmação de que todo mundo foi ouvido, mas a gente tá aqui para pelo menos fazer nosso protesto e tentar de alguma forma influenciar os demais senadores a votarem contra essa atual redação”, refletiu a gestora ambiental e Assessora Técnica de Políticas Socioambientais do Painel Mar, Letícia Camargo.
Letícia acredita que o projeto deve ser aprovado na próxima semana na CI e então seguir para o Plenário do Senado para concluir o ciclo de votação. Mas as organizações ainda correm para incluir dispositivos que garantam mais proteção às comunidades pesqueiras. “A gente vai tentar trabalhar pra que no plenário, seja aceita uma mudança de emenda de redação pra considerar o respeito aos territórios tradicionais da pesca artesanal, porque infelizmente, a leitura da maioria dos senadores é que esse é um projeto verde, positivo, ambiental, o que na verdade a gente chama de ‘Greenwashing. Legislativo’, que é quando se faz uma lavagem legislativa de uma proposta que na verdade tá trazendo junto a emissão de gás do efeito estufa por conta dos ‘jabutis’ fósseis e que não tem as salvaguardas necessárias às comunidades que serão atingidas”, analisa Letícia.
A não escuta das comunidades pesqueiras também preocupa a Secretária de Território e Meio Ambiente do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras artesanais (CPP), Andrea Rocha. “Eu avalio a reunião de hoje com o sentimento de muita preocupação com as comunidades, as suas vidas, o modo de vida, os territórios. O processo é feito como se essas comunidades não existissem, não estivessem lá, não fossem importantes do ponto de vista da economia cultural pra sociedade brasileira. Então os senadores cuidam dessa pauta, como se não existissem essas pessoas lá e no fundo, a gente sabe que são as que vão ser mais impactadas, né? Esse projeto de lei traz mais essa ameaça de que vai ter as eólicas no mar, que tem o objetivo ligado com essa questão do mercado da energia e essas comunidades ficam alheias, porque elas não têm acesso, muitas vezes, à energia. E se tem acesso à energia, é uma energia que a gente paga caro por elas”, critica.
Proteção confusa
Algumas das reivindicações da sociedade civil foram atendidas e colocadas no texto, como por exemplo, a necessidade de consulta prévia, livre e informada para as comunidades que podem ser impactadas pela instalação dos empreendimentos eólicos. O texto que atende esses requerimentos, no entanto, teve a redação complementada com alternativas que causam desconfiança. Um exemplo é a reivindicação de que o Planejamento Espacial Marinho (PEM) anteceda a implantação das usinas eólicas. A redação do projeto coloca esse pré-requisito, mas aponta que possa ser usado um outro dispositivo similar ao PEM que não está explícito na redação do PL, o que abre espaço para que possa haver flexibilização no processo de implantação das usinas em espaços onde estão os locais da pesca artesanal.
Outro ponto que causa preocupação é que o texto abre a possibilidade de implantação de TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável) no mar, para a garantia das áreas de pesca. Acontece que a TAUS é uma autorização emitida pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), para o uso de áreas terrestres da União, pelas comunidades tradicionais. Não há informações de seu uso para áreas marítimas. “A gente viu ali que alguns pontos foram colocados nesse processo de incidência, como essa questão do PEM, mas isso não contempla às demandas de direito, e de garantia de direitos das comunidades de um lado. Do outro lado, tem um processo aí, essa questão das TAUS no mar, a gente não tem experiência de ter TAUS no mar. Então isso também parece ficar descontextualizado. E a nossa preocupação só aumenta com esses projetos, que nesse final de ano, estão tramitando nessa casa, que é uma casa que ao invés de representar ameaça, deveria representar a segurança dos direitos das comunidades tradicionais pesqueiras”, critica Andrea.
A luta continua
A proposta das organizações é dar continuidade ao processo de mobilização e incidência para pressionar o Senado para inserir dispositivos mais claros de proteção às comunidades pesqueiras. “Eu acho que a gente intensifica esse processo de mobilização, exigindo que as comunidades sejam escutadas, sejam vistas e consideradas nesse processo. As comunidades precisam participar dessa proposta. Esse projeto tá no contexto de construção da transição energética, então, pra ser uma transição energética, ela precisa ser justa participativa e a nossa meta é continuar a reforçar esse processo da mobilização junto às comunidades. É pautar a mídia para que a gente possa, com essa mobilização, fazer com que essas comunidades sejam ouvidas e suas propostas sejam consideradas”, finalizou Andrea.