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Em Audiência Pública, comunidades tradicionais se pronunciam contra a implantação de Parques eólicos no mar (offshore)

Projeto de Lei que tramita no Congresso em regime de urgência coloca o modo de vida das comunidades pesqueiras em risco 

07-09-2023
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do CPP

Pescadores e pescadoras artesanais, em conjunto com representantes de populações tradicionais como indígenas e comunidades quilombolas participaram na terça-feira (5) da Audiência Pública “Impactos socioambientais da construção de parques de energia eólica”, na Comissão de Direitos Humanos, minorias e Igualdade racial, na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). A Audiência foi requisitada pela deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ) e contou também com a participação de representantes do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério de Pesca e Aquicultura e do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente).

Na ocasião, os representantes dos povos e comunidades tradicionais falaram dos impactos vivenciados pelas comunidades desde a implantação das primeiras usinas eólicas há 20 anos, no formato onshore (em terra) e relataram o temor pela possibilidade de implantação das usinas em formato offshore (no mar), como está sendo proposto pelo PL 11.247/2018, que visa regulamentar parques eólicos offshore no país e que tramita em regime de urgência na Câmara. Uma carta assinada por 110 comunidades, movimentos sociais e organizações, incluindo o Conselho Pastoral dos Pescadores, foi lançada também na terça-feira (5) e pede que sejam feitas consultas prévias, planejamento participativo e respeito aos direitos das populações locais na tomada de decisões relacionadas ao uso desses territórios costeiros, bem como destacam a necessidade de considerar a conservação da biodiversidade e a sustentabilidade nas decisões sobre megaempreendimentos eólicos nas áreas costeiras do Brasil.

“Um empreendimento que ganha o nome de energia limpa precisa, de fato, mitigar ou reduzir totalmente os impactos ambientais e sociais. Não estamos aqui contra a energia limpa, mas ela precisar ser efetivamente guardiã dos nossos biomas, povos e comunidades tradicionais”, afirmou a deputada Talíria Petrone no começo da sessão.

A geógrafa e pesquisadora, Adryane Gorayeb, Coordenadora do Laboratório de Geoprocessamento e Cartografia Social da Universidade Federal do Ceará (UFCE), falou da pesquisa realizada no litoral do Ceará, utilizando a metodologia das cartografias sociais. “Em 2019 e 2020 iniciamos um processo para fazer a cartografia social de todo o estado do Ceará. Nós não sabíamos quantas eram as comunidades no interior do estado. Havia essa invisibilidade e ausência das populações no mapa oficial. Encontramos 324 comunidades tradicionais. Mapeamos 204 áreas de pesca, 527 pesqueiros. Os projetos de parques eólicos serão implantados em áreas de pesca e impedem a navegação. Impedem a chegada e o retorno nessas áreas”, explicou a pesquisadora.

O deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa  do Ceará, Renato Roseno (Psol), participou de maneira remota da Audiência e falou das contradições presentes na produção de energia eólica no Brasil. “A energia certa não pode ser feita do jeito errado. Nós, em especial, sabemos da urgência de acelerarmos o processo de transição energética, mas o processo de descarbonização não pode levar à injustiça climática e ambiental”, criticou o deputado. “Precisamos fazer um debate cuidadoso, envolvendo as comunidades pesqueiras. Precisamos de outros marcos legais. Precisamos avançar no Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE) no Ceará e em outros estados. Precisamos também do Planejamento Espacial Marinho”, enumerou o parlamentar.

Impactos nas comunidades pesqueiras

As ausências de ordenamentos que levem em consideração as populações das águas, já causam uma série de impactos já conhecidos da maioria das comunidades pesqueiras. Para a dirigente da Articulação Povos de Luta do Ceará, Carine Santos Silva, as comunidades já lidam de diferentes modos com os impactos e danos gerados pelas eólicas. “Há produção de pobreza, que afeta mulheres, homens, jovens e adultos. Reivindicamos a legitimidade de nos posicionarmos e sermos ouvidos e ouvidas diante de toda essa problemática. A luta está grande e o diálogo está difícil. Em nenhum momento fomos consultados sobre os projetos”, relata. Carine também fala dos impactos já conhecidos a partir das eólicas nas áreas terrestres. “Já sentimos na terra os impactos que esses empreendimentos estão trazendo para nós. A perda do território é algo que já visualizamos na prática. Para nós, essa energia não é justa e popular, porque não estamos fazendo parte dessa discussão. Se o empreendimento acontecer, vamos perder também a biodiversidade dos ecossistemas marinhos. Há projetos para construir eólicas em corais”, denuncia.

O pescador Raimundo Siri, membro da coordenação nacional do Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais também falou dos impactos das eólicas nas comunidades pesqueiras e as ameaças ao território pesqueiro. “A gente já vem trazendo essas agonias há muito tempo. Todos os dias fazemos luta para garantir o nosso espaço de pesca aberto. É quando vem um pacote recheado de interesses econômicos e políticos e a gente se depara com o texto do Collor de Mello. Porque ele não enxerga as comunidades pesqueiras, eles não enxergam os pescadores. Eles tentam nos invisibilizar”, aponta o pescador da Bahia. Raimundo ainda explica o porquê da invisibilização das comunidades. “A gente entende isso como racismo ambiental. Isso não é outra coisa senão privatizar as águas. Vai prejudicar na migração das aves, vai interferir nas correntes marítimas. Vamos continuar fazendo luta. Precisamos do nosso território livre e desimpedido para produzir alimento saudável para esse país. Esse processo todo está sendo criminoso”, critica.

A pescadora Viviane Alves do MPP do Rio Grande do Sul também relatou os temores pelas ameaças de construção de parques eólicos na Lagoa dos Patos, no seu estado sem consultar os pescadores e pescadoras artesanais. “Querem instalar esses empreendimentos na Lagoa dos Patos. O que sempre dizem é que não ocupamos esses espaços. Esses espaços são nossos. Esses espaços vão ser impactados negativamente para gerar energia. Isso vai gerar exclusão das comunidades tradicionais da pesca, morte da fauna e da flora, doenças. Esses processos desconsideram o modo de vida dos povos das águas. As consultas públicas não estão seguindo. Estão agindo de má fé com as comunidades pesqueiras, sem a consulta livre, prévia e informada. Mas nós estamos aqui e a luta vai continuar”, defendeu.

 

Planejamento Espacial Marinho

Ana Paula Prates, responsável pelo Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente (MMA), também foi ouvida na Audiência Pública e defendeu a necessidade de realizar o Planejamento Espacial Marinho.  “Precisamos fazer a transição para o zero carbono. Batemos 4 recordes climáticos esse ano. Mas como descarbonizar para uma maneira que inclua justiça climática? Precisamos fazer o Planejamento Espacial Marinho, porque assim vamos poder identificar aonde e como vamos poder ter novas instalações de energias alternativas”, defendeu. 

Ana Paula também falou da retomada do gerenciamento costeiro junto aos estados e sobre a necessidade de fazer a transição energética com justiça climática. “Estamos pedindo audiência para conversar com o relator do PL (11.247), para que haja respeito às comunidades tradicionais. Precisamos fazer o Planejamento Espacial Marinho para enfrentarmos as novas tentativas de exploração do mar, como mineração marinha. Assim criaremos áreas marinhas protegidas, onde manteremos o oceano mais sustentável. A transição energética é importante, mas tem que vir com a justiça climática”, finalizou.

A liderança quilombola, João do Cumbe, criticou a característica colonizadora do empreendimento e a utilização de modelos europeus para pensar formas de diminuição de impactos dos parques eólicos, que foi apresentado pelo IBAMA na Audiência. “Os países europeus querem descarbonizar o planeta sacrificando os nossos territórios. Os empreendimentos eólicos têm a intenção de produzir hidrogênio verde para atender a Europa. Nós não podemos nos basear em estudos a partir da Europa. O continente europeu não tem a diversidade de comunidades tradicionais e de sistemas biodiversos que tem aqui”. Ele ainda apontou a contradição vivida pelas comunidades que perdem os seus territórios para a produção de energia a qual não conseguem ter acesso.  “Ninguém da comunidade utiliza essa energia. Pagamos energia cara, perdendo o nosso território e a relação que estabelecemos com as nossas dunas e praias”.

João ainda falou da necessidade de incluir outros órgãos governamentais no debate. “A energia limpa é uma demanda nossa, mas a maneira como está sendo pensada é suja e viola direitos ambientais e direitos humanos. Precisamos trazer o MMA, o MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura), e a SDH (Secretaria de Direitos Humanos) para participar desse debate também”, finalizou.

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