Notícias

PEC das Praias: Audiência Pública com falas contrárias à PEC 03/2022 e mobilização da sociedade civil adiam votação

CPP participa das manifestações contrárias à PEC durante a Audiência e convoca a sociedade a dar continuidade aos protestos 

28-05-2024
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do CPP

Durante a Audiência Pública realizada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na tarde de ontem (27), para discutir a PEC 03/2022, que propõe a transferência da propriedade dos terrenos de marinha, que são atualmente da União, para estados, municípios e agentes privados, um conjunto de manifestações, majoritariamente contrárias, tanto da mesa de expositores, quanto da audiência presente, pressionou para o adiamento da votação da PEC, que estava prevista para acontecer até a próxima semana. Veículos de imprensa tem noticiado que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), sinalizou não levar a PEC para votação no momento.

Manifestações da sociedade civil contra a aprovação da PEC, tanto pelas redes sociais, quanto com gritos de ordem no momento da Audiência requerida pelo Senador Rogério Carvalho (PT/SE), deixou clara a impopularidade da proposta de emenda à constituição: “A nossa luta é todo dia, o litoral não é mercadoria”, foi gritado durante a seção na Comissão de Constituição e Justiça, presidida pelo relator do projeto, o Senador Flávio Bolsonaro (PL/RJ). 

Falas de representantes do governo federal também corroboraram as manifestações contrárias. “Há uma inversão de lógica. Quando a gente tem na Constituição os bens constitucionais e as competências, a PEC inverte. A proposta passa para os particulares que ocupam ou passa para estados e municípios, independente, como se já estivesse congelado o interesse público da União nesse conjunto de terras, que são essenciais para que a União exerça as suas competências de promover, coordenar e implementar um conjunto de políticas públicas e programas prioritários” defendeu a representante do Ministério da Gestão e Inovação dos Serviços Públicos, Carolina Stuchi, em fala durante a seção.

Stuchi também alertou para a possibilidade de a PEC aumentar os conflitos fundiários. “O outro problema da PEC é que ela extingue esse conceito da faixa de segurança e permite a alienação, a transferência do domínio pleno, nessas áreas, que para o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, são importantes que sejam mantidas. Ela também favorece a ocupação desordenada, ameaçando os ecossistemas brasileiros, tornando esses territórios mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos e aos conflitos fundiários”, explicou.

A Coordenadora Geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marinez Eymael Garcia Scherer, iniciou a sua fala mostrando uma série de fotos de situações de erosão que tem acontecido em vários pontos do litoral brasileiro. “Isso tudo vem acontecendo e não podemos negar, é devido ao aumento de temperatura do globo e principalmente um aumento da temperatura do mar. Esse gráfico mostra o quanto estamos além da maior temperatura média do mar que já foi registrada, em 2023. Então a gente já bateu o recorde do recorde. Isso leva ao aumento do nível do mar e o mar vai para cima da terra”, explicou. 

A pesquisadora ressaltou a importância dos terrenos de marinha serem áreas de conservação permanente. “Se a gente perde esses ecossistemas, vamos perder bem estar humano, vamos perder economia”, explica. Scherer ao falar da importância dos terrenos de marinha, que no Brasil chegam a 33 metros da linha da maré cheia do ano de 1831, época em que a legislação que a regulamenta foi instituída, também trouxe uma série de dados sobre as áreas de segurança e proteção nas zonas costeiras de diferentes países que são, em sua maioria, mais extensas que a do Brasil. “Em Portugal são 50 metros, na Suécia são de 100 a 300 metros, no México 20 metros, Uruguai 150 metros a 250 metros, Espanha 100 a 200 metros, Peru 250 metros, Chile 80 metros, Argentina 150 metros”, enumerou.

A pesquisadora relata que na França, o instituto conservatório do litoral vem comprado há algum tempo, terras nas áreas costeiras. “Eles compram, regulamentam e fazem a gestão de terras na frente do mar, justamente pra proteger essa área, porque sabidamente é uma área que vai ser inundada, vai ser erodida e que vai custar muito caro em vidas humanas e em patrimônio”. Para ela, acabar com a instituição dos Terrenos de Marinha e a faixa de segurança e ocupar essas áreas seria um bônus para poucos e um ônus para toda a sociedade brasileira. “Estaríamos indo contra ao que o resto do mundo está fazendo para proteger essas áreas”, finalizou. 

A pescadora e membro da coordenação nacional do Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP), Ana Ilda Nogueira, também fez fala na Audiência e apontou para a necessidade de que sejam ouvidos os pescadores e pescadoras artesanais, além de ter alertado para as situações de vulnerabilidade às quais essas populações estão submetidas.  “Quem mora na beira dos rios, quem mora na beira dos lagos, quem mora na área de marinha é quem sofre com os assoreamentos, é quem sofre com o desmatamento desordenado dos grandes empreendimentos. E a gente sabe que o teor dessa PEC no fundo, o que visa mesmo, é a urbanização das orlas, por grandes empreendimentos e quem vai lucrar com isso não é nós, nós só vamos perder”, defendeu a pescadora.

A pescadora alertou também para os conflitos que colocam as vidas dessas comunidades em risco. “Já foram apresentados vários diagnósticos, vários estudos, mas esqueceram de falar da vida. Que o pior de tudo é perder a vida e muitos tem perdido a sua vida porque têm sido retirados dos seus territórios, por causa dos grandes empreendimentos que tem focado ali na orla marinha e que tem tomado dos que realmente são donos e que vivem lá desde que nasceram, que estão ali por fato e de direito, mas que estão sendo retirados, estão sendo coagidos e por medo, por represálias e com medo de perder a vida, e alguns já perderam, são obrigados a sair”, lamentou.

 

Apenas prefeitos e senadores são a favor da PEC

As únicas falas favoráveis à PEC saíram dos prefeitos que participaram da Audiência de maneira remota e dos senadores que defendem a aprovação do projeto. O primeiro a defender o projeto foi o prefeito de Belém (PA), Edmilson Rodrigues. “Nós temos 42% da nossa área continental em Belém, constituída por terras de marinha ou acrescidos de marinha. Temos bairros inteiros, hoje saneados que eram áreas de marinha”, explica o prefeito. “Nós não temos total governabilidade sobre as terras que já estão muitas vezes consolidadas há décadas, mas que são pertencentes à União”.

O relator do projeto que presidiu a seção, defendeu o espírito mucicipalista que a PEC apresenta. “Um dos norteadores dessa PEC é o sentimento municipalista, sim. Quem conhece muito melhor a realidade de cada imóvel desse é o prefeito lá do Pará, é o prefeito de Florianópolis, muito mais do que nós aqui em Brasília ou de qualquer órgão da União federal, então esse é um conceito muito presente no espírito dessa PEC de ter esse olhar municipalista”. 

A preocupação com a transferência do domínio dos terrenos de marinha para os municípios foi apresentada pelo deputado federal Túlio Gadelha (Rede/PE), durante a Audiência. “Todos nós sabemos que só a União tem capacidade de cuidar. É a União que consegue fazer o controle, fiscalizar, através das instituições como IBAMA, ICMBio, até a própria Marinha ajuda nisso e quando a gente tira da competência da União, a gestão desses espaços e atribui ao município ou a iniciativa privada, você está deixando com o órgão mais frágil, ou então com as pessoas que a gente não sabe se tem responsabilidade com aquele ecossistema, deixando nelas a capacidade de fazer essa gestão e essa é a grande preocupação, porque hoje o Terreno de Marinha impede a alienação e o pleno domínio desses territórios. A gente sabe também que é nos municípios onde existe a barganha política e ali está mais suscetível à corrupção, ao acordo que se faz ali de um empresário e uma grande empresa e um prefeito e essa é a realidade do Brasil”, defendeu.

Uma das propostas para solucionar as dificuldades de gestão dos Terrenos de Marinha apresentada pelos municípios, foi trazida pela representante do Ministério da Gestão e Inovação dos Serviços Públicos, Carolina Stuchi. “Podemos ter uma institucionalização da gestão compartilhada dessas áreas. Ao invés de transferir essa responsabilidade de áreas tão estratégicas para estados e municípios, a gente pode ter instrumentos de gestão compartilhada”, defendeu.

 

Mobilização da sociedade civil 

Os posicionamentos contrários de órgãos do governo e de representantes da sociedade civil, junto com a grande mobilização nas redes sociais, criou um clima desfavorável a aprovação da PEC e fez com que fosse anunciado o adiamento da votação. “Com a Audiência que foi realizada ontem, diante da posição da maioria dos participantes contrária, isso foi importante, mas o processo que antecedeu também, de mobilização das diversas organizações, inclusive nós do CPP, o Movimento de Pescadores, a CONFREM, o GT Mar e várias outras organizações, que se dedicaram desde quarta-feira (22) de tarde, quando soubemos que iria haver isso e começamos a nos mobilizar para que a sociedade civil soubesse dos riscos: que iriam aumentar os conflitos e as ameaças às comunidades pesqueiras, que correm o risco de privatizar o acesso da população às praias”, relatou a Secretária de Território e Meio Ambiente do CPP Nacional, Andrea Rocha. 

“Eu penso que foi importante esse resultado e penso que com isso a gente não vai descansar. É preciso intensificar a luta e a mobilização para que essa PEC não seja aprovada. Nada está garantido. Então diante disso é importante intensificar esse processo de mobilização e enfrentamento para que o Senado engavete e acabe de vez com essa ameaça que representa a PEC”, defendeu Rocha.

 

Linha de ação: 

Conteúdo relacionado