Carta destaca ameaças aos territórios, ao modo de vida tradicional e ao meio ambiente, alertando para os impactos nas comunidades pesqueiras.
O Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) publica carta em que expressa forte preocupação com a aprovação do PL 576/2021, conhecido como PL das Eólicas no Mar, pela Comissão de Infraestrutura do Senado e que agora segue para votação no Plenário. O projeto, que regulamenta a instalação de parques eólicos offshore, traz riscos significativos para os territórios tradicionais de pesca e a biodiversidade marinha, além de incluir dispositivos que incentivam usinas termelétricas movidas a carvão e gás natural.
A carta alerta que o projeto foi elaborado sem escutar as comunidades diretamente impactadas e destaca os possíveis danos aos pescadores e pescadoras, como a proibição de pesca em áreas onde as torres serão instaladas, o afastamento de espécies marinhas e o comprometimento da segurança alimentar. O CPP reafirma sua oposição ao modelo de exploração que desconsidera o modo de vida das comunidades pesqueiras e privilegia interesses econômicos em detrimento do meio ambiente e da justiça social.
Leia a carta na íntegra:
O Conselho Pastoral dos Pescadores e das Pescadoras (CPP) vem a público manifestar sua preocupação com a aprovação, pela Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, do Projeto de Lei (PL) nº 576, de 2021. A proposta legislativa regulamenta a instalação de parques eólicos offshore, ou seja, localizados nas águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental. Esse projeto visa trazer segurança para os investimentos e as instalações desses modelos de parques eólicos. No entanto, pescadores e pescadoras artesanais em todo o Brasil têm expressado grande insegurança diante dos possíveis danos aos seus espaços tradicionais de pesca e ao meio ambiente marinho.
Os impactos negativos da produção eólica em terra têm sido cada vez mais denunciados, com diversas comunidades relatando casos de adoecimento físico e psicológico. Esses relatos incluem barulho constante dos aerogeradores, insônia, dores de cabeça, perda de audição, estresse, uso de medicamentos controlados, rachaduras em casas e cisternas, poeira causadora de problemas respiratórios, perdas na produção, perda da terra e, em casos extremos, abandono da moradia. Pesquisas sobre danos ambientais decorrentes das eólicas no litoral do Nordeste apontam os seguintes problemas: desmatamento e soterramento de dunas fixas; desmatamento de árvores frutíferas e espécies nativas; soterramento de lagoas e comprometimento de corpos hídricos; diminuição da flora e da fauna; alterações nas rotas de aves e mudanças nos padrões dos ventos.
É evidente que os diversos impactos socioambientais nas comunidades onde se instalam as eólicas em terra não foram considerados na regulamentação e execução dos projetos. Da mesma forma, os possíveis danos às comunidades pesqueiras também não têm recebido a devida atenção no processo de regulamentação dos projetos offshore
A implantação de parques eólicos offshore no Brasil se insere em um contexto internacional de aumento da demanda energética pela União Europeia, no qual o hidrogênio verde surge como uma possibilidade de extração de energia gerada no Sul global. No entanto, a produção de hidrogênio verde requer energia de outra origem "limpa", e as eólicas offshore pretendem atender a essa demanda. Em uma operação de caráter colonial, o Norte global se apropria da energia e da água gerada pela queima do hidrogênio verde, enquanto o Sul global é deixado com os impactos ambientais e sociais dessa cadeia de produção, especialmente suportados pelas comunidades tradicionais.
As preocupações dos pescadores e pescadoras artesanais em relação à instalação de parques offshore incluem: (i) proibição da pesca nas áreas onde as torres serão construídas e no entorno dos parques; (ii) isolamento de áreas tradicionalmente utilizadas para pesca; (iii) aumento da distância a ser percorrida para acessar o pescado; (iv) dificuldades no manejo das redes; (v) afugentamento e afastamento dos peixes; (vi) prejuízo para a pesca da lagosta; e (vii) efeitos de equipamentos e cabos elétricos, como ruídos e luzes das turbinas.
Países europeus adotam parâmetros que proíbem navegação em um raio de 500 metros das eólicas offshore. Essas áreas de restrição geram grande apreensão nas comunidades pesqueiras tradicionais, que veem seus espaços de pesca ameaçados.
Entretanto, os impactos ainda não são plenamente conhecidos, pois não existem estudos conclusivos sobre as implicações da instalação das plataformas e demais estruturas necessárias. Esses possíveis danos à pesca das comunidades tradicionais representam risco à segurança alimentar e à autonomia econômica dessas populações.
Com a tramitação do projeto de lei para regulamentação, os projetos de parques eólicos no mar aumentaram exponencialmente. Um levantamento do Ibama apontou que, em abril deste ano, havia 97 projetos de implantação de eólicas offshore em busca de licenciamento ambiental, enquanto em 2022 eram apenas 20.
Além dos diversos riscos já mencionados, é importante destacar que o projeto de lei também cria incentivos para usinas termelétricas. O PL nº 576/2021, de autoria do então senador Jean Paul Prates, foi aprovado no Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados. Na Câmara, o projeto recebeu um substitutivo, no qual foram inseridos diversos "jabutis" — termo usado para descrever a inclusão de temas não relacionados ao texto original.
Entre os "jabutis" inseridos, destacam-se a contratação de usinas termelétricas movidas a gás natural, a continuidade de usinas movidas a carvão mineral, a prorrogação de benefícios fiscais e subsídios para energias renováveis e para a micro e minigeração, e a contratação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).
Essas "gambiarras" transformam uma proposta que deveria fomentar uma matriz energética limpa em um incentivo a fontes poluentes, além de renovar benefícios e subsídios que favorecem apenas empresários do setor energético, pagos por toda a sociedade.
Após a aprovação pela Comissão de Infraestrutura, o PL nº 576/2021, relatado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), segue para votação no Plenário e pode entrar na pauta a qualquer momento.
Diante dos imensos impactos e riscos potenciais às comunidades tradicionais pesqueiras, este Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras posiciona-se contrariamente à regulamentação das eólicas offshore. Manifestamos também nosso repúdio a qualquer processo de instalação de eólicas em ambientes marinhos que não considere as implicações para o modo de vida dos pescadores e seus territórios.
Olinda-PE, 11 de dezembro de 2024