As pastorais do campo, incluindo o Conselho Pastoral dos Pescadores, a Comissão Pastoral da Terra, a Cáritas, o Conselho Indigenista Missionário e a Serviço Pastoral do Migrantes, lançam Nota Pública sobre o Massacre de 9 camponeses em Colniza (MT). Os assassinatos ocorridos no último dia 19 de abril, ocorreram na semana em que se completam 21 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, que vitimou 19 pessoas e continua impune.
Em nota, as pastorais do campo afirmam que este massacre é mais um capítulo de uma longa história que se iniciou em 2004, quando 185 famílias de agricultores foram expulsas de suas posses por pretensos proprietários.
As pastorais também conclamam "as pessoas, organizações nacionais e internacionais, a denunciar esse crime hediondo, para que a Justiça seja feita, neste país da impunidade". No texto, as pastorais exigem também que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário cumpram a sua obrigação de garantir os direitos dos cidadãos e cidadãs do campo, "pois sua simples omissão permite o avanço da violência".
Veja a nota na íntegra logo abaixo!
NOTA PÚBLICA DAS PASTORAIS DO CAMPO
Omissão e impunidade geram mais um massacre no campo
“Mas você não tem olhos nem coração,
a não ser para seu lucro,
para derramar sangue inocente
e para praticar a opressão e a violência”.
(Jr 22, 16-17)
As Pastorais do Campo receberam com muita tristeza e indignação a notícia do massacre de 09 camponeses – número confirmado até o momento – na linha 15 da Gleba Taquaruçu do Norte, localizada na área rural do município de Colniza (1.065 quilômetros de Cuiabá), região noroeste do Mato Grosso, ocorrido no último dia 19 de abril, justamente na semana em que se completam 21 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, que vitimou 19 pessoas e continua impune.
Por meio desta, solidarizamo-nos com as famílias das vítimas: Aldo Aparecido Carlini, Edison Alves Antunes, Ezequias Santos de Oliveira, Fábio Rodrigues dos Santos, Francisco Chaves da Silva, Izau Brito dos Santos, Samuel Antônio da Cunha, Sebastião Ferreira de Souza e Valmir Rangeu do Nascimento, todos trabalhadores rurais.
Este massacre é mais um capítulo de uma longa história que se iniciou em 2004, quando 185 famílias de agricultores foram expulsas de suas posses por pretensos proprietários. Mesmo o juiz tendo concedido reintegração de posse às famílias, os conflitos continuaram. Em 2007, uma dezena de agricultores foi vítima de torturas e de cárcere privado, e meses depois três foram assassinados. Os suspeitos pelas violências eram fazendeiros em associação com uma organização de extração ilegal de madeira. O local da chacina fica em uma área de interesse para madeireiros e mineradoras. Mesmo depois da intervenção da polícia e prisão de algumas pessoas, os conflitos não cessaram. Em 2011, mais de 700 pessoas ainda estavam acampadas na entrada da Fazenda Estrela, aguardando para retornarem à sua terra. E agora este bárbaro desfecho que repudiamos com veemência.
A chacina se deu com requintes de crueldade inimagináveis. Todos os corpos apresentavam sinais de tortura. O assassinato destes companheiros não significa simplesmente uma violência contra cada um deles, mas também contra suas famílias, contra a comunidade de Taquaruçu e contra toda a humanidade. Um ataque direto à luta pela terra, pelos territórios, pela água, pelo trabalho, à luta por todos os direitos e pela dignidade das comunidades e dos povos do campo.
No último dia 17 de abril, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou, em Brasília, sua publicação anual Conflitos no Campo Brasil 2016, que denuncia o aumento alarmante destes conflitos, com um número absurdo de 61 assassinatos em 2016 – o maior número registrado desde 2003, 11 a mais que em 2015. O ano de 2017 já começou violento, com 20 assassinatos em três meses e meio.
Este massacre não é um fato isolado. Acontece numa região de fronteira agrícola e de muitos conflitos, com outras áreas em tensão. Em 2014, o casal de agricultores José Paulino de Castro e Ireni da Silva Castro foi assassinado na região de Guariba, Colniza, por conta das denúncias que fizeram contra a extração ilegal de madeira e vários outros crimes. A região tem infraestrutura muito precária, de difícil acesso, as pessoas vivem inseguras, estão sofrendo novas ameaças e por isso abandonando sua área.
Este massacre acontece também num momento difícil para o Brasil, com ataques cotidianos aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, em específico os do campo, perpetrados pelo Executivo e Legislativo, com um Judiciário omisso e, em muitas situações, conivente com latifundiários, empresários e grandes corporações, que estão invadindo territórios de povos do campo, assassinando pessoas e aterrorizando comunidades.
Se fosse somente uma pessoa assassinada já seria um absurdo, um fato inaceitável. Quanto mais 09 camponeses que estão lutando por um direito sagrado e constitucional do acesso à terra, essencial à sua vida. Não é possível ficarmos calados diante desses ataques frontais à pessoa humana e seus direitos, que atingem a todos e todas nós.
Convocamos a todas as pessoas, organizações nacionais e internacionais, a denunciar esse crime hediondo, para que a Justiça seja feita, neste país da impunidade. E exigimos que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário cumpram a sua obrigação de garantir os direitos dos cidadãos e cidadãs do campo, pois sua simples omissão permite o avanço da violência. Exigimos também que os responsáveis por este massacre sejam identificados e punidos exemplarmente. Estamos alertas para que outras versões do crime não venham descaracterizar o ocorrido, inclusive e, sobretudo, quanto à responsabilidade do Estado pela omissão frente aos conflitos na região.
Reafirmamos nosso compromisso irrenunciável de estar ao lado dos que sofrem violência e rogamos ao Deus da Vida que conceda força às famílias de Taquaruçu do Norte e coragem a todas as pessoas que lutam pelos seus direitos.
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Serviço Pastoral do Migrante (SPM)
Cáritas Brasileira
Goiânia / Brasília, 25 de abril de 2017.