ANP, CPP e MPP repudiam projeto que ameaça proteção constitucional de áreas costeiras e os direitos das comunidades tradicionais
A Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) se unem para expressar publicamente sua oposição ao Projeto de Emenda à Constituição 03/2022, conhecido como a PEC da Privatização dos Terrenos de Marinha. Esta proposta, que visa revogar a proteção constitucional dos terrenos de marinha e transferir sua titularidade para estados, municípios e particulares, ameaça não apenas os direitos das comunidades tradicionais que habitam essas áreas há décadas, mas também a biodiversidade e a preservação ambiental essencial para a mitigação das mudanças climáticas.
Os terrenos de marinha, atualmente bens da União, desempenham um papel crucial na proteção socioambiental, abrigando ecossistemas como manguezais e restingas, que são importantes para a biodiversidade e a regulação climática. A privatização dessas áreas facilitaria a exploração econômica, resultando em conflitos fundiários, destruição de culturas tradicionais e maior vulnerabilidade das zonas costeiras a eventos climáticos extremos. As entidades signatárias desta nota conclamam a sociedade civil, movimentos populares e ambientalistas, parlamentares e o Governo Federal a se mobilizarem contra a aprovação da PEC 03/2022, defendendo o meio ambiente e os direitos dos povos tradicionais.
Leia a Nota na íntegra logo abaixo ou aqui:
Nota Pública - PEC 03/2022 - Privatização de Terrenos de Marinha
A Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) vêm a público repudiar o Projeto de Emenda à Constituição 03/2022, a PEC da Privatização dos Terrenos de Marinha.
A proposta de emenda à Constituição propõe revogar o inciso VII do caput do art. 20 da Constituição Federal e o § 3º do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para extinguir o instituto do terreno de marinha e seus acrescidos e transferir a titularidade destes terrenos aos estados, municípios e a particulares que atualmente os ocupam.
Os terrenos de marinha são bens da União e consistem numa faixa de 33 metros ao longo da costa marítima e das margens de rios e lagos que sofram a influência das marés, contados a partir da Linha Preamar Médio (média das marés altas) do ano de 1831.
Embora parte dos terrenos de marinha estejam ocupados por particulares, outra grande parcela cumpre importantíssima função socioambiental de proteção da diversidade e de territórios de povos de comunidades tradicionais, em especial comunidades pesqueiras, que vivem nestes locais em profundo diálogo e colaboração com a natureza, protegendo-a.
A possibilidade de privatização dos terrenos de marinha e a maior facilidade de agentes econômicos colocarem seus interesses junto a prefeituras e governos estaduais ocasionaria ameaças aos territórios de povos tradicionais, que habitam há décadas áreas hoje compreendidas nos terrenos de marinha, gerando conflitos fundiários, ameaças a culturas e aos modos de vida destas populações e à sua sobrevivência.
Os terrenos de marinha representam ainda proteção para territórios tradicionais não reconhecidos ou titularizados pelo poder público, visto que, por estarem compreendidos nestes terrenos, encontram proteções contra o avanço de empreendimentos e da ocupação por particulares.
Atualmente, já existem diversos casos em que áreas públicas são desrespeitadas e particulares, especialmente agentes econômicos, tentam se apropriar daqueles espaços, gerando conflitos com comunidades que tradicionalmente ocupam as áreas. O menor status de proteção importará no provável aumento da conflituosidade, com possibilidade de poderes locais legitimarem as ocupações ilegítimas atualmente existentes ou aquelas que vierem a ocorrer.
O aumento dos conflitos importa também em risco à vida das populações, dado o caráter muitas vezes violento desses embates por parte daqueles que adentram nos territórios tradicionais.
Ademais, os terrenos de marinha englobam áreas de manguezal, restinga e apicum, importantíssimas para a biodiversidade e proteção ambiental. Os manguezais e apicuns armazenam até cinco vezes mais carbono por hectare do que as florestas tropicais, e o fitoplâncton marinho é o principal responsável pela produção do oxigênio que respiramos (MMA, 2013). Neste sentido, constata-se que a conservação desses terrenos se demonstra central para uma estratégia de mitigação das mudanças climáticas.
Os terrenos de marinha preservados representam ainda barreiras ao avanço do nível do mar, reduzindo a vulnerabilidade da zona costeira a eventos climáticos extremos.
Ademais, os terrenos de marinha representam forte garantia de livre acesso ao litoral e às praias pela população, visto que a natureza de bem público inalienável das áreas impossibilita a privatização do litoral, democratizando o acesso por toda a população.
A proposta de emenda à Constituição tramitava há anos na Câmara dos Deputados como PEC 39/2011 e foi aprovada pela câmara baixa em 2022. A proposta legislativa foi encaminhada ao Senado Federal sob relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e, neste momento, existem tentativas de dar andamento ao projeto visando sua aprovação.
As entidades que subscrevem esta nota se posicionam contrariamente a esta proposta que ameaça a biodiversidade, os povos tradicionais, o meio ambiente costeiro, o livre acesso às praias e a mitigação das mudanças climáticas.
O trágico episódio das enchentes no estado do Rio Grande do Sul demonstra que há urgência de que ofereçamos maior proteção ao meio ambiente e que o Estado e a sociedade civil devem estar obstinados em reduzir os impactos das mudanças climáticas e dos eventos climáticos extremos. Não é cabível uma proposta legislativa como a aqui apontada que flexibiliza e leva novos riscos que, ao fim, serão suportados por todos nós.
Convocamos os movimentos populares, eclesiais e ambientalistas, parlamentares, partidos e toda a sociedade civil a se empenharem para evitar a aprovação da PEC 03/2022. O Governo Federal deve se empenhar nas negociações para a não aprovação desta proposta legislativa e a sociedade deve buscar sensibilizar parlamentares para compreender a questão e evitar a aprovação do projeto.
Brasília, 24 de maio de 2024
Assinam:
- Articulação Nacional das Pescadoras (ANP)
- Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
- Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)