Notas, cartas e manifestos

Manifesto lançado pelas comunidades pesqueiras do recôncavo baiano denuncia a contaminação e o racismo ambiental

Tipo de publicação: 
Audiência Pública em Santo Amaro denuncia racismo ambiental

 

 

Manifesto lançado pelas comunidades quilombolas pesqueiras de Santo Amaro, no recôncavo baiano, denuncia a violência do racismo ambiental enfrentado pelos comunitários, que sofrem com a degradação e contaminação histórica do meio ambiente, que impacta o modo de  vida e a saúde da população. Na carta, além da contaminação por chumbo que já dura décadas, os pescadores e pescadoras artesanais afirmam ainda haver outras contaminações que ameaçam a saúde e o modo de vida das populações. "A situação de degradação e contaminação ambiental não para na situação de contaminação pelo Chumbo. Há inúmeras situações graves de degradação ambiental onde a gravidade configura uma situação de racismo institucional e ambiental contra as comunidades quilombolas e pesqueiras", afirma o manifesto. O Conselho Pastoral dos Pescadores é uma das organizações que assina o manifesto em apoio às comunidades quilombolas.

Confira o documento na íntegra, logo abaixo!


 

RACISMO INSTITUCIONAL E AMBIENTAL QUER INVIABILIZAR O MODO DE VIDA DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS

E TRADICIONAIS PESQUEIRAS NO ESTUÁRIO DO RIO SUBAÉ

As Comunidades pesqueiras e Quilombolas de Santo Amaro da Purificação e municípios vizinhos vem a público denunciar a violência com que sofrem uma degradação e contaminação histórica do meio ambiente que impacta o modo de  vida e saúde da população. 

Desde 1960, disseminou-se a contaminação por chumbo em Santo Amaro da Purificação, com a instalação da fábrica COBRAC que manipulava minério de chumbo na cidade. Em 1993, a fábrica deixou de operar, mas as consequências da contaminação resultante das 500 mil toneladas de escória de chumbo acompanham até os dias de hoje muitas famílias que têm a saúde afetada ou morte antecipada quando a prefeitura usou as escórias para o calçamento da cidade e também não tem dado o destino adequado às escórias deixadas pela empresa.

O chumbo é um metal pesado, com alto poder de contaminação, que pode afetar as funções cerebrais, sangue, rins, sistema digestivo e reprodutor das pessoas, além de poluir o meio ambiente. Com a mobilização da população e os movimentos organizados especialmente AVICCA (Associação das Vítimas Contaminas por Chumbo, Cadmio e outros elementos) e sindicatos da cidade, atuação das universidades. Se conseguiu fazer uma denúncia internacional e obrigar o Estado a tratar do caso a exemplo do estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana por Metais Pesados em Santo Amaro, financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Participaram deste estudo instituições como: Universidade Federal da Bahia, coordenação Regional da FUNASA na Bahia, Secretaria Estadual de Saúde da Bahia, Secretaria Municipal de Saúde de Santo Amaro, Secretaria Municipal de Planejamento de Santo Amaro da Purificação, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Expansão Rural de Santo Amaro da Purificação, Instituto Evandro Chagas. 

Como consequências dessas denúncias algumas determinações judiciais foram tomadas. Ainda, a SESAB definiu um protocolo de vigilância e atenção à saúde da população exposta ao chumbo e outros metais pesados, enquanto o Governo Federal, por meio do CETEM, definiu um plano de ação para a descontaminação de Santo Amaro. Também, o governo do estado estabeleceu uma comissão interinstitucional envolvendo várias secretárias para articular e encaminhar soluções (Decreto 9295/2005). No entanto, estas decisões não se efetivam na prática e não há uma atenção especializada na área da saúde para as pessoas contaminadas.

A situação de degradação e contaminação ambiental não para na situação de contaminação pelo Chumbo. Há inúmeras situações graves de degradação ambiental onde a gravidade configura uma situação de racismo institucional e ambiental contra as comunidades quilombolas e pesqueiras.

1. A fábrica de papel Penha tem jogado os dejetos químicos sem o devido tratamento ou fiscalização no rio Pitinga, contribuindo para a degradação ao meio ambiente e poluindo diretamente o rio. Os dejetos químicos no rio Pitinga acabam sendo espalhados para todos os outros rios que margeiam a região. Os pescadores denunciam a existência de áreas com acumulação de apara de papelão e os contaminantes estão causando a morte dos manguezais e a diminuição dos pescados e outras alterações ainda não identificadas por não existir controle dos órgãos ambientais e nem estudos científicos na região. As comunidades já fizeram inúmeras denúncias aos órgãos ambientais e até ao Ministério Público, sem que houvesse encaminhamentos e superação da situação.

2. Foi instalado um lixão próximo às comunidades quilombolas, principalmente na comunidade Quilombola de São Brás. O descarte do lixo proveniente de todo o município funciona em condições inadequadas transformando-se num lixão e causa de graves problemas. O lixão tem contaminado o lençol freático e o chorume escorre para manguezal próximo. Os pescadores registram que nos mangues encontram os vestígios da contaminação do lixo nas áreas de pesca. Esta é uma situação ilegal e que não tem qualquer ação para reverter o quadro.

3. Há um hospital no centro da cidade que está instalado às margens do Rio Subaé. As comunidades denunciam que não há o devido tratamento com o lixo hospitalar. Pescadores relatam que comumente encontram nos manguezais, no momento de mariscagem, seringas e outros instrumentos perfurantes, bem como outros lixos hospitalares. Isto configura-se num risco de contaminação destas comunidades. Tem relatos das comunidades de inúmeros acidentes com perfuração das mãos e pés quando submergem as mãos na lama para retirada do caranguejo e outros mariscos.

4. Todo o esgotamento retirado da cidade é destinado a uma estação de tratamento que se localiza na Comunidade Quilombola de Cambuta, numa localidade chamada Caiera. Todos os dejetos sanitários da cidade são recolhidos para esta estação de tratamento que fica no meio da comunidade negra quilombola e sem tratamento é despejado nos manguezais desembocando no Rio Subaé. A comunidade sofre com o forte odor e ainda trabalham em áreas insalubres que causam muitas doenças por conta desta ação irresponsável dos poderes públicos.

5. Grandes extensões dos territórios quilombolas estão sendo ocupadas por plantios de  bambu para alimentar a fábrica de papel Penha. Nesta mesma linha, também tem sido implantado extensos monocultivos de eucalipto no território quilombola. Essa atividade extensiva implica grave violação ambiental, destruindo a mata atlântica e a biodiversidade, colocando em risco a sustentabilidade dos territórios quilombolas já identificado no RTID do processo de regularização feito pelo INCRA. Salientamos que nestes plantios utilizam muitos agrotóxicos que contaminam o território e escoam para o estuário, prejudicando a fauna e flora marinha, com consequências devastadoras para os pescadores.

Portanto, essa audiência pública tem o objetivo de denunciar a não concretização das determinações judiciais diante da desassistência em que a população está submetida, historicamente ligada à questão do chumbo; denunciar e reivindicar soluções para todas estas situações que configuram o racismo institucional e ambiental respectivamente, à medida que os órgãos públicos não têm dado qualquer resolução e encaminhamento para os casos ,mesmo com a constante reivindicação e mobilização das comunidades. E ambiental, na medida que estas comunidades são escolhidas como zonas de sacrifícios, são considerados lugares onde pode ser destinada a contaminação, a poluição química, o esgoto sem tratamento com a conivência, decisão e/ou omissão do Estado, desrespeitando inclusive legislações a que está submetido.

Reiteramos que temos direitos garantidos na constituição e tratados internacionais assinados pelo Brasil que garantem o seu modo de vida, que sejam respeitados os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e exigimos as devidas providencias.

COMUNIDADES PESQUEIRAS E QUILOMBOLAS DA ARTICULAÇÃO SUBAÉ MOVIMENTO DOS PESCADORES E PESCADORAS ARTESANAIS

APOIAM:

Conselho Pastoral dos Pescadores.

MarSol – Laboratório de Gestão Territorial e Educação Popular da Universidade Federal da Bahia

LETNO - Laboratório de Etnobiologia e Etnoecologia- UEFS

Geografar

Comissão Pastora da Terra Regional Bahia - CPT – BA

Grupo de pesquisa GeografAR ( Igeo/UFBA)