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Carta Plenária Popular das Águas: Não à Privatização das Praias

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Um conjunto de organizações, movimentos populares da pesca artesanal, pesquisadores e ativistas lançam no dia de hoje (28), véspera do dia de São Pedro e do dia do Pescador e da Pescadora artesanal, uma carta contrária à PEC 03/2022, que trata da privatização dos terrenos de marinha. Fruto da Plenária Popular das Águas, realizada no dia 19 de junho, a Carta expõe boa parte das preocupações relatadas pelos pescadores e pescadoras artesanais do litoral e das regiões de rio e lagos, sobre o processo de privatização das praias que já vem sendo realizado e que pode ser intensificado com a proposta de emenda à Constituição.

A carta também expõe a preocupação com ecossistemas que estão inseridos em áreas de terrenos de marinha, como os manguezais, os apicuns, as falésias, as praias, e como podem ser atingidos dentro do processo de privatização e especulação imobiliária, o que pode intensificar também os efeitos das mudanças climáticas. Por fim, o documento convoca a sociedade e promete intensificar ações de comunicação, mobilização, articulação social,  incidência política em vista da obstrução da PEC da Privatização das Terras da União, da regularização fundiária e defesa dos territórios das comunidades tradicionais pesqueiras.

Confira a carta na íntegra aqui ou logo abaixo!

 


Plenária Popular das Águas: Não à Privatização das Praias

Realizamos no dia 19/06/2024 de forma virtual a Plenária Popular das Águas “Não à Privatização das Praias”. A plenária foi um espaço de escuta das comunidades tradicionais pesqueiras no enfrentamento da Proposta de Emenda Constitucional 03/2022 (PEC 03/22) que facilita a privatização dos territórios de marinha. Também foi um momento de denúncias das diversas situações de conflitos e violação dos direitos das comunidades pesqueiras. Durante a plenária foram elaboradas propostas de estratégias de enfrentamento e luta contra a PEC 03.

Territórios de marinha não incluem somente as praias, mas todas as áreas marginais de rios, lagos, lagunas, estuários, manguezais, ilhas, apicuns, dunas, falésias e costões. Portanto a possibilidade de privatização atinge milhares das áreas públicas ocupadas tradicionalmente por comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, de pescadores e pescadoras artesanais. Trata-se de uma PEC que ataca os direitos e o modo de vida das populações tradicionais. Ameaça a biodiversidade, uma vez que a ocupação de áreas de preservação permanente são uma constante, e o modo de vida e a subsistência dos pescadores e pescadoras artesanais, que dependem diretamente desses territórios e extraem dele, de forma sustentável, sua principal fonte de renda. 

Segundo dados preliminares do 3º Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras, do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), já ocorre um agravamento dos conflitos socioambientais e violações de direitos humanos nestas áreas ocupadas historicamente por comunidades tradicionais. O levantamento envolve, até o momento, 15 estados brasileiros, onde, aproximadamente 330 comunidades tradicionais pesqueiras estão em conflitos socioambientais. Nestas comunidades, mais de 70 mil famílias estão atingidas direta ou indiretamente por conflitos e violações de direitos humanos. 

Os principais conflitos relatados são: “negligência na garantia de direitos sociais, culturais, econômicos e ambientais”, especulação imobiliária, privatização de áreas e territórios, restrições de acesso, instalação de empreendimentos dos mais variados tipos. 

A maioria das comunidades tradicionais pesqueiras está em processo de regularização fundiária. Mais de 90% relatam a percepção das mudanças climáticas em seus territórios. Os principais efeitos das mudanças climáticas relatados são aumento de temperatura, mudanças de ventos e marés, aumento do nível do mar e erosão.

A PEC 03/22 aumenta a vulnerabilidade das comunidades que já sofrem com uma legislação que não garante proteção aos territórios pesqueiros. As situações conflituosas não são recentes, mas agravam-se. Sem a PEC 03/22, o povo já está morrendo devido às perseguições e expulsão das comunidades. Ocorrem vazamentos de petróleo diariamente, em diversos pontos do litoral. Estas são áreas públicas que já estão sendo privatizadas. Portanto, a PEC 03/22 tenta, a partir de um grupo de Deputados e Senadores, legalizar o que é ilegal. Esta PEC favorece o aumento da especulação imobiliária. O avanço da extrema direita tenta impor o que já vem sendo feito. A proposta não é nova, desde 2011 ela começa a atuar mais diretamente, com várias tentativas de privatizar áreas públicas.

Para todos os participantes da Plenária esta proposta significa extinção das populações tradicionais da pesca artesanal. A PEC 03/22 foi definida nesta plenária como a PEC da morte. 

Reafirmamos que os territórios são áreas sagradas, protegidas pelos pescadores/pescadoras artesanais. São locais de geração de renda, soberania e segurança alimentar. Nestes territórios se mantém o respeito ao sagrado e aos saberes ancestrais. Esses territórios são o que restou para a sobrevivência dos pescadores.

Afirmamos a necessidade de Luta, para que a PEC 03/22 seja derrotada e arquivada. Nós, pescadores e pescadoras artesanais nos colocamos firmes contra a PEC da privatização dos territórios. Entendemos que é mais uma aberração que infringe os diretos da pesca artesanal. Concordamos que esta proposta pode acabar com quem depende da beira dos rios, lagos e do litoral para viver, não é só a praia! 

Os povos que vivem nestas áreas têm seu modo de viver específico e diretamente relacionado aos territórios, e nossos direitos não estão sendo respeitados, pois não fomos consultados. Um desrespeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que o Brasil é signatário, e à Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, que reconhece os direitos dos povos e comunidades tradicionais e  possui como um de seus princípios a “promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos Povos e Comunidades Tradicionais nas instâncias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses” (BRASIL, 2007).

Reforçamos que existe concordância da Secretaria do Patrimônio da União/SPU, Ministério do Meio Ambiente e do Clima/MMA, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ ICMBIO e Marinha do Brasil, que a PEC 03 não é necessária e por isso se posicionam contra.

Diante disso, definimos intensificar ações de comunicação, mobilização, articulação social,  incidência política em vista da obstrução da PEC da Privatização das Terras da União, da regularização fundiária e defesa dos territórios das comunidades tradicionais pesqueiras e convocamos toda sociedade a se engajar nessa luta.



Brasília, 28 de junho de 2024

 

Organizações presentes na plenária: 

Articulação Nacional das Pescadoras (ANP);

Associação de Pescadores e Moradores do Angolá/BA

Associação dos Pescadores e Agricultores de Campinhos/BA

Associação Mãe da Resex de Canavieiras (AMEX) BA

Associação RARE Brasil

Associação Remanescentes Quilombolas e Agricultores Familiares de Gameleira/MG

Associação das mulheres pescadoras artesanais de São José da Coroa Grande/AMPAS/

Associação dos moradores do sítio Jardim. Fortim CE.

Associação de Marisqueiras e Pescadores de São Roque do Paraguaçu

Associação Quilombola de Pescadores/ase Lavradores/as Guaipanema

Coletivo Caiçara/SP

Coletivo Campesino Amazônico – COCA/PA

Colônia de Pescadores Z-10 "Dom Pedro I" Itapemirim/ES

Colônia de Pescadores Z-56 de Coari-AM

Colônia de Pescadores Z-7 Veiga Miranda de Iguape/SP

Colônia de Pescadores Z-9 Apolinário de Cananéia/SP

Colônia Z-5 Julio Conceição de Peruibe/SP

Colônia dos pescadores z-10 de Itapissuma/PE

Comissão Ilha Ativa (CIA) Parnaíba/PI

Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (CONFREM);

Comunidade Tradicional Pesqueira e Vazanteira de Canabrava - MG

Conselho Gestor Paritário do Parque Metropolitano Armando de Holanda Cavalcanti/PE

Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP);

Coordenação de Mulheres da CONFREM

Coordenação Nacional das Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC);

Ecomuseu Sesc/PI

Federação dos Manejadores de Pirarucu da Região de Mamirauá (FEMAPAM);

Fórum Municipal do SUAS de Florianópolis/SC

Fórum Pescadores e Pescadoras Artesanais das Baias Norte e Sul de Florianópolis

Instituto Búzios/BA

Instituto Federal de Educação do Rio de Janeiro - IFRJ

Instituto Internacional ARAYARA

Instituto Tartarugas do Delta – ITD - PI

Instituto TERRAMAR/CE

Mandato do Deputado Federal Túlio Gadelha/PE

Mandato deputado Federal Pedro Uczai SC

Mandato da Senadora Teresa Leitão/PE

Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP)

Negract UFDPar/PI

NUMA - Núcleo de Mulheres em Ação/PE

OCEANA

Painel Mar

Pastoral Operária

Quilombo da Cambuta/BA

Quilombo de São Braz/BA

Rede de Mulheres de Comunidades Extrativistas e Pesqueiras da Bahia

Rede de Mulheres Negras do Rio do de Janeiro

Redes de Cidadania/ES

Terreiro de Saberes Brincantes/PI

Universidade Estadual do Piauí - Campus Parnaíba/PI

Universidade Federal de Santa Catarina

Universidade Federal do Paraná (UFPR)