Hoje, 5 de novembro, completam-se 9 anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, um crime causado pelas mineradoras VALE, SAMARCO e BHP. Neste dia, pescadores e pescadoras do Rio Doce clamam por justiça e lembram as consequências trágicas desse desastre.
O rompimento da barragem afetou drasticamente toda a população dos municípios ao longo da foz do Rio Doce. Os impactos se manifestaram em diversas dimensões da vida de milhares de pessoas atingidas: econômicos, habitacionais, aumento da violência, incidência de doenças, discriminação racial e evasão escolar.
Esse crime não apenas tirou a vida de 19 pessoas, o que já é terrível, mas também devastou o Rio Doce, destruindo sua fauna, flora, manguezais, pescados e os modos de vida tradicionais dos pescadores e pescadoras. Era desse Rio que eles utilizavam seus saberes ancestrais para produzir medicinas naturais, preservar sua cultura e garantir seu sustento.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV), por meio do Projeto Rio Doce, realizou um levantamento abrangente dos impactos sociais, ambientais e econômicos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. O estudo, que utilizou dados do DataSUS até 2021, comparou as taxas de incidência de doenças nos municípios afetados com as de áreas não atingidas. Os resultados indicam que, em alguns municípios, a contaminação das águas e do solo pode reduzir a expectativa de vida em até 2,5 anos[1].
O estudo da FGV revela que os rejeitos de minério dispersos pelo rompimento da barragem eram compostos principalmente por ferro, silício e alumínio — metais pesados que podem causar sérios danos à saúde, como alucinações, paralisia e problemas de pele. O diagnóstico da FGV aponta também que, entre 2015 e 2018, a economia de Minas Gerais e do Espírito Santo sofreu uma perda estimada em quase R$ 500 bilhões, interrompendo atividades produtivas em diversos municípios[2].
Em 25 de outubro de 2024, as mineradoras Vale, BHP e Samarco, juntamente com autoridades federais e estaduais, firmaram um acordo estimado em R$ 170 bilhões para reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). Este acordo foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais[3].
Para os pescadores e pescadoras do Espírito Santo, acompanhados pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), esse acordo deve garantir a recuperação completa das áreas impactadas pelo crime ambiental. Adeci de Sena, de São Mateus (ES), reforça essa expectativa, desejando que todas as áreas afetadas sejam restauradas.
Há também o caso do Sr. Jerônimo, pequeno agricultor, morador nativo de São Mateus e diretamente atingido pelo desastre, relata as perdas profundas em sua vida. Ele perdeu sua produção orgânica, gado, porcos e, sem conseguir emprego, ainda não recebeu indenização. "Quem será beneficiado são os turistas, com estradas de primeiro mundo. Aqui, as ostras, base da nossa alimentação, morreram todas. Tartarugas com tumores são o que vemos. A incidência de câncer é muito alta, e o lençol freático está contaminado. Quem nos tirou o direito de viver foi a Samarco, a Vale e a BHP", disse.
O Sr. Bi, pescador de Conceição da Barra (ES), afirma: “A Vale nada de braçada em cima do povo. Tira uma fatia, uma pequena parcela para os pescadores.” Para ele, “quem saiu lucrando nessa repactuação foi a empresa, a Vale.” Apesar de reconhecer a importância do acordo para o avanço das negociações junto às comunidades de pescadores e pescadoras artesanais, que há muito ansiavam por essa reparação, ele conclui que “é insuficiente” para sanar os reais danos causados.
Papa Francisco nos lembra que "o ser humano não está separado da Terra ou da natureza; ambos são partes de um mesmo todo". Assim, ao devastar a natureza, não estamos apenas ferindo o meio ambiente, mas destruindo a própria humanidade, pois tudo está interligado.
O Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras une-se às vozes dos pescadores e pescadoras atingidos pelo crime das mineradoras Vale, Samarco e BHP, amplificando seu grito de socorro para que seja ouvido pelas autoridades governamentais.
9 anos — que jamais seja esquecido e que o lucro nunca se sobreponha à vida.
[1] Mariana: estudo aponta que expectativa de vida de pessoas atingidas pela tragédia diminuiu, em média, quase dois anos e meio – Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/10/21/mariana-estudo-aponta-que-expectativa-de-vida-de-pessoas-atingidas-pela-tragedia-diminuiu-em-media-quase-dois-anos-e-meio.ghtml
[2] Carta da Comissão Episcopal de Ecologia Integral e Mineração – CEREM – CNBB – Regional Leste II
[3] Barragem de Mariana: mineradoras e governos firmam novo acordo de R$ 170 bilhões para reparar danos – Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/10/25/mineradoras-e-governos-firmam-novo-acordo-mariana.ghtml
* Edição e revisão: Henrique Cavalheiro - Comunicação CPP.