Opinião

Fraternidade e Amizade Social na Celebração Pascal: FESTA DA LIBERTAÇÃO

Autor: 
Pe. Mardônio Brito – CPP/Regional Maranhão

A Igreja do Brasil, há 60 anos, no período quaresmal, aponta uma “Campanha da Fraternidade” para ajudar os fieis brasileiros a celebrarem esse tempo de forma mais concreta a partir das necessidades entre os irmãos e irmãs. São temas importantes e pertinentes que precisam com urgência serem encarados para além de palavras. São precisos gestos e atitudes de combate diante das situações catastróficas que afetam nosso povo. Esse ano, a CF tem como tema: Fraternidade e amizade social, e como lema a máxima bíblica: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8). Como objetivo geral, temos: “despertar para o valor e a beleza da fraternidade humana, promovendo e fortalecendo os vínculos da amizade social, para que, em Jesus Cristo, a paz seja realidade entre todas as pessoas” (texto base da CF 2024).

Já se aproximando o fim dos exercícios quaresmais, e adentrando na dimensão pascal, festa da nossa libertação, tenhamos a coragem de celebrar esse importante momento para a nossa fé, exaltando a beleza da fraternidade humana, reconhecendo que em Cristo todos somos irmãos e irmãs e superando toda atitude de divisão que fere a relação entre os filhos e filhas de Deus.

No Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, começo oficial da Semana Santa, simbolicamente, nosso povo celebra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, montando num jumentinho, que simboliza a humildade. Jesus é aclamado pelo povo simples, que o acompanha com ramos de palmeiras, como “Aquele que vem em nome do Senhor”. Assim, nós também somos convidados e convidadas a fazermos esse gesto, indo ao encontro do Senhor, e levando conosco mais do que ramos, mas também intenções e gestos que fortaleçam a beleza da amizade humana, que gera alegria e paz na vida do nosso povo. Como gesto concreto nesse dia, durante a coleta na missa, fazemos a Campanha Nacional da Solidariedade, pela qual a Igreja do Brasil tem apoiado vários projetos sociais que têm fortalecido a dignidade de tantos irmãos e irmãs e os dado novas possibilidades de retornar, celebrar e vivenciar o convício social de forma justa e fraterna. (Para mais informações sobre projetos, arrecadações e gastos das CFs, acesse o SITE)    

Na Quinta-feira Santa, o magno gesto do Lava-Pés feito por Jesus aos seus discípulos, é um sinal concreto da dimensão do serviço ao próximo, como disse Papa Francisco na sua homilia para este dia no ano de 2023: “pensamos que se trata de um gesto que anuncia como devemos ser uns com os outros”. De fato, ainda mais numa sociedade marcada pelo individualismo, autoritarismo e outras atitudes pelas quais se oprimem, violentam e matam o próximo. Assim, o gesto do Lava-Pés, oportuniza para nós um sinal de ‘reparação’ diante de tantas maldades expostas na vida das pessoas, sobretudo, dos menos favorecidos.

Conhecida também como Celebração da Ceia do Senhor, Instituição da Eucaristia, por meio do pão e do vinho que nos alimenta na caminhada, não pode passar despercebido de nossas liturgias neste dia, o flagelo da fome que distancia tantos irmãos e irmãs da amizade social, por isso, tornam-se sempre atuais as palavras de São João Crisóstomo: “Queres honrar o Corpo do Senhor? Aquele que disse: Isto é o meu corpo, disse também: Vistes-me com fome e não me destes de comer. O que não fizestes a um dos mais pequenos, foi a mim que o recusastes! Honra, portanto, a Cristo partilhando os teus bens com os pobres. (S. João Crisóstomo, Homilia 50 sobre Mateus.)”

Na Sexta-feira Santa, ou sexta-Feira da Paixão, a morte de Jesus deve ultrapassar em nós a aceitação piedosa de que ele morre apenas por nossos pecados, mas firmar em nossas consciências o quanto foi injusto, seletivo, hostil e violento o processo de ‘julgamento de Jesus’, como bem nos lembra as Palavras do Apóstolo Pedro: “Israelitas, ouvi estas palavras: Jesus de Naza­ré, homem de quem Deus tem dado testemunho diante de vós (...) como vós mesmos o sabeis, depois de ter sido entregue, segundo determinado, vós o matastes, crucificando-o por mãos de ímpios”. (At 2,22-23). Era preciso matar não apenas um homem, mas eliminar também seu projeto fraternal de amor entre os irmãos e irmãs, que ameaçava um sistema autoritário, corrupto, onde pragas como xenofobia e aporofobia afastava e extinguia qualquer iniciativa de convívio social.

Celebrar a dimensão da morte de Jesus, é a oportunidade de trazer presentes tantos homens e mulheres que fazem a romaria dos mártires, os quais foram ceifados quando se propuseram fazer o mesmo que Jesus, servir os irmãos e irmãs. É também oportunidade de fortalecer a denúncia a esse sistema, que de forma injusta e arbitrária, continua derramando sangue de crianças, jovens e mulheres, sobretudo do povo negro, impedindo-os de experimentarem a beleza da amizade, do encontro e da fraternidade.

Celebrar o Sábado Santo, donde da terra em silêncio, ecoa a voz dos anjos às mulheres: Não temais! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Não está aqui: ressuscitou!” (Mt28,5.6), nos encoraja, em primeiro lugar, a exemplo das mulheres, a não abandonar os amigos quando já não é possível mais o convívio com eles ou quando a violência e a tirania nos tiram essas pessoas especiais. De igual modo, nos anima a denunciar toda situação de morte, sempre exaltando a beleza da vida, mesmo quando somos vítimas de poderes maldosos e despóticos: “Vós rejeitastes o santo e inocente, pedistes que vos indultassem um homicida e matastes o Príncipe, o autor da vida. Deus o ressuscitou da morte, e nós somos testemunhas disso” (At 3,14-15).

A dimensão da morte de Jesus aufere um significado radical, para os cristãos: uma morte que gera a vida. Isso não deve romantizar as diversas mortes inocentes que presenciamos no mundo atual, aliás, o projeto de Jesus é de vida e vida para todos em abundância (cf.Jo 10,10). Por isso é importante a consciência da luta pela vida. “A tragédia não é quando um ser humano morre; a tragédia é aquilo que morre dentro da pessoa enquanto ela ainda está viva” (Albert Schweiter),

As pastorais sociais da Igreja Católica, sobretudo no Brasil, têm presenciado uma constante ‘Via Sacra’ na vida dos povos, de modo especial dos povos de comunidades tradicionais. O Conselho Pastoral dos Pescadores, por exemplo, tem presenciado as quedas e a batalha dos pescadores e pescadoras na luta pela permanência e defesas dos seus territórios e de seus direitos. Assim o CPP segue, às vezes sendo Verônica, quando sabe que é preciso parar para escutar, rezar e seguir a caminhada; às vezes Cirineu, quando se soma junto ao nosso povo na sua luta nos seus territórios; às vezes Maria, quando mesmo diante de tamanho sofrimento, acompanha, sofre, mas permanece junto, e sempre Madalena anunciado a vida e as conquistas dos amigos.     

Que a ressurreição de Jesus inflame nossa esperança na vida humana, exalte em nós a beleza da amizade social, na certeza de que ela fortalece nossa luta a favor da vida, estreita nossos laços e eterniza a consciência de que somos todos irmãos e irmãs.   Feliz Páscoa!