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Segundo Ano de Cheia Intensa no Rio Jaguaribe Impacta Comunidades Pesqueiras do Ceará

Pescadores e pescadoras artesanais do Ceará enfrentam uma nova crise com o aumento das águas. A comunidade pesqueira local trava uma batalha árdua para superar esses desafios e assegurar seu sustento diante dessa adversidade

09-04-2024
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Texto: Camila Batista, secretária executiva do CPP – Regional CE/PI e Henrique Cavalheiro, assessoria de comunicação do CPP nacional  / FOTOS: Maria Eliene do Vale, Cleomar Rocha e pescador Ronaldo 

Rio Jaguaribe No entorno das comunidades tradicionais pesqueiras dos municípios de Fortim e Aracati, no Ceará, o segundo ano consecutivo de uma cheia intensa no Rio Jaguaribe traz desafios avassaladores para pescadoras e pescadores artesanais. O aumento repentino das águas tem paralisado a atividade pesqueira, deixando mariscos, peixes e crustáceos escassos e agravando a vulnerabilidade socioambiental e socioeconômica dessas comunidades.

Há exatamente um ano, nos primeiros dias de abril, pescadoras e pescadores foram surpreendidos com a situação alarmante do Rio Jaguaribe. As águas, elevadas e carregadas de vegetação, interromperam abruptamente a pesca de diversas espécies, incluindo sururu, búzios, caranguejos e peixes.

Desde então, as comunidades pesqueiras têm denunciado a negligência das autoridades públicas e das entidades responsáveis pela gestão da pesca artesanal, em esferas municipal, estadual e federal.

"É a água que chega da noite para o dia. E o marisco também morre da noite para o dia. Acontece anualmente. Se não denunciarmos, parece que ninguém vê. No ano passado, fizemos várias mobilizações e, a partir de agora, teremos que fazer outra mobilização. Afeta o caranguejo, afeta o peixe também. Para o marisco se recuperar, leva de 6 a 8 meses. É um absurdo chegar a um momento desse sem conclusão alguma", lamenta Luciana Santos, da Comunidade Quilombola do Cumbe.

O Rio Jaguaribe enfrenta múltiplos impactos em seu ecossistema, provenientes de grandes projetos em suas águas e margens, como a carcinicultura, o agro-hidronegócio, o turismo de massa e os empreendimentos eólicos. Além disso, ainda lida com o passivo negativo deixado pelo derramamento de petróleo, que até hoje não foi devidamente reparado.

Ação do CPP

Em resposta a essa crise, o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP - regional CE/PI) tem se empenhado em acompanhar de perto a situação das famílias pesqueiras, incentivando a prática de vigilância popular em saúde, ambiente e trabalho. O CPP tem articulado apoios junto a outras entidades da sociedade civil, como o Instituto Terramar, Movimentos Sociais da Pesca Artesanal (MPP), Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) e o mandato do Deputado Estadual Renato Roseno (PSOL).

Desde o ano passado, foi estabelecida uma intensa agenda de trabalho para pressionar os órgãos do Estado e o sistema de Justiça, buscando pautar políticas públicas que atendam às necessidades das famílias pesqueiras da região. Entre as demandas, está a instituição de um auxílio emergencial, a aquisição de cestas básicas e produtos de primeira necessidade, o monitoramento da saúde do Rio e da população tradicional pesqueira por meio de pesquisas e estudos, bem como a implementação de um seguro defeso para espécies pescadas nos estuários e manguezais.

As Pescadoras

As pescadoras enfrentam um misto de tristeza e preocupação diante desse cenário desafiador, que intensifica as dificuldades já enfrentadas na atividade pesqueira. Além disso, relatam estar vulneráveis ao aumento do adoecimento físico e psicológico, devido à sobrecarga de responsabilidades na família e na comunidade. A mortandade de mariscos e outras espécies têm impactado diretamente a autonomia financeira dessas mulheres, que muitas vezes se veem obrigadas a pescar em locais distantes, aumentando assim a carga de trabalho e o esforço físico.

A pescadora Cleomar Ribeiro da Rocha, da Associação Quilombola do Cumbe, expressou sua preocupação com os desafios enfrentados pelas comunidades pesqueiras em meio às consequências dos fenômenos naturais, ocasionados pelo desequilíbrio ambiental oriundo da emergência climática e da destruição causada pelos grandes empreendimentos. "A quantidade de água que vem chegando no Rio Jaguaribe, nos igarapés, aquela quantidade que vem das barragens, o sangramento que tá tendo, muita água chegando no Rio Jaguaribe, isso precisa ser visto", destacou.

Ela ressaltou que o impacto desses eventos afeta diretamente as atividades de subsistência das comunidades locais, como a pesca e a coleta de mariscos e caranguejos. "Os próprios catadores de caranguejo também são impactados, porque até para navegar, tá difícil, conduzir a dominação que vem aí, descendo do mar", explicou Cleomar.

Além disso, Cleomar enfatizou a invisibilidade das comunidades por parte das autoridades e da sociedade em geral sobre a gravidade da situação. "É como se não fosse uma preocupação, como se isso fosse normal e não é normal, isso não é normal", frisou.

Ela também abordou a complexidade dos processos naturais e a importância de respeitar o tempo necessário para que a natureza se adapte e se recupere dos impactos. "Todo ano nós estamos sofrendo com essa situação, é o marisco que morre, depois disso tem todo um processo para ele se desenvolver, crescer, não é da noite para o dia, a gente sabe os processos naturais e o seu tempo", acrescentou.

A pescadora também expressou preocupação com a falta de assistência durante estas cheias que estão se transformando em desastres anuais. "São várias comunidades que sofrem desse impacto. A gente não tem um amparo do Estado, nem do governo. A gente não tem um auxílio que possa nos amparar nesse período do inverno", destacou Cleomar.

O Rio Jaguaribe é vida para estas comunidades, é onde se mantém seu modo de vida e a construção do “Bem Viver” desses povos. "Aqui no Quilombo do Cumbe e em outras comunidades da região, esse povo todo, vive desse Rio, então todos e todas estão prejudicados e prejudicadas", ressaltou Cleomar, demonstrando a enorme dimensão dos impactos sobre as comunidades tradicionais locais.

Vida e Dignidade

Diante dessa realidade, a atenção à pesca realizada por mulheres, que desempenham um papel fundamental na sustentabilidade das famílias e das comunidades, torna-se ainda mais urgente. O CPP - CE/PI tem trabalhado para garantir o reconhecimento e a seguridade social das pescadoras, incluindo o apoio ao cadastramento no Registro Geral da Pesca (RGP) e a proposição de instrumentos legais que assegurem seus direitos.

Para Camila Batista, secretária executiva do CPP – Regional CE/PI, o impacto negativo na pesca artesanal da região precisa ser mais bem observado pelas autoridades. "As pescadoras e pescadores dos municípios de Fortim e Aracati já estão enfrentando, pelo segundo ano consecutivo, a escassez severa das espécies no Rio Jaguaribe, devido aos agravos que o Rio vem historicamente somatizando. Esse acontecimento da cheia tem sido cíclico na região e isso esbarra sempre no paradeiro da pesca de forma brusca. São famílias inteiras que perdem a autonomia financeira e a soberania alimentar. O impacto tem sido muito grande, com interferências na garantia da alimentação adequada, na saúde das pescadoras e pescadores, pois todas essas tensões enfrentadas nos últimos anos se refletem nos seus corpos, nas mentes e nas suas vidas”, destaca Camila.

Em meio a essa crise, para o CPP, é essencial que as vozes das pescadoras e pescadores artesanais sejam ouvidas e que medidas concretas sejam tomadas para garantir sua sobrevivência e o sustento de suas comunidades. A pastoral segue firme em sua missão de defender os direitos e promover o bem-estar das famílias pesqueiras do Ceará e de todo o Brasil.

"E tem sido muito desafiante articularmos essa pauta em favor da pesca artesanal com a celeridade que essa situação demanda. Temos buscado mobilizar a ação de instituições parceiras na esfera nacional e internacional, construir estratégias de visibilidade e articular o sistema de justiça para que sejam assegurados os direitos dessas famílias, mas, com o caráter emergencial que esse contexto exige e considerando ainda o tamanho da geografia desse problema, se faz necessário e urgente que sejam tomadas medidas governamentais”, conclui Batista.

Linha de ação: