Declaração de apoio da CNBB ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), feita no último dia 13 durante o VI Congresso Nacional do MST.
1. A CNBB tem, desde sua criação, o princípio de se posicionar profeticamente e de forma firme e propositiva sobre temas pertinentes da realidade brasileira. A reflexão sobre a questão agrária segue este viés. Tem, reiteradas vezes, se manifestado sobre a problemática agrária considerando que a Igreja, com sua presença pastoral em todos os recantos de nosso país, procura estar atenta à realidade dos povos do campo e das florestas. Nestes mais de trinta anos, tempo da história do MST, sua palavra se fez solidária e, ao mesmo tempo, crítica, reafirmando os valores fundamentais contidos nas sagradas escrituras e no magistério eclesial.
2. Há mais de 30 anos, em 1980, a XVIII Assembleia Geral da CNBB aprovou o 1º documento da Igreja no Brasil sobre a questão agrária: “A Igreja e os Problemas da Terra”. Já bem antes, bispos individualmente publicavam cartas pastorais onde exigiam a reforma agrária. A difícil situação em que viviam os trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro interpelava a Igreja e exigia seu compromisso e sua palavra. Assim, aos 22 de junho de 1975 foi criada a Comissão Pastoral da Terra. Desta, nasceram diversos Movimentos Sociais relacionados com a questão agrária. Por meio da CPT, voz profética no Brasil, a justiça social na terra e o combate à violência no campo passaram a ser denunciados diante do Estado brasileiro e em órgãos internacionais. Foi ainda por meio da mesma CPT que o MST e outros Movimentos Camponeses encontraram o apoio necessário e solidário da Igreja, embora seja necessário registrar que sempre respeitando a independência e liberdade de ambas as partes, tanto nos métodos, ideologias ou princípios evangélicos e doutrinais.
3. De lá para cá a sociedade brasileira passou por muitas transformações. Foram importantes mudanças políticas, como o fim do regime da ditadura militar e o processo de redemocratização do País, que culminou com a promulgação da Constituição Federal, em 1988.
4. Na próxima Assembleia Geral da CNBB a ser realizada no mês de maio temos a firme intenção de aprovar um novo e atualizado documento oficial da CNBB: “Igreja e Questão Agrária no Início do Século XXI”. O documento é uma palavra dos Bispos para o Povo de Deus e a sociedade em geral, elaborada em comunidade de fé, tendo em vista profeticamente animar e anunciar, como também denunciar graves injustiças ainda vigentes sobre os “povos da terra, das água e das florestas”. A sempre prometida reforma agrária não foi prioridade de nenhum dos governos democráticos. Ter no Brasil um limite máximo da propriedade ainda é um sonho quase utópico e que somente acontecerá por lei de iniciativa popular.
5. Este 6º Congresso Nacional do MST que celebra seus 30 anos de criação e seus aliados é significativo e ocorre em um momento grave para a nossa nação. A propriedade da terra continua concentrada nas mãos de poucos; O novo Código Florestal está muito aquém do desejado pela Igreja e pequenos agricultores; nossa população está ingerindo veneno no lugar de alimentos e água. No ar respiramos agrotóxicos. Empresas transnacionais estão se apropriando da nossa biodiversidade e das sementes. Toda a cadeia produtiva está na mão de poucos grupos transnacionais a serviço do grande capital. A violência no campo tem aumentado e diante dessa o Estado é ágil em punir os pobres, criminalizar os Movimentos Sociais e muito lento para punir os grandes proprietários e mesmo os mandantes de assassinatos de líderes camponeses, indígenas e quilombolas.
6. Nossos irmãos indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais passam por situação difícil, pois seus territórios não estão sendo reconhecidos e seguidamente tenta-se solapar as garantias constitucionais de posse destes territórios. Faz-se um jogo teatral ao demarcar as terras desses povos sem, no entanto, legitimar a posse para os mesmos. Tenta-se agora mudar a Constituição passando para o Congresso o poder de novas demarcações de terras, Congresso esse sob o domínio da Bancada Ruralista. Se por um lado houve alguns avanços na afirmação de direitos, de outro, sente-se que os conflitos aumentam. É uma realidade que preocupa a todos nós, Igrejas e Movimentos Sociais. Não é este o Brasil que queremos. Conforme a CNBB junto com a sociedade brasileira refletiu na 5ª Semana Social Brasileira, temos que reconstruir o Estado para que este esteja a serviço dos cidadãos e cidadãs e não do capital e de seus detentores.
7. O MST pautou a história do Brasil nos últimos trinta anos, pela resistência e teimosia e denunciar um modelo injusto e anunciar outra possibilidade de relação com a terra e relação entre os entes sociais. Temos a alegria de saber que muitos agentes leigos de pastoral, religiosas, religiosos, padres e bispos ajudaram a construir a história do MST e de outros Movimentos Sociais, movidos não por ideologias, mas pela fé e palavra do Evangelho e ainda hoje continuam sua militância. Esta trajetória não será esquecida. Ela está escrita na mente e nos corações daqueles e daquelas que fizeram parte deste movimento ou que com ele dialogaram. Mesmo que a história de viés elitista desconheça e rejeite, esta marca fica assentada na mente dos que sonham com um Brasil melhor para todos e todas.
8. Pedimos que os companheiros e companheiras do MST tenham a ousadia e coragem de continuar esta luta. E, neste caminho se abram em diálogo aos novos atores sociais, outros protagonistas que buscam um Brasil melhor. Tenham a humildade de reconhecer que também houveram erros metodológicos, o que em nada diminui as conquistas e o idealismo da luta. Aproximem-se dos aliados históricos na perspectiva de unirem forças no processo. O pensar diferente não é sinal de rompimento, mas a condição de exercitarmos a tolerância e o espírito democrático. Lutar pela justiça no campo implica em lutar pela democracia, e no dia a dia somos instados a mostrar esta convicção cidadã.
9. Manifestamos o apoio e solidariedade ao MST nestes trinta anos de história, embora em dados momentos não tenhamos assinado todos os métodos e posturas e agradeço pela contribuição dada a luta pela partilha e justiça social, princípio da fé cristã e do pleno exercício da cidadania. Em tudo o que for justo segundo os princípios do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, caminharemos juntos na construção de um Brasil democrático, livre e sem corrupção.
Dom Guilherme Antônio Werlang, MSF
Bispo Diocesano de Ipameri-GO
Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço, a Caridade e a Paz