Notícias

Pronunciamento de Dom Guilherme das pastorais sociais da CNBB no VI Congresso Nacional do MST

Declaração de apoio da CNBB ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), feita no último dia 13 durante o VI Congresso Nacional do MST.

17-02-2014

                    CNBB

1. A CNBB tem, desde sua criação, o princípio de se posicionar profeticamente e de forma firme e propositiva sobre temas pertinentes da realidade brasileira. A reflexão sobre a questão agrária segue este viés. Tem, reiteradas vezes, se manifestado sobre a problemática agrária considerando que a Igreja, com sua presença pastoral em todos os recantos de nosso país, procura estar atenta à realidade dos povos do campo e das florestas. Nestes mais de trinta anos, tempo da história do MST, sua palavra se fez solidária e, ao mesmo tempo, crítica, reafirmando os valores fundamentais contidos nas sagradas escrituras e no magistério eclesial.

2. Há mais de 30 anos, em 1980, a XVIII Assembleia Geral da CNBB aprovou o 1º documento da Igreja no Brasil sobre a questão agrária: “A Igreja e os Problemas da Terra”. Já bem antes, bispos individualmente publicavam cartas pastorais onde exigiam a reforma agrária. A difícil situação em que viviam os trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro interpelava a Igreja e exigia seu compromisso e sua palavra. Assim, aos 22 de junho de 1975 foi criada a Comissão Pastoral da Terra. Desta, nasceram diversos Movimentos Sociais relacionados com a questão agrária. Por meio da CPT, voz profética no Brasil, a justiça social na terra e o combate à violência no campo passaram a ser denunciados diante do Estado brasileiro e em órgãos internacionais. Foi ainda por meio da mesma CPT que o MST e outros Movimentos Camponeses encontraram o apoio necessário e solidário da Igreja, embora seja necessário registrar que sempre respeitando a independência e liberdade de ambas as partes, tanto nos métodos, ideologias ou princípios evangélicos e doutrinais.

3. De lá para cá a sociedade brasileira passou por muitas transformações. Foram importantes mudanças políticas, como o fim do regime da ditadura militar e o processo de redemocratização do País, que culminou com a promulgação da Constituição Federal, em 1988.

4. Na próxima Assembleia Geral da CNBB a ser realizada no mês de maio temos a firme intenção de aprovar um novo e atualizado documento oficial da CNBB: “Igreja e Questão Agrária no Início do Século XXI”. O documento é uma palavra dos Bispos para o Povo de Deus e a sociedade em geral, elaborada em comunidade de fé, tendo em vista profeticamente animar e anunciar, como também denunciar graves injustiças ainda vigentes sobre os “povos da terra, das água e das florestas”. A sempre prometida reforma agrária não foi prioridade de nenhum dos governos democráticos. Ter no Brasil um limite máximo da propriedade ainda é um sonho quase utópico e que somente acontecerá por lei de iniciativa popular.

5. Este 6º Congresso Nacional do MST que celebra seus 30 anos de criação e seus aliados é significativo e ocorre em um momento grave para a nossa nação. A propriedade da terra continua concentrada nas mãos de poucos; O novo Código Florestal está muito aquém do desejado pela Igreja e pequenos agricultores; nossa população está ingerindo veneno no lugar de alimentos e água. No ar respiramos agrotóxicos. Empresas transnacionais estão se apropriando da nossa biodiversidade e das sementes. Toda a cadeia produtiva está na mão de poucos grupos transnacionais a serviço do grande capital. A violência no campo tem aumentado e diante dessa o Estado é ágil em punir os pobres, criminalizar os Movimentos Sociais e muito lento para punir os grandes proprietários e mesmo os mandantes de assassinatos de líderes camponeses, indígenas e quilombolas.

6. Nossos irmãos indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais passam por situação difícil, pois seus territórios não estão sendo reconhecidos e seguidamente tenta-se solapar as garantias constitucionais de posse destes territórios. Faz-se um jogo teatral ao demarcar as terras desses povos sem, no entanto, legitimar a posse para os mesmos. Tenta-se agora mudar a Constituição passando para o Congresso o poder de novas demarcações de terras, Congresso esse sob o domínio da Bancada Ruralista. Se por um lado houve alguns avanços na afirmação de direitos, de outro, sente-se que os conflitos aumentam. É uma realidade que preocupa a todos nós, Igrejas e Movimentos Sociais. Não é este o Brasil que queremos. Conforme a CNBB junto com a sociedade brasileira refletiu na 5ª Semana Social Brasileira, temos que reconstruir o Estado para que este esteja a serviço dos cidadãos e cidadãs e não do capital e de seus detentores.

7. O MST pautou a história do Brasil nos últimos trinta anos, pela resistência e teimosia e denunciar um modelo injusto e anunciar outra possibilidade de relação com a terra e relação entre os entes sociais. Temos a alegria de saber que muitos agentes leigos de pastoral, religiosas, religiosos, padres e bispos ajudaram a construir a história do MST e de outros Movimentos Sociais, movidos não por ideologias, mas pela fé e palavra do Evangelho e ainda hoje continuam sua militância. Esta trajetória não será esquecida. Ela está escrita na mente e nos corações daqueles e daquelas que fizeram parte deste movimento ou que com ele dialogaram. Mesmo que a história de viés elitista desconheça e rejeite, esta marca fica assentada na mente dos que sonham com um Brasil melhor para todos e todas.

8. Pedimos que os companheiros e companheiras do MST tenham a ousadia e coragem de continuar esta luta. E, neste caminho se abram em diálogo aos novos atores sociais, outros protagonistas que buscam um Brasil melhor. Tenham a humildade de reconhecer que também houveram erros metodológicos, o que em nada diminui as conquistas e o idealismo da luta. Aproximem-se dos aliados históricos na perspectiva de unirem forças no processo. O pensar diferente não é sinal de rompimento, mas a condição de exercitarmos a tolerância e o espírito democrático. Lutar pela justiça no campo implica em lutar pela democracia, e no dia a dia somos instados a mostrar esta convicção cidadã.

9. Manifestamos o apoio e solidariedade ao MST nestes trinta anos de história, embora em dados momentos não tenhamos assinado todos os métodos e posturas e agradeço pela contribuição dada a luta pela partilha e justiça social, princípio da fé cristã e do pleno exercício da cidadania. Em tudo o que for justo segundo os princípios do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, caminharemos juntos na construção de um Brasil democrático, livre e sem corrupção.

Dom Guilherme Antônio Werlang, MSF

Bispo Diocesano de Ipameri-GO

Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço, a Caridade e a Paz

Tema: