Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC)
“Metal, por mais precioso que seja, não mata a fome” disparam as mais de 90 comunidades tradicionais que participaram do X Encontro do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC), realizado entre os dias 5 e 8 de abril, em Aracaju, para alertar sobre os impactos causados pelos projetos desenvolvimentistas em seus territórios.
No Manifesto dos Povos e Comunidades Tradicionais “Juntos e Juntas na luta por nossos territórios de vida”, além de denunciar a destruição e o cercamento dos manguezais para a prática da carcinicultura, a pesca predatória, o fechamento de portos, a especulação imobiliária e o avanço do agronegócio, as comunidades sentenciam que não deixarão esses espaços, onde produzem “resistências e territórios de vida”. Veja o manifesto na íntegra:
MANIFESTO DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
JUNTOS E JUNTAS NA LUTA POR NOSSOS TERRITÓRIOS DE VIDA
Só tem braço forte quem segura a flor!
(Bispo Dom Helder Câmara)
Ao mundo hoje dedicamos nosso anseio por reparos à vida que já não se vive. Sobreviver é a palavra de ordem!
(Osvaldo – Santa Terezinha/Indiaroba, SE)
Durante 4 dias do mês de abril de 2018, em Aracaju, Sergipe, nós, 140 mulheres e homens, lideranças de 95 Comunidades Tradicionais, Pescadores e Pescadoras Artesanais, Quilombolas, Movimento das Marisqueiras de Sergipe, Movimento das Catadoras de Mangaba, Pequenos e Pequenas Agricultores, Camponeses e Camponesas, representantes do Fórum de SUAPE- Espaço Socioambiental de Pernambuco, juntamente com a Universidade Federal de Sergipe (UFS) e outros colaboradores dedicamos nossos esforços para realizar o X EPEAC, (Encontro do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras), no qual se debateu as diversas formas de agressões aos Povos e Comunidades Tradicionais, bem como as formas de resistências que praticamos contra os nossos agressores.
A truculência da elite que detém o capital, acreditando que em tudo que toca vira ouro (mito do Rei Midas), mas que por pura ganância, não quer enxergar que metal por mais precioso que seja, não mata a fome.
A incapacidade de perceber que o verde que lhe interessa é pura e exclusivamente o do dinheiro que, infelizmente, nos dias atuais, é usado inclusive para explorar, destruir e escravizar aqueles que vivem do próprio trabalho, produzindo resistências e territórios de vida.
Estamos através desta carta, denunciando o nosso extermínio, Povos e Comunidades Tradicionais que fazemos dos nossos territórios o lugar onde nascemos, crescemos e produzimos a vida.
Nos negamos a sair destes territórios que são o nosso bem comum mais precioso!
Defendemos com afinco, a natureza de onde cultivamos o nutrir das nossas famílias. Nosso coração são as águas, rios, mares, manguezais, lagoas, apicuns, terras, mangabeiras, restingas, matas, dunas, ventos e ar.
A destruição dos manguezais, promovida por grandes e pequenos empresários para a prática de carcinicultura que altera totalmente os nichos de toda e qualquer espécie nativa, diminuindo ou exterminando-as, melhor caracterizando-se como projeto de CARCIMORTE!
A pesca predatória que afeta e compromete nossos locais pesqueiros;
A especulação imobiliária e a expansão das cidades e indústrias, dos condomínios luxuosos e projetos de resorts;
O avanço do agronegócio com os latifúndios de cana de açúcar, gado e eucalipto, nos afetam diretamente, causando:
- O desmatamento das nossas matas, poluição e destruição das nossas águas;
- Aumento exorbitante dos preços das terras que promove a expulsão das nossas famílias;
- Cercamento dos nossos mangues, passagens de servidão e nossos portos, além de nos proibir de ancorar nas margens do rio, com ameaças de morte com emprego de armas de fogo e cães de guarda. Isto nos obriga a caminhar quilômetros para acessar nossas áreas de trabalho, onde ancestralmente, nosso hábito era percorrer metros.
- As mulheres trabalhadoras, por exemplo, estão correndo perigo tendo em vista a necessidade de ir cada vez mais longe, em busca da sobrevivência;
Ainda temos que conviver com a prática da violência racista contra nós, Povos e Comunidades Tradicionais, que na verdade com nosso trabalho cultivamos a vida e, sobre a forma de alimentos, enchemos as mesas daqueles que se dizem civilizados.
Na realidade, nas águas, rios, mares, manguezais, lagoas, apicuns, terras, mangabeiras, restingas, matas, dunas, ventos e ar, onde vivemos não cabe intervenção porque estes vetores do desenvolvimento destroem nossa existência!
O que se fez nessa plenária em quatro dias, merecidamente deve ser visto e ouvido por todo o mundo, pois, nossas culturas e costumes estão sendo agredidos, exigindo de nós formas de r-existência.
O que queremos com esse ato não é simplesmente falar e ser ouvido!
Queremos sim gritar e gritamos. Queremos muito ser ouvido e certamente seremos.
Não viemos aqui pedir nada, pois quem pede se contenta com respostas.
Queremos acima de tudo exigir ações.
Ações que favoreçam as atividades pesqueiras, que nos possibilitem ir a campo e voltar sorridentes. O que queremos é voltar a pescar e pegar peixe, mariscar e trazer o fruto do trabalho de cada dia. É ter nossas mangabinhas para catar. É ter água de qualidade para beber, pois a comida dos grandes, brota de cada gota de suor que cai no chão, provinda de cada uma das testas dessas mulheres e homens que aqui se manifestaram.
Aracaju, Sergipe – Brasil, 08 de Abril de 2018