Por Comunicação do IRPAA
Diversas comunidades ribeirinhas dos municípios de Remanso e Pilão Arcado ainda tem a pesca no Rio São Francisco como principal atividade produtiva. Desde a construção da Barragem de Sobradinho, a presença do peixe no rio já diminuiu consideravelmente, mas a pesca ainda é um importante complemento na renda de muitas famílias. Paulo Alves dos Santos e Rosália Alves, pescador/a de Pedreiras, em Pilão Arcado, dizem que nem imaginam a vida na comunidade se a pesca chegar a não existir mais.
Segundo o Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP, a falta de peixe, principal problema hoje da pesca artesanal decorre da degradação do rio, a exemplo do desmatamento, poluição, pesca ilegal, ocupação das lagoas marginais pela irrigação e retirada de água das mesmas, entre outras causas, tudo isso aliado à falta de fiscalização do Estado.
De uns anos para cá, o investimento na criação de peixes em cativeiros tem crescido, especialmente na região do Lago de Sobradinho. A psicultura vem sendo incentivada pelo Governo do Estado e Federal, através de órgãos como a Bahia Pesca e o Ministério da Pesca e Aquicultura. Porém, para muitas organizações populares, a exemplo das associações de pescadores/as, esta é uma forma de tirar a liberdade da/do pescador/a artesanal que sempre teve autonomia em seu território pesqueiro e agora se depara com normas que são próprias de uma visão empresarial. Os peixes são criados em tanque-redes dentro do rio, à base de ração, devendo a área ficar reservada para a atividade e dificultando assim o acesso de embarcações usadas pelos pescadores/as artesanais.
A crítica principal é quanto à forma como a psicultura vem sendo implantada na região, sem respeitar a autonomia das/dos pescadores/as. O problema é o avanço do hidronegócio sobre a produção de base familiar, pontuam as/os pescadores/as preocupados com os rumos da atividade pesqueira na região. De acordo com Antônio Tarcísio, do CPP, mesmo não havendo estudos detalhados sobre o impacto que a psicultura pode causar no ecossistema do rio, é preciso ter cuidado, pois é um tipo de intervenção no rio. “As áreas podem entrar em conflito com áreas tradicionais da pesca (...) isso pode impactar na dificuldade de acesso dos pescadores [artesanais] a essas áreas”. O aumento desta atividade sem um controle e sem a participação dos/as pescadores e pescadoras nesta discussão pode causar um conflito futuro, pontua o CPP.
De acordo com o Ministério da Pesca, 154 milhões de toneladas de pescado são produzidas anualmente no mundo. Com a ampliação da psicultura, especialmente nos reservatórios de usinas hidrelétricas do país, a expectativa é que em 2030 mais 100 milhões de toneladas possam se somar a este quantitativo, visando dá conta da demanda mundial.
“As águas tão sendo privatizadas”, diz pescadora
Assim como o latifúndio da terra, a concentração do poder econômico também exerce influência sobre as águas. Em Remanso, as/os pescadores relatam com indignação a ação de grandes proprietários de terra que vem dificultando a pesca artesanal. “A gente tá numa situação um pouco difícil aqui na região do Rio São Francisco, porque a gente não tem liberdade (...), a gente quando chega que encosta, chega o fazendeiro com a arma na mão montado no seu burro ou no seu bom carro e manda nós se arretirar da beirada do rio, se arretirar dali da propriedade dele”, relata o pescador remanse Francisco Inocêncio. “Eles fazem as boas cercas, tiram o arame até em certas posições, a gente vai põe a linha e termina perdendo a linha [de pescar]. A gente não pode ir cobrar do dono da cerca porque se a gente for, ele chama a polícia pra nós, vão dizer que nós estamos agredindo eles”, denuncia.
“Tem lugares aí que pra pescar tem que ser na ficha, as águas tão sendo privatizadas, tem lugar que o fazendeiro não deixa pescador encostar”, desabafa Lucília Freitas, secretária da APPR. Consciente da necessidade de lutar pela garantia da tradição e fonte de renda, sua mãe D. Lúcia prevê: “Se nós não defendermos nosso território, nós não vamos nem poder chegar perto do barco”. S. Francisco Inocênio completa: “a gente precisa de uma oportunidade porque o pescador é ser humano”.
Fortalecimento da luta popular
A Associação de Pescadores e Pescadoras de Remanso – APPR tem uma posição clara: “Nós não queremos psicultura, nós queremos nossa origem, fortalecer nossa pesca artesanal”, expõe a pescadora associada Lúcia Freitas. Há seis anos, a APPR tem provocado mudanças significativas na vida de cerca de 30 famílias que diretamente estão envolvidas no beneficiamento do pescado e que afirmam viver bem a partir da tradicional pesca herdada de seus antepassados. “Eu vou morrer defendendo a pesca artesanal, que foi de onde eu vivi, criei meus filhos”, diz emocionada D. Lúcia.
Também com o intuito de intensificar a defesa da pesca artesanal, no dia 15 de agosto, a comunidade de Pedreiras, em Pilão Arcado, fundou a Associação Produtiva de Pescadoras e Pescadores Artesanais de Pedreiras e Adjacências. Assim como a APPR, a entidade possui maioria de mulheres, contando apenas com um ou dois homens que tem participação ativa.
Os dois municípios contam com representações no Movimento Nacional dos Pescadores e Pescadoras – MPP e hoje assumem a Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, que vem coletando assinaturas para apresentar um Projeto de Lei de Iniciativa Popular para garantir o direito das/dos pescadores artesanais.
A partir de uma relação de respeito com o meio ambiente, a pesca artesanal fornece 70% do pescado de todo o país, mantendo o princípio básico de uma alimentação saudável, além da história e cultura das comunidades. De Pilão Arcado, por exemplo, hoje sai ainda um quantitativo grande do peixe consumido na Bahia, em especial o pescado, dourado, piranha, mandim, curimatã, piau, dentre outros. “Nós aqui do São Francisco enche a mesa dos grandes”, ressalta D. Lúcia ao defender a vida do rio e atividade que exerce há décadas.