Os pescadores e pescadoras artesanais, em conjunto com o Conselho Pastoral dos Pescadores da Diocese de Santarém, elaboraram uma carta contendo os principais elementos discutidos no Seminário “Pesca artesanal no Baixo Amazonas: principais contextos, desafios e perspectivas para o manejo comunitário”, realizado de 15 a 17 de novembro de 2018, na cidade de Santarém (PA). A carta foi elaborada ao final do encontro.
Durante o Seminário foram realizados debates e discussões das realidades da pesca artesanal na região, os desafios e as perspectivas para o futuro da pesca e dos (as) pescadores (as) artesanais, assim como, compromissos que devem ser assumidos pela categoria, entidades e movimentos aliados. Confira a carta na íntegra, logo abaixo!
CARTA SOBRE A PESCA ARTESANAL NO BAIXO AMAZONAS
Santarém, 18 de Novembro de 2018
Nós, Pescadores e Pescadoras Artesanais e representantes de entidades afins dos municípios do Baixo Amazonas Alenquer, Almeirim, Monte Alegre, Óbidos, Prainha, Terra Santa, Curuá e Santarém, do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras - CPP, e Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais - MPPA, estivemos reunidos em Santarém, nos dias 15, 16 e 17 de novembro de 2018. A partir dos contextos regionais no qual a pesca artesanal está inserida, debatemos as principais realidades e desafios que ameaçam as comunidades pesqueiras e discutimos estratégias e alternativas para o fortalecimento da pesca artesanal. Após os debates, queremos compartilhar o fruto de nossos trabalhos com tantos lutadores e lutadoras, entidades representativas, gestores públicos e toda a sociedade.
Constatamos que:
1. A atividade do pescador e da pescadora artesanal permanece invisível e insignificante para os diversos agentes do Estado e para quem toma decisões para o assim chamado desenvolvimento do país.
2. Os territórios pesqueiros estão sendo invadidos e destruídos por todas as partes, sem a mínima consulta, a que tem direito, segundo a convenção 169 da OIT/ONU.
3. A construção de portos, hidrelétricas, indústrias e exploração minerária legal ou ilegal, invadem os territórios pesqueiros, causando danos irreversíveis e fazem desaparecer a pesca.
4. No contexto atual, não se percebe preocupação real do Estado para apoiar a produção de alimentos em pequena escala, a agricultura familiar, a pesca artesanal, nem de organizar este setor nem de destinar um órgão para cuidar de tais atividades.
5. A produção de alimentos saudáveis não é valorizada, enquanto o agronegócio, a piscicultura e todos os grandes empreendimentos recebem apoio e até grandes subsídios.
6. A piscicultura está privatizando as águas e expulsando os pescadores e pescadoras artesanais dos seus territórios.
Encontramos grandes desafios para cuidar da pesca artesanal, tais como:
1. A extinção do MDA - Ministério de Desenvolvimento Agrário e do MPA - Ministério da Pesca e Aquicultura.
2. A não emissão de novos registros de pescadores artesanais - RGP.
3. A falta de créditos e incentivos para a pesca artesanal.
4. O governo e as empresas priorizam e investem na piscicultura e não têm uma política de gestão para a pesca artesanal.
5. Muitos pescadores artesanais estão ilusionados pela propaganda da piscicultura como uma fonte de renda mais rápida e não estão se alertando para os perigos que esse modelo de produção representa para as comunidades pesqueiras.
6. Certos representantes das organizações dos pescadores e pescadoras se tornaram um problema, já que procuram o bem deles ou de seus familiares e/ou grupos políticos.
7. É importante renovar e fortalecer a identidade do Movimento de Pescadores e Pescadoras do Baixo Amazonas - MOPEBAM e ganhar autonomia.
8. Um dos maiores desafios é também o atravessador que fica com todo o ganho do pescador.
9. Unir pescadores e pescadoras para lutar juntos, com ou sem a presença de colônias ou sindicato.
10.Ter consciência de “que somos daqui”, “nascemos aqui”, por isso “devemos lutar pelo que é nosso”.
11.Os Acordos de Pesca são uma boa solução para defender e preservar o habitat natural, recuperar a qualidade e quantidade do estoque pesqueiro e amenizar os conflitos.
12.Dar visibilidade à produção da pesca artesanal por meio de estatística.
13.Sensibilizar as comunidades pesqueiras na luta pela preservação do meio ambiente e por uma melhor qualidade de vida.
14.A piscicultura e a pesca artesanal são duas atividades distintas em suas lógicas e metodologias. A piscicultura produz para o mercado interno e exportação, é empresa com empregados que ajudam o empresário a aumentar os seus lucros, com seus processos industriais. A prioridade da pesca artesanal é o autoconsumo, apenas uma pequena parte é comercializada para manter a sustentabilidade familiar e comunitária, respeitando os processos naturais dos lagos e dos rios, etc.
15.A formação e capacitação dos membros e das comunidades e o engajamento da juventude.
Compromissos:
1. Fortalecer os grupos de base para unirmos na ponta e lutar juntos para defender o território pesqueiro;
2. Avaliar nossas organizações para ter uma democracia mais participativa e não apenas representativa;
3. Lutar pela renovação de nossa organização a fim de retomar a sua identidade e o serviço aos pescadores e pescadoras;
4. Fortalecer os Acordos de Pesca e o manejo comunitário, como forma de garantir os recursos pesqueiros para as comunidades;
5. Fortalecer a união em nossas comunidades e nos grupos de pescadores e pescadoras artesanais;
6. Proporcionar formação e capacitação;
7. Continuar acompanhando o engajamento dos jovens;
8. Dar visibilidades à produção pesqueira por meio de estatística.
Solicitamos aos gestores públicos:
1. Criar políticas públicas de valorização da pesca artesanal nos municípios (estatística, gestão e ordenamento pesqueiro).
2. Retomar e Criar Conselhos Municipais da Pesca Artesanal nos municípios do Baixo Amazonas.
Esperamos que encontros como este nos ajudem a fortalecer a identidade do movimento, a melhorar a união em nossas bases, a reafirmar a luta em defesa dos direitos dos pescadores e pescadoras artesanais e de políticas públicas que promovam a pesca artesanal. Que o sentido ético e de fé religiosa, preocupada pelo bem comum, impulsione a todos/as a cuidar de nossas comunidades e recursos da nossa casa comum com generosidade, esperança e amor.