Assessoria de Comunicação do CPP
Em denúncia realizada ao vivo, no dia de ontem (23/11), as pescadoras de Pernambuco e um conjunto de organizações lançaram o "Manifesto Coletivo Pela Vida e Pelos Direitos das Pescadoras Artesanais". A Denúncia Ao Vivo marcou os 13 meses de inoperância e de desrespeito às mulheres da pesca artesanal, que permanecem negligenciadas desde o crime socioambiental do petróleo na costa brasileira.
No documento, são feitas denúncias sobre a negligência e omissão por parte dos governos nas esferas federal, estadual e municipais diante da tragédia-crime de vazamento de petróleo, que segue sem culpados ou solução, e também a falta de uma política de Estado efetiva que garanta os direitos das mulheres e homens do mar, que são responsáveis por mais de 90% de todo o pescado consumido no país. No documento ainda é denunciado o projeto de desenvolvimento econômico adotado pelo atual governo federal, que, segundo o texto, "destrói vidas, especialmente quando se trata das populações tradicionais, e de maneira particular, quando são mulheres, pessoas negras e empobrecidas pelo racismo estrutural".
Confira o manifesto na íntegra, logo abaixo, ou acesse aqui:
MANIFESTO COLETIVO PELA VIDA E PELOS DIREITOS DAS PESCADORAS ARTESANAIS
Hoje, em alguma comunidade pesqueira do Estado do Pernambuco, é mais um dia sem respostas sobre maior derramamento de petróleo já ocorrido no oceano Atlântico Sul. Em outubro de 2020 completou exatos um ano em que as mulheres pescadoras de tais comunidades amargam o sofrimento diante das incertezas e dos riscos provocadas pelas mais de 5 mil toneladas de petróleo cru que chegaram na região costeira pernambucana, em outros oito estados do nordeste, além de comunidades do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, poluindo estuários, cadeias rochosas, arrecifes, adentrando em rios e mangues. Segundo a pesquisa publicada pela Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), no estado foram 260 hectares de corais e 692 hectares de mangues e vegetação nativa que podem ter sido afetados pela contaminação em 11 municípios. O levantamento mostra ainda a dimensão dos impactos causados tanto ao meio ambiente quanto à vida de milhares de mulheres e homens da pesca artesanal, cujos modos de ser, viver e produzir guardam profunda relação com estes ecossistemas.
A invisibilização por trás do crime socioambiental tem o racismo como um dos principais elementos aliados ao interesse econômico, que influenciaram toda a política de negação e omissão assumidas pelo governo federal e pelos governos estaduais. De acordo com dados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2019, mais de 80% das pescadoras e pescadores são negras e negros, o que revela um profundo racismo ambiental e institucional no processo de desmonte das políticas públicas e assistência à categoria. As mulheres e suas famílias seguem em situação de total desproteção social, sem acesso ao atendimento e infraestrutura adequada na rede de saúde, situação que se repete há anos, muito antes do crime do petróleo e que se agrava de maneira latente com a chegada da covid-19 nas comunidades, revelando de maneira inquestionável o quão cruel são os impactos das desigualdades sociais de classe, raça e gênero na ormação social brasileira.
A pandemia do coronavírus evidenciou o contexto de abandono que as mulheres da pesca já vinham enfrentando nos últimos anos. A crise sanitária escancarou ainda mais a política de desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) e da atenção básica. É importante denunciar que a situação das pescadoras vem se agravando desde as epidemias de zika, chikungunya e de dengue registradas entre os anos de 2016 e 2017. A atenção à saúde básica tem sofrido cortes drásticos de investimento desde então, impactando diretamente as comunidades pesqueiras. Afastadas dos grandes centros urbanos, as comunidades só contam – quando tem - com atendimento em postos de saúde, que em diferentes lugares do país, estão sucateadas, e agora, ameaçadas de privatização pelo governo Bolsonaro.
As mulheres são as mais afetadas pela crise capitalista instalada com a pandemia. Nesses oito meses de pandemia vimos os números de ocorrências de violência doméstica, sexual e feminicídio aumentarem significativamente. As violências que já existiam antes foram agravadas pela necessidade de confinamento de mulheres e meninas com os seus agressores, bem como casos de violência relatados por mulheres que foram agredidas por seus companheiros por conta do dinheiro recebido do auxílio emergencial, consequência da cultura patriarcal machista que coloca, historicamente, as mulheres em lugares de desigualdade em relação aos homens. A violência, como uma resposta do empobrecimento das comunidades, passou a ser ainda mais comum nos últimos anos.
O contexto político que tem aprofundando as condições de vida das pescadoras artesanais não é uma obra do acaso, mas consequência da realidade em suas dimensões sociais e econômicas. A crise sanitária sem precedentes que estamos vivenciando têm, sem dúvida alguma, efeitos devastadores para milhares de mulheres. São comunidades que se encontram em situação de vulnerabilidade aguda e um cenário de total desproteção social, resultado das opções políticas que têm sido adotadas pelo Estado brasileiro desde o golpe de 2016, acentuando a subserviência do Brasil ao capital e aos interesses estrangeiros, mas, sobretudo, aos interesses escusos da elite política e econômica brasileira, pautado no racismo, machismo e o capitalismo.
Diante da magnitude deste crime socioambiental e do agravamento da situação das comunidades durante a pandemia do coronavírus, VIEMOS A PÚBLICO DENUNCIAR:
-A negligência e omissão por parte dos governos nas esferas federal, estadual e municipais diante da tragédia-crime de vazamento de petróleo, que segue sem culpados ou solução, e também a falta de uma política de Estado efetiva que garanta os direitos das mulheres e homens do mar, que são responsáveis por mais de 90% de todo o pescado consumido no país;
-O projeto de desenvolvimento econômico adotado pelo atual governo federal, que destrói vidas, especialmente quando se trata das populações tradicionais, e de maneira particular, quando são mulheres, pessoas negras e empobrecidas pelo racismo estrutural.
-O desmonte das políticas públicas e assistência à categoria, um processo que vem bem antes do derramamento do petróleo e que se aprofunda com a pandemia do coronavírus;
- Não houve pelos governos estaduais e Federal políticas de assistência adequadas e eficientes para garantir segurança alimentar das pescadoras e suas famílias que tiveram paralisação total da comercialização da produção pesqueira artesanal;
- A inoperância dos governos Estadual e Federal no cuidado com a saúde da população que teve contato com o petróleo e em especial as pescadoras e pescadores, que foram os primeiros a realizar a limpeza das praias e manguezais, e a falta de estrutura nos municípios para oferecer cuidados à saúde as pessoas que tiveram contato com o petróleo;
- Denunciamos a ausência de monitoramento sobre os impactos do crime e que foram suspensos pelos órgãos públicos com a justificativa da pandemia. Esse argumento reforça o duplo impacto que as comunidades sofreram no última ano com o descaso dos governos;
- O que liga o crime do derramamento do petróleo às queimadas no norte e no centro-oeste do país não é o acaso, é a política de morte e de degradação do meio ambiente, marca forte do governo bolsonarista!;
- A estratégia política adotada pela ultradireita no Brasil com a propagação de fake news, que tem chegado de maneira massiva nas camadas populares, inviabilizando
qualquer tentativa de ações de resistência contra as injustiças que estão sendo socialmente impostas pelo governo Bolsonaro;
- O avanço da ideologia bolsonarista, que através do discurso de ódio tem incitado a violência, a superexploração e a criminalização das mulheres, sobretudo às mulheres defensoras de direitos humanos em suas comunidades, que têm sofrido ameaças de grupos milicianos e fundamentalistas.
Assinam este Manifesto:
Articulação Nacional das Pescadoras
Conselho Pastoral dos Pescadores
SOS Corpo Instituto Feminista
FASE
Grupo Curumin