O Festival reforçou a valorização da cultura e da arte, no combate ao racismo e no estímulo ao protagonismo das comunidades de pesca artesanal e quilombo.
Assessoria de Comunicação CPP BA/SE
Mais de 350 adolescentes de comunidades de pesca artesanal e quilombo, situadas em municípios baianos e do estado de Sergipe fizeram do Largo Tereza Batista, no Pelourinho, um verdadeiro palco para celebrar suas manifestações artísticas e culturais. Durante todo o sábado (14), o "Festival de Arte e Cultura da Juventude Pesqueira e Quilombola" reuniu muita dança, capoeira, música e a manutenção da tradição dos povos tradicionais.
O evento finalizou a primeira etapa das “Oficinas Artísticas e Culturais”, iniciadas em março deste ano, por meio do projeto “Crianças, Adolescentes e Jovens - Arte, Cultura e Comunicação: fortalecendo o território”, realizado pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras, regional Bahia e Sergipe (CPP-BA/SE).
A valorização da cultura, a presença da ancestralidade, o fortalecimento dos laços comunitários, a promoção da harmonia social e o incentivo ao protagonismo da juventude são estímulos assumidos pela equipe da Pastoral para promover o festival. Para a Secretária-executiva regional do CPP Bahia/ Sergipe, Maria José Pacheco, o evento reflete a perspectiva desses jovens e adolescentes na continuidade enquanto comunidade. “Essa geração tem mantido viva a cultura, a arte e suas tradições. São jovens e adolescente cheios de vida e que nos alimentam de esperança cada vez mais. Seguimos na luta para manter a garantia de direitos e a valorização dos povos tradicionais”, explicou.
O grupo de teatro e xaxado ‘Na Pisada de Lampião’, veio diretamente da cidade de Poço Redondo, em Sergipe, distante 360km de Salvador, e foi o primeiro a se apresentar. O professor Marcos Vieira trabalha com crianças há mais de 14 anos e tem como princípio cultivar raízes para manter viva a cultura. “Xaxado não é só uma dança, trabalhamos para que no futuro esses jovens tenham formação e se tornem cidadãos íntegros”, disse. Marcos ainda falou sobre a importância da atuação do CPP em Sergipe. “Antigamente não víamos outro futuro para comunidades ribeirinhas e o CPP chegou para mostrar que temos potencial, que temos cultura e que também temos muitos talentos lá,”, avaliou o professor.
Representando a secretaria estadual de Culturs, a coordenadora artística do Centro de Culturas Populares e Identitárias, Thelma Chase, afirma que é papel do estado se aproximar cada vez mais da cultura popular. “A nossa responsabilidade é impulsionar a cultura e esse festival é da maior importância. Primeiro porque ele impulsiona o encontro de várias comunidades que puderam trocar diversas experiências enriquecedoras e que entendem que essa ocupação precisa ser permanente”, destacou.
Para a realização do “Festival de Arte e Cultura da Juventude Pesqueira e Quilombola”, o CPP-B/SE contou com apoio financeiro internacional da Associação da Infância Missionária (Kindermissionswerk); e da ActionAid; da CESE (Coordenadoria Ecumenica de Serviços) além do apoio da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult) através do Centro de Culturas Populares e Identitárias, Pelô da Bahia; da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi); da Superintendência de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos (SJDHS); da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre); e da secretaria estadual de Educação, através da Escola Azevedo Fernandes, onde os estudantes ficaram alojados.
Segundo Tarcísio Antônio, coordenador CPP Submédio São Francisco, que desde os anos 80 vem trabalhando com os pescadores na Bahia, além de jovens e adolescentes de forma mais pontual. "Apoiamos, por exemplo, a construção da Escola das Águas e há oito meses estamos num trabalho sistemático com as crianças, adolescentes e jovens no intuito de aproximá-los das lutas de suas comunidades, a Pastoral é uma importante porta para essa geração. Aqui trabalhamos para proporcionar conhecimento e reforçar a importância da luta, principalmente, dos territórios pesqueiros. São anos trabalhando na formação desses jovens com o objetivo de possibilitar um futuro melhor e esta ação com as crianças, adolescentes e jovens é de fundamental importância”, explica.
O público animado se manteve durante toda o dia no Largo Tereza Batista e muitas mães também acompanharam de pertinho a apresentação dos seus filhos. Valdicélia Souza, moradora de Simões Filho, é mãe da pequena Esther Luiza, que se apresentou no grupo de percussão ‘Batuque Para o Despertar’, da comunidade de Aratu, em Simões Filho. “Minha filha fica emocionada e eu também, em ver essa negona crescendo com a cultura. Eu fico muito orgulhosa da minha filha e também muita grata pela importante força que o CPP tem dado pra incentivá-la”, conta.
Símbolo e “marcador” regional do Recôncavo baiano, o samba de roda foi presença forte no Festival de Arte e Cultura da Juventude Pesqueira e Quilombola. Entre eles, o grupo Raiz do Boqueirão Filho de São Francisco, que nasceu no quilombo São Francisco do Paraguaçu, em Cachoeira, em 2006. Com elementos simbólicos da cultura e ancestralidade quilombola, o grupo é um dos representantes do samba de roda em Cachoeira.
“O nosso objetivo é passar o samba de roda de geração em geração, resgatar a nossa origem e as tradições. Nós nunca deixaremos esse legado morrer. E esse trabalho que a CPP desenvolveu para esse projeto nos últimos 8 meses foi fundamental e muito importante pra gente. Tenho certeza que sairemos muito ricos daqui porque a troca de experiência que tivemos foi muito importante”, enfatiza o coordenador do grupo, Crispim dos Santos, o “Rabicó”.
Nascido e criado no samba, o integrante do Raiz do Boqueirão, Antônio Santana, o seu Mará, de 78 anos, é um dos mais velhos do grupo onde todos os integrantes são pescadores “Na adolescência eu fazia muito samba de caruru, aí depois comecei no grupo e sigo até hoje. Faço com muito amor para manter nosso ritmo sempre vivo. Está no sangue”, conta.
O racismo também foi pauta de grupos em suas danças, músicas e também no teatro. O grupo teatral ‘Vocabulário Racista’, da localidade de Ilha do Tanque, no município de Maraú, trouxe as expressões racistas, muitas vezes naturalizadas pela sociedade, como forma de denúncia. Um dos atores do grupo é o estudante Elias, que conhece bem a importância desse projeto para seu crescimento. “Com o grupo de teatro, eu e meus colegas temos aprendido muito e nos aperfeiçoando cada vez mais. É também a opção que muitos têm para sair de uma possível vulnerabilidade e têm a chance de encontrar uma vida melhor dentro da cultura e da arte”, explicou o jovem.
O estudante de pós-graduação em Dança, Mailton Muller, de 26 anos, do grupo ‘Dança Afro e Cultura do Iguape’, do quilombo Santiago do Iguape, em Cachoeira, ressalta a importância de um encontro como esse para celebração da cultura e também uma oportunidade de levar a cultua local para centenas de pessoas fora da comunidade. “As pessoas precisam saber e ver que as comunidades têm muitos talentos. Gente como a gente”, disse.
O Festival ficou marcado pelas experiências trocadas, mas também pelo incentivo à arte e, principalmente, um marco na valorização da cultura, no combate ao racismo e no estímulo ao protagonismo das comunidades quilombolas e pesqueiras.
Como encerramento, as equipes que participaram do Festival receberam troféus e, logo em seguida, os grupos de percussão saíram do Largo Tereza Batista, em um verdadeiro cortejo até o Colégio estadual Azevedo Fernandes, localizado no Largo do Pelourinho. A unidade foi cedida aos estudantes desde a chegada deles na sexta-feira (13), onde crianças, adolescentes e jovens tiveram a oportunidade de visitar museus e espaços culturais em Salvador durante todo o dia.
Participaram também do Festival o grupo 'Sons do Velho Chico', do povoado de Bonsucesso, situado no município de Poço Redondo, em Sergipe; o grupo de Capoeira de Pratigi-Matapera, do município de Camamu, no Baixo Sul da Bahia; o “Batidas da Maré”, da comunidade de Acupe, em Santo Amaro; o “Dança de São Gonçalo", espetáculo da comunidade de Andorinhas, de Sento Sé, Submédio São Francisco; o “Batucada do Zero”, grupo de percussão do quilombo Pijurú, Maragogipe; o “Samba do Iguape”, de Cachoeira; “Folia de Santos Reis”, comunidade de Salinas, no município de Pilão Arcado; “Batuques da Cambuta”, da comunidade de Cambuta, em Santo Amaro; o grupo de capoeira "Quilombo Azé Paraguaçu", do quilombo São Francisco do Paraguaçu, no município de Cachoeira; e o “Raízes de São Brás”, grupo do quilombo São Braz, de Santo Amaro.
FEIRA AGROECOLÓGICA E DE ARTESANATO
Paralelo ao Festival, durante todo o sábado aconteceu também a Feira Agroecológica e de Artesanato com produtos originários de comunidades tradicionais situadas em municípios da Bahia e de Sergipe. Entre eles, Dona Cândida da Hora, que trouxe do município de Maragojipe produtos oriundos da produção da agricultura familiar.
“O nosso quintal está praticamente todo nesta mesa. Tudo plantado na terra que moramos e que vai para a mesa dos nossos consumidores. A agricultura está presente na minha vida desde pequena, principalmente por conta da influência dos meus pais, que sempre incentivaram a continuidade do nosso trabalho. Faço isso com meus filhos, sobrinhos e netos”, explicou.
A Feira também levou para o público as riquezas das bordadeiras do sertão sergipano, além de promover o trabalho de alta qualidade do artesanato produzido por mulheres que são verdadeiras artistas. Um dos símbolos da resistência e da acestralidade do povo negro, a trança afro também teve seu espaço na Feira. A trancista Marisete, do bairro de Itapuã, em Salvador, há mais de 30 anos possibilita aos homens e mulheres carregarem na cabeça o que é também considerado uma forma de proteção. "Sâo muitos anos nessa luta que é de longa data. Tenho orgulho em dizer que vivo trançando o cabelo dos meus", afirmou.