Assessoria de Comunicação do CPP Nacional
Foi encerrada na quarta-feira (9) a Cúpula da Amazônia, evento que reuniu, em Belém (PA), nos dias 8 e 9, os presidentes e membros dos governos dos oito países que abrigam a Amazônia (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela). A atividade faz parte da preparação para a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), que será realizada também em Belém (PA), em novembro de 2025. Antecedendo a Cúpula da Amazônia, foi realizado durante os dias 4 e 6 de agosto, os Diálogos Amazônicos, momento que serviu como espaço de escuta da sociedade civil organizada para pensar novas estratégias para a região. O Conselho Pastoral dos Pescadores regional Norte esteve presente no evento e denunciou os grandes empreendimentos que colocam em risco a vida da floresta e das comunidades tradicionais que habitam nesse tão importante e ameaçado bioma.
“A importância desse evento é o espaço que nós temos para falarmos das nossas dores, dos nossos anseios, das nossas preocupações com a defesa da Amazônia. A importância é também o fortalecimento das entidades, porque agora a gente vê que todo mundo nessa cúpula está se alertando para cuidar daquilo que é nosso”, defende Socorro Aguiar, agente de pastoral do CPP Norte, que participou do evento. Ela também relata os impactos ambientais que já são percebidos, como a secagem dos frutos do açaí ainda na árvore, devido ao desmatamento. Por isso, a expectativa é que os apelos dos povos da Amazônia sejam verdadeiramente ouvidos. “A importância desse diálogo é fazer esse debate falando para eles que nós queremos o desenvolvimento, mas ele precisa ser do nosso jeito, ter a nossa cara. Nós precisamos ser respeitados e ouvidos”, completa.
Na tentativa de publicizar alguns desses relatos de impactos ambientais, agentes de pastoral do CPP participaram das atividades autogestionadas que debateram habitação rural, Plano Safra da Agricultura Familiar e Mudanças climáticas, assim como estiveram presentes na plenária da Via Campesina Amazônia e na oficina em Defesa dos Territórios Tradicionais Pesqueiros, promovida pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).
Além de participar, o CPP, em parceria com a Cáritas, com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e com Quilombolas do baixo Tocantins, organizou a oficina autogestionada com o tema “Territórios quilombolas e pesqueiros da Amazônia”. “O foco principal foi o debate sobre a hidrovia Araguaia-Tocantins. Muitos rios estão ameaçados de secarem, caso a construção da hidrovia seja efetivada. A região toda poderá ser impactada”, explica a Secretária-executiva do CPP Norte, Iricina Aviz.
Hidrovia Araguaia-Tocantins
A hidrovia Araguaia-Tocantins, à qual Iricina se refere, é um projeto do governo federal que tem a pretensão de aumentar as áreas navegáveis do rio Tocantins para escoar minérios e grãos. Um dos impactos mais graves diz respeito à implosão do Pedral do Lourenço. As formações rochosas, localizadas no município de Itupiranga, entre Marabá e Tucuruí, possuem 43 km de extensão e impedem a navegabilidade do rio. Sua implosão, permitiria a criação da Hidrovia Araguaia-Tocantins, mas pode prejudicar a pesca, já que várias espécies de peixe que ficam localizadas na área do pedral poderão ser impactadas com a obra. “Se (a hidrovia) acontecer, vai ter um impacto muito grande. Um prejuízo muito grande para os pescadores, incluindo a perda de direitos. Porque se não tem peixe, não tem pescador, se não tem pescador, não tem seguro-defeso, nem auxílio-maternidade, nem aposentadoria”, explica Socorro.
“No projeto, eles estão dizendo que o impacto é só até o município de Baião. Mas como os outros municípios não serão impactados se estão no mesmo rio?”, questiona Socorro. Ela aponta que as comunidades localizadas após o município de Baião, como as que estão em Cametá, Limoeiro do Ajuru, entre outros municípios, não constariam no projeto como comunidades que serão impactadas. “No projeto, a gente não consta. Se houver compensação, a gente não vai fazer parte”, critica.
Desde 2009, várias entidades, como FETAGRE, CUT, MAB, pescadores, quilombolas, mulheres, juventudes, entre outros grupos, estão se organizando em debates para lutar contra o empreendimento. “No município de Limoeiro do Ajuru, temos 5 comunidades com cartografia social iniciada, com processo de legalização do acordo de pesca para finalizar ainda esse ano, com início de Protocolo de Consulta, baseado na Convenção 169, que entendemos que são instrumentos de defesa que nós precisamos ter para garantir que, pelo menos consultados, seremos”, defende.
Visões de desenvolvimento conflitantes
Para Socorro, há a necessidade de fortalecimento da sociedade civil, tanto do Brasil, quanto dos outros países que fazem parte da Pan-Amazônia “Precisamos entender que desenvolvimento para os governos não é desenvolvimento para nós. É diferente. A palavra é igual, mas o olhar é diferente”.
Iricina concorda que o Estado e a sociedade civil têm visões conflitantes sobre o que é desenvolvimento. “Tem dois lados. De um lado o governo quer mostrar os avanços, as possibilidades da Amazônia, do Agro, esses avanços das hidrovias, a questão da economia verde e tudo mais, mas existe o outro lado da invisibilidade dos problemas na Amazônia, que é esse que a sociedade organizada civil traz, dos grandes impactos ambientais. Ou seja, existem dois lados. Quem vai mostrar para o mundo ou para a sociedade, é a sociedade organizada civil. Mas esse evento é importantíssimo para dar essa visibilidade tanto no estado como na própria Amazônia”, analisa.
Um exemplo dessa visão conflitante de desenvolvimento, é o projeto do governo brasileiro de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, que tem forte oposição de organizações ambientalistas e das comunidades tradicionais. Recentemente o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, se pronunciou contrário à exploração de petróleo na floresta. O governo brasileiro silenciou diante da proposta do presidente colombiano. Durante os “Diálogos Amazônicos”, comunidades tradicionais e ambientalistas protestaram contra a possibilidade de exploração de petróleo na foz do rio, em manifestação realizada no dia 8 de agosto. Uma carta foi feita pelos movimentos sociais para exigirem que empreendimentos que ameaçam a Amazônia e degradam a floresta em ponto de não retorno, não sejam realizados.
O documento também trata da exploração de petróleo na região. “Considerando que os custos ambientais e sociais da pesquisa e exploração de petróleo na Amazônia são maiores do que os benefícios econômicos gerados, é fundamental acelerar a transição energética, deixar de promover novas pesquisas e explorações na Amazônia e promover um plano de transição energética justa, popular e inclusivo, com reparação para os povos e territórios afetados”, diz a carta dos movimentos sociais. Já na Declaração de Belém, carta de intenções para cooperação regional, assinada pelos presidentes dos países Pan-Amazônicos, não há o comprometimento de não exploração de combustíveis fósseis na Amazônia.
“Mesmo que a gente não saiba exatamente o que vai acontecer com essa perfuração de petróleo, só da gente saber que é petróleo já corremos o risco. Eles fizeram uma fala de que vão apenas cavar para saber se tem petróleo, mas só de fazer isso é causar impacto, né? É causar risco, porque uma gotinha de petróleo no rio, já faz um estrago muito grande”, aponta Socorro.
Ela ainda fala da importância da produção de alimentos em contraposição à produção de petróleo. “A gente não precisa nem de petróleo, nem de soja, nem de minério. O nosso povo viveu durante muitos anos sem nada disso. O nosso povo vivia bem, adoecia menos. Um país para se desenvolver precisa acreditar na agricultura familiar, precisa acreditar no pescador, no agricultor, nas mulheres. Porque somos nós que trabalhamos para todos, inclusive para o presidente comer”, completa.