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CPP Nordeste 2 realiza lançamento regional do relatório sobre conflitos nas comunidades pesqueiras

Encontro em Olinda reuniu pescadores e pescadoras, entidades e pesquisadores(as) para debater violações de direitos, ameaças aos territórios e impactos ambientais em comunidades tradicionais

07-08-2025
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Texto: Henrique Cavalheiro - assessoria de comunicação do CPP | Fotos: Arquivo do CPP regional Nordeste 2

No dia 31 de julho de 2025, em Olinda (PE), o Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), regional Nordeste 2, realizou o lançamento regional do 3º Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil. O evento, sediado no auditório do SINTEPE, reuniu cerca de 60 participantes de Pernambuco e da Paraíba, entre pescadores e pescadoras artesanais, representantes de organizações sociais, universidades, sindicatos, instituições públicas e movimentos populares.

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A programação contou com expressões culturais e debates sobre os principais desafios enfrentados pelas comunidades das águas. A abertura foi marcada por uma apresentação musical do Deejay Novato, com canções da cultura nordestina e pesqueira. Em seguida, uma mesa reuniu nomes como Dom José Luiz Ferreira Sales, bispo de Pesqueira e vice-presidente do CPP, além de representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (SINTEPE) e da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal do Ministério da Pesca e Aquicultura (SNPA/MPA).

O momento central do evento foi a apresentação dos dados do relatório, conduzida por Ornela Fortes, responsável pela organização da publicação. A análise apontou uma intensificação dos conflitos socioambientais nos territórios pesqueiros, com denúncias que vão desde a privatização de praias e manguezais até os impactos causados por dragagens, portos flutuantes, poluição e restrições ao acesso aos territórios. Comunidades relataram a construção de muros, cercas e empreendimentos sem consulta prévia, afetando diretamente suas formas de vida e trabalho.

Denúncias escancaram violações ambientais, exclusão das mulheres e ausência do Estado

A pescadora Gicleia Santos, do Cabo de Santo Agostinho, expôs as graves consequências da expansão do Complexo Portuário de Suape sobre as comunidades tradicionais da região. Ela chamou atenção para o “descaso com o meio ambiente” e alertou sobre os danos já causados: “o complexo do porto de SUAPE já destruiu vários hectares de manguezais, mudanças de percursos de rios, cercou outros tantos”, relatou. Gicleia denunciou ainda o novo projeto previsto para a Ilha de Cocaia, onde se pretende instalar um terminal ferroviário para estocagem de minério de ferro. Segundo ela, “se isso for concluído, a atividade principalmente das mulheres de SUAPE, que hoje já são prejudicadas com a contaminação das águas, o que afeta diretamente a saúde, também perderão o acesso à ilha e ao entorno onde pescam o marisco”, afirmou.

Helena Nascimento, da comunidade de Maracaípe, em Ipojuca, relatou um cenário de profunda violação de direitos e opressão contra pescadores e pescadoras da região do Pontal. “Nós estamos enfrentando na comunidade de Pontal o desumano”, afirmou. Entre as denúncias feitas, destacou “construção de muros dentro da praia e do mangue, câmeras 24 horas vigiando a gente, cercas nos manguezais que impedem o ir e vir dos pescadores”. Ela denunciou ainda um caso extremo de criminalização: “pescadores estão sendo criminalizados, usando tornozeleira eletrônica porque o empresário quer que ele use, e a juíza do município obrigou o pescador a utilizar”. Helena alertou também sobre o novo risco à comunidade: “agora temos o risco de uma dragagem dentro do rio Maracaípe, que muitas mulheres pescadoras vão ficar sem pescar porque não têm embarcações e com a dragagem o rio vai ficar fundo”, ponderou Nascimento.

Já a presidenta da Associação das Marisqueiras de Acaú-Pitimbu (PB), Nadiedja dos Santos, alertou para os graves riscos que um novo empreendimento traz à região. “Não somos contra o desenvolvimento, mas queremos um desenvolvimento que nos envolva como sujeitos de direitos”, afirmou. Ela se referia ao projeto de implantação de um porto flutuante que está em processo de licenciamento junto à SUDEMA, e que prevê a construção de um terminal com 25 tanques capazes de armazenar mais de 250 mil metros cúbicos de combustível, a apenas 2 km da sede do município de Pitimbu. Segundo Nadiedja, “uma balsa atracadora no mar, que funcionará como um porto para carga e descarga de navios petroleiros, ligada por uma rede de dutos submersos, irá excluir e impactar muitas áreas de pesca no alto-mar, como a pesca de lagoas e saramunete”.

Geruza Alexandre e Edjane Evangelista destacaram que, além dos diversos conflitos enfrentados pelas comunidades, há também uma sensação de abandono por parte do Estado. “Vimos que muitas vezes o governo, como foi retratado no relatório, não está do nosso lado”, afirmaram. Representando a RESEX Acaú-Goiana, elas relataram que as comunidades estão construindo seus próprios protocolos de consulta livre, prévia e informada, com base na Convenção 169 da OIT e no Decreto 6.040/2007. O objetivo é garantir que as comunidades sejam ouvidas e tenham direito a opinar antes da instalação de grandes empreendimentos em seus territórios. “Nessa luta, estamos contando com o apoio do CPP/NE2, do GRETAS/UFPB e estamos em diálogo com o MPF/PB e com gestores do ICMBio”, completaram.

Relatório é instrumento de denúncia, reflexão e esperança para os povos das águas

A agente da Comissão Sociotransformadora da CNBB, Vivia Santana, destacou a relevância do lançamento do relatório como ferramenta de resistência e conscientização. Para ela, o relatório de conflitos representa um “momento importante para a luta dos pescadores e pescadoras do Regional Nordeste 2, pois o caderno não só vem para fazer denúncias, mas também nos ajudar a refletir sobre como estamos cuidando de nossa casa comum”. Em sua avaliação, o documento oferece um caminho para romper o silêncio imposto às comunidades tradicionais: “Esse caderno é a forma de darmos voz ao povo que vem sendo sufocado pelos grandes empreendimentos, pela ganância do capitalismo desenfreado, mas com esse caderno podemos esperançar por um futuro de reconhecimento e dignidade para todo o povo que vive da pesca artesanal”, concluiu.

Conversão ecológica e compromisso com a vida

Dom José Luiz Ferreira Sales, bispo de Pesqueira e vice-presidente do CPP, destacou a importância do engajamento ativo na luta em defesa da Casa Comum. Para ele, o relatório é uma ferramenta para despertar consciências e fortalecer a missão das comunidades. “Despertarmos do sono, sairmos da indiferença, abrirmos as grades da prisão em que por vezes nos fechamos. O caderno nos leva a avaliarmos nossa paixão pela vida e comprometimento no cuidado amoroso daqueles que vivem ao nosso lado e do ambiente que habitamos”, disse Sales.

O bispo também sublinhou que a crise ambiental e social devem ser compreendidas como faces de um mesmo desafio. “Precisamos reconhecer que a crise ambiental e a crise social de nosso tempo não são duas crises separadas, mas uma única crise como dizia o saudoso Papa Francisco”. E acrescentou: “Superar a cultura do descartável, a cultura do desperdício, gerada pelo consumismo e pela indiferença globalizada, que inibe os esforços para enfrentar os problemas humanos e sociais na perspectiva do bem comum”, afirmou.

A missão do CPP e a voz das comunidades

Dom José Luiz ressaltou ainda que o relatório contribui para fortalecer a luta das comunidades pesqueiras ao dar visibilidade a seus relatos e denúncias. “Os relatos nos ajudam a escutar as vozes das comunidades, nesse sentido, o caderno se torna Palavra de Deus, Deus vê, ouve o clamor de seu povo, desce”, salientou. Por fim, convocou os presentes a manterem viva a esperança e a resistência: “Esperancemos! Que o Jubileu da Esperança gere impactos positivos na redução das desigualdades no mundo e uma oportunidade para ressaltar a urgência de assegurar justiça social onde ela é ignorada. Um momento oportuno para sanar os desequilíbrios”, concluiu o bispo.

Ao final, foi lançado um convite à participação na campanha do Plebiscito Popular pelo Fim da Escravidão, por meio da instalação simbólica de uma urna no local. O encerramento contou com um almoço coletivo típico da região, celebrando os sabores da culinária tradicional e o encontro das comunidades.

O lançamento do relatório no Nordeste 2 reafirma o compromisso do CPP em dar visibilidade às lutas dos povos das águas, fortalecendo a resistência frente aos impactos ambientais e à negação de direitos.