Assessoria de Comunicação da Articulação das Pastorais do Campo | Por Cláudia Pereira
É momento para semear a boa semente. Preparar a terra, semear, cuidar para depois colher os frutos que dão sustentos à vida. Inspirados na parábola do semeador a comissão da Articulação Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, se reuniram entre os dias 06 e 07 de fevereiro em Luziânia (GO), no Centro de Formação Vicente Cañas, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). A reunião com os representantes da comissão foi momento para refletir as ações da articulação diante da nova composição do governo federal e planejar as atividades para o ano de 2023.
No primeiro dia, o grupo fez análise local de cada território e concluíram que as pautas são comuns para todos os povos: o avanço do capital com apoio do Estado nos últimos anos destrói o meio ambiente e invade os territórios de forma constante e violenta. O número da violência física aumentou de forma exponencial nos territórios, principalmente contra os povos indígenas e quilombolas. Uma realidade exposta pela comissão é a presença do crime organizado na área rural que atinge os jovens. A partir das análises locais o grupo refletiu sobre o papel da articulação nacional para encaminhar as ações em cada realidade territorial. Umas das ações que o grupo reforça é reanimar é realização de intercâmbios entre os territórios para gerar ferramentas de lutas pelos direitos dos povos.
“O intercâmbio nos fornece elementos e lugar de fala para ocupar espaços e denunciar as violações que sofremos constantemente” reforçou um dos participantes que vivencia as ameaças das lideranças em seu território.
Mesmo com tantas violações, a comissão aponta que a presença das pastorais do campo nas ações de muitos territórios tem avançado, especialmente na região norte, a exemplo da formação do protocolo de consulta que orienta Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs). O protocolo de consulta é um instrumento de orientação pela defesa dos direitos das comunidades com base na Convenção 169 do tratado da Conferência Internacional do Trabalho (OIT).
Diante das prioridades a nível regional a comissão elencou as ações para unificar pautas e fazer incidência nos órgãos de representação nacional do qual as pautas dos Povos e Comunidades Tradicionais estão inseridas. No cenário nacional as pautas têm afetado diretamente mulheres e jovens, sobretudo das regiões norte e nordeste com os grandes projetos “sustentáveis”, a exemplo dos campos de energia eólica que ameaçam as comunidades pesqueiras, crédito de carbono que ameaçam as comunidades quilombolas e a mineração que atinge em especial o estado de Minas Gerais. Outra pauta apontada pela comissão é com relação a precarização na educação que sofreu duros processos de acesso para crianças e adolescentes desde a pandemia.
“Este nosso primeiro encontro de 2023 tem como objetivo fortalecer a nossa Articulação do PCTs, vamos trazer mais comunidades e povos para buscar a garantia de nossos direitos. Mesmo que tenhamos agora um governo de âmbito mais democrático, temos um congresso que não nos representa integralmente, portanto temos que fazer pressão para resgatar os direitos derrubados e garantir os novos”. Afirmou Emília Costa, articuladora do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom)
Diante ao cenário atual, a comissão decidiu pela primeira ação do ano, reanimar as treze representações dos PCTs para revisar a agenda em conjunto e organizar atividades nos territórios de acordo com as prioridades. Entre os encaminhamentos para as ações foi pensado em realizar encontros para fortalecer a luta em comunidades locais, intercâmbio de experiências de protocolos de consulta, incidências políticas em órgão de representação nacional e no congresso, encontros para formações políticas, formações específicas nos territórios, reuniões frequentes das comissões e estudar a participação para ocupar espaços de falas a nível nacional.
“É muito importante pensarmos em conjunto para uma ação. Eu como representante da comunidade geraizeiros do estado do Maranhão, tenho este espaço para pedir ajuda nesta articulação em defesa dos rios da minha comunidade que estão sendo destruídos, envenenados. Sem água de qualidade não temos nada, nossos peixes, nossas hortas e nossa soberania alimentar está ameaçada.” Disse Maria José Lima que representa a comunidade de geraizeiros do sul do Maranhão.
A comissão também discutiu a temática da fome que é realidade para os povos do campo, das florestas e das águas. Embora a sociedade tenha dificuldades em entender este contexto, os apontamentos alertam para o número de mais de 33 milhões de pessoas que não possuem acesso à alimentação no país. Uma realidade por consequências de problemas políticos, estruturais e climáticos. O tema da CF 2023 é “Fraternidade e fome” e a comissão pretende levantar esse debate a nível nacional porque a fome é realidade nos territórios de povos tradicionais, sobretudo os territórios em conflito.
No segundo dia de encontro com as prioridades identificadas, o grupo desenhou um planejamento com bons encaminhamentos para o primeiro semestre do ano. Uma das atividades prioritárias é a realização de intercâmbio junto às pastorais do campo e PCTs na região norte para fortalecer as pautas de luta, em especial no estado de Rondônia. A formação de protocolo de consulta também é um dos pontos especiais que a comissão planeja um momento de formação previsto para os meses de abril, maio e junho e possibilidade de realizar uma ação de incidência com pautas unificadas entre os meses de abril a julho em datas ainda por definir.
“Eu percebi neste encontro que este movimento é uma rede que lutamos para vencermos a desigualdade. Estes dois dias foram muito produtivos e avançamos na mobilização da articulação dos PCTs. Estamos vivendo um momento do Esperançar, mas precisamos ficar atentos e acompanhar a retomada e criação de novos ministérios neste atual governo. Nós recuperamos a democracia brasileira, mas isso não significa tudo. Temos muito que avançar e por isso o nosso planejamento começa a partir de nossas realidades locais para incidir a nível nacional. Saímos deste encontro muito mais fortalecidos e com certeza vamos vencer, porque a nossa luta é pela vida”. Afirmou Vanusa Cardoso, articuladora da comunidade quilombola Abacatal do estado do Pará.
“O encontro foi muito positivo com levantamentos de pontos importantes e com encaminhamentos. Sairemos animados principalmente neste momento em que estamos preocupados, mas muito esperançosos. Sem dúvida faremos uma caminhada forte com transformações que a própria articulação aponta que as mudanças irão acontecer, mas a partir das bases”. Complementou Ormezita Barbosa, diretora executiva do Conselho Pastoral da Pesca (CPP).
Os participantes encerraram o encontro fazendo o envio através da Oração de São Francisco que foi cantada por todos ao redor da mandala construída com bandeiras dos povos, sementes crioulas, artesanatos de capim dourado, jornais, cadernos e folders informativos. Ao som do violão de João Paulo, integrante da Cáritas Brasileira de Minas Gerais, a comissão seguiu animada e com coragem na caminhada de luta dos Povos e Comunidades Tradicionais.