Representantes institucionais, governamentais e da sociedade civil debatem a falta de reparação, os impactos ambientais e as urgentes demandas das comunidades pesqueiras ainda afetadas pelo derramamento de 2019
Texto: Henrique Cavalheiro - Comunicação CPP |
Na última sexta-feira (8), a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) promoveu, no Auditório Jornalista Jorge Calmon, a audiência pública “Cinco Anos do Derramamento de Petróleo no Brasil”. O evento reuniu uma ampla diversidade de participantes, incluindo pescadores e pescadoras, marisqueiras, pesquisadores, ambientalistas, representantes de instituições governamentais e dirigentes de organizações da sociedade civil. O objetivo central foi discutir os resultados dos estudos realizados na Bahia e Sergipe, além de abordar as reparações para as comunidades tradicionais e costeiras que ainda sofrem os impactos deste crime ambiental que ocorreu em 2019.
O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista da ALBA, deputado estadual Marcelino Galo (PT), destacou a relevância do encontro ao afirmar: “Esta audiência é fundamental para dar visibilidade às comunidades atingidas e para cobrar ações de reparação e políticas que garantam a preservação ambiental”, disse.
Durante a Audiência, a professora Rita Rêgo, coordenadora do I Simpósio Internacional sobre o Desastre por Derramamento de Petróleo e pesquisadora em saúde ambiental na UFBA, destacou a importância de unir esforços entre a sociedade civil e a academia. "Desde o início do desastre, as comunidades pesqueiras se mobilizaram junto às universidades e instituições de saúde para identificar os impactos ambientais e na saúde humana. Essas pesquisas foram possíveis graças à pressão e à participação ativa dos pescadores", afirmou.
A pesquisadora apresentou os resultados preliminares de um grande estudo epidemiológico que envolveu mais de 1.000 participantes, revelando o impacto devastador na saúde e na renda das comunidades pesqueiras. “Nosso estudo mostrou que 93% dos pescadores afetados não receberam qualquer recurso financeiro, mesmo tendo sua fonte de renda interrompida, e que 95% relataram danos significativos na área de pesca”, explicou. A pesquisadora enfatizou a urgência de políticas públicas que assegurem não apenas a reparação, mas também a prevenção de futuros desastres. "Precisamos de estratégias robustas que garantam a proteção dos territórios pesqueiros e a saúde das pessoas que dependem do mar para viver", concluiu.
“Extremamente traumático”
O pescador, Carlos Santos (Carlinhos), da Resex de Canavieiras e diretor da AMEX, relembrou os momentos de angústia vividos durante o crime do petróleo. “Cada apresentação aqui foi passando um filme na cabeça... lembrar daquele processo é extremamente traumático e traz uma sensação de impunidade, de revolta, cinco anos depois do crime”, disse Carlinhos, destacando o sofrimento das comunidades que, mesmo sem apoio do Estado, se mobilizaram para proteger seus territórios.
Carlinhos também relatou a luta incansável das comunidades contra a exploração de petróleo na região desde o início dos anos 2000. Ele lembrou as campanhas, como a Nenhum Poço a Mais, que alertavam para os riscos ignorados pelas autoridades e resultaram na mobilização de pescadores e pescadoras e organizações não governamentais. “Nós colocamos nossos corpos em defesa desse território porque sabemos que, sem ele, não existimos como pescadores artesanais. Nossa relação com a natureza é indissociável”, afirmou. Ao final, ele refletiu sobre a falta de respostas e de reparação, reiterando a necessidade de preparar as comunidades para os desafios climáticos e ambientais que ainda estão por vir: “Esses cinco anos são de revolta, mas seguimos na luta, defendendo nossos maretórios pesqueiros. Não vamos abrir mão disso”, concluiu.
“Corpos como barreiras para limpar o óleo”
Gileno da Conceição, pescador e representante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) e integrante da Campanha Mar de Luta, vestia a camiseta da campanha, símbolo da luta por reparação socioambiental. Em sua fala, Gileno relembrou com emoção o sofrimento das comunidades durante o crime do petróleo em 2019. “Quando se fala de petróleo, a gente das comunidades tradicionais foi quem mais sofreu. Usamos nossos corpos como barreiras para limpar o óleo, enquanto o Estado foi omisso em nos proteger”, declarou, enfatizando o papel central das mulheres pescadoras e marisqueiras na defesa dos territórios pesqueiros.
Durante sua fala, Gileno leu o “Manifesto Mar de Luta 5 anos: O crime do petróleo e as vozes dos pescadores e pescadoras artesanais", que denuncia a exploração desenfreada dos territórios tradicionais e exige reparação e justiça. “O crime do petróleo não foi apenas um desastre ambiental, mas um reflexo de um processo histórico de colonialismo interno que nos nega direitos e dignidade”, destacou na leitura do documento. Ele também apontou a negligência das políticas públicas, criticando a PEC 03/2022 e reforçando a luta contra projetos que ameaçam a pesca artesanal. “Somos os guardiões dos mares, dos rios e das florestas, e exigimos que nossas vozes sejam ouvidas e respeitadas”, concluiu, reforçando o compromisso contínuo da Campanha Mar de Luta em proteger os territórios pesqueiros e lutar por uma verdadeira justiça socioambiental.
“Tudo isso é racismo ambiental”
Para Maria José Pacheco (Zezé), agente de pastoral do CPP, secretária-executiva do regional BA/SE, o crime do petróleo de 2019, assim como a falta de reparação e atenção das autoridades ao longo destes 5 anos, é uma manifestação evidente de racismo ambiental. Zezé destacou que o crime do petróleo expôs as comunidades tradicionais a uma violência histórica e deliberada. "A gente está no mês da consciência negra, e é importante lembrar que tudo isso é racismo ambiental. O racismo é intencional, e o racismo ambiental se expressa na escolha deliberada de comunidades negras e indígenas para sofrerem degradação e contaminação", afirmou, reforçando a conexão entre o descaso ambiental e a exclusão histórica.
Zezé criticou veementemente a omissão do poder público, especialmente do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), que, segundo ela, age como "inimigo das comunidades tradicionais" ao desconsiderar suas necessidades e modos de vida. "O racismo ambiental se manifesta quando nossas comunidades são sistematicamente deixadas de lado nas decisões e expostas à degradação sem qualquer suporte. As políticas ambientais discriminatórias deliberadamente priorizam interesses econômicos sobre nossas vidas", afirmou.
Pacheco lembrou que, durante o crime, as comunidades pesqueiras não receberam sequer equipamentos de proteção adequados e foram obrigadas a improvisar para conter o petróleo com seus próprios corpos, evidenciando o descaso e a violência institucional. “Precisamos de reparação, e precisamos dela agora. Não é só uma questão ambiental; é uma questão de dignidade, direitos humanos e justiça”, concluiu, reforçando a necessidade de medidas efetivas para garantir a segurança e o futuro das comunidades pesqueiras.
A audiência pública contou também com a participação de outros pesquisadores e pesquisadoras, como Ícaro Moreira, mestre e doutor em Geoquímica e coordenador de Pós-graduação em Geoquímica (UFBA); Ana Cecília Barbosa, oceanógrafa e coordenadora do Laboratório de Geoquímica Marinha (UNIFESP); George Silva, professor e pesquisador em Ictiologia e Ecologia Aplicada (UEFS/UFBA); e Sebastian Kasic, engenheiro em Administração Marítima e colaborador da ONU para Avaliação dos Oceanos do Mundo. Representantes governamentais também marcaram presença, como Daniel Victória, presidente da Bahia Pesca; e Letícia Nobre, diretora de Vigilância e Atenção à Saúde do Trabalhador (Sesab). Para quem deseja conferir todos os debates e discussões, a audiência está disponível na íntegra no canal do YouTube da TV ALBA.