Articulação Popular São Francisco Vivo
A Articulação Popular São Francisco Vivo protocolou, no dia de ontem (26/09), uma carta de denúncias na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A carta foi elaborada durante oficina realizada no VI Colóquio Internacional de Povos e Comunidades Tradicionais, realizado em Montes Claros (MG), e aponta para os principais efeitos da contaminação pela atividade minerária no Rio São Francisco, após o rompimento da barragem da empresa Vale em Brumadinho. Adoecimento, perda de identidade e o empobrecimento de profissionais que dependiam do rio são alguns dos efeitos elencados.
Confiram a carta na íntegra!
VI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
Montes Claros, 26 de setembro de 2019.
“Meu Rio de São Francisco nesta grande turvação,
vim te dar um gole d’água e pedir tua benção!”
No dia 24 de setembro de 2019 durante o VI Colóquio Internacional de Povos e Comunidades Tradicionais reuniram-se professores, pesquisadores, pescadores e pescadoras, quilombolas, indígenas, vazanteiros, geraizeiros, carroceiros, movimentos sociais, pastorais sociais, parceiros e apoiadores das comunidades tradicionais, estudantes, dentre outros, durante uma oficina para tratar dos impactos dos crimes das mineradoras sobre as águas, terras e povos do rio São Francisco, organizada pela Articulação Popular São Francisco Vivo.
O momento contou com apresentações de pesquisas e informações que demostraram que o rejeito oriundo do rompimento da barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho, que exterminou a qualidade das águas do Rio Paraopeba, atingiu o rio São Francisco. Um crime que se caracteriza como recorrente e que vai continuar contaminando as águas da bacia durante anos. Diante disso, os participantes discutiram e fizeram um levantamento dos efeitos da contaminação pela atividade minerária no Rio São Francisco após o rompimento da barragem da empresa Vale em Brumadinho, quais sejam:
1. Adoecimentos: dor de barriga, dor de cabeça, dor no corpo, problemas na pele, ginecológicos, respiratórios e psicológicos, câncer, depressão, suicídios.
2. Perda da biodiversidade: mortandade de peixes, pássaros, abelhas, plantas, mudança no comportamento dos animais e na morfologia de peixes.
3. Empobrecimento: profissionais que não conseguem mais vender os peixes, verduras e frutas, portanto não conseguem gerar renda.
4. Perda de identidade: Perda da cultura e dos direitos. Remoção forçada (estão secando as nascentes de forma proposital para que as comunidades se mudem do local). Além disso, o poder público insiste em impor a mineração como única fonte de renda, o que destrói a cultura local. A pressão psicológica com o risco do avanço da atividade minerária. E a desconfiança quanto a água fornecida pelo abastecimento público.
5. Contaminações: Proliferação de algas, a água está com mau cheiro e esbranquiçada.
Aproveitamos para denunciar a forma como a empresa Vale tem se aproveitado da situação de crise para entrar nos territórios marginais dos rios Paraopeba e São Francisco, coletando informações dos moradores locais, intimidando e cooptando lideranças, vulnerabilizando ainda mais as comunidades atingidas.
Além disso, o controle da vazão de água na Barragem de Três Marias desconectado com o ciclo natural das águas durante o ano de 2019 impossibilitou a produção de alimentos com os quais as comunidades vazanteiras suprem suas necessidades de produção de alimentos e reprodução da cultura tradicional. Com a chegada do período chuvoso os índices de contaminação tentem a aumentar, contaminando ainda mais os territórios tradicionais vazanteiros e pesqueiros.
Reunidos viemos a esta Audiência Pública solicitar à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais que não poupe esforços até que o Rio São Francisco seja considerado atingido pelo crime continuado de responsabilidade da empresa Vale em Brumadinho iniciado dia 25 de janeiro de 2019, a fim de que a empresa arque com as consequências da contaminação como a revitalização e descontaminação, além de arcar com as despesas médicas dos atingidos e suprir as necessidades básicas imediatas, como o fornecimento de água potável e alimentos aos ribeirinhos do Rio Paraopeba, assim como em Brumadinho. Também solicitamos providências para que se reconheça que as causas dos problemas de saúde citados sejam considerados de fato provenientes da contaminação do rio São Francisco, a fim de buscar os tratamentos adequados e formação médica específica. Nesse sentido, solicitamos que busquem soluções para que o rio não seja mais contaminado, mas sim revitalizado.
Declaramos que estamos cientes dos diretos das identidades múltiplas tradicionais é ribeirinhas que compõem os povos da bacia franciscana e não nos calamos nem nos conformamos.
Lutaremos de todas as formas para que os territórios dos povos tradicionais estejam livres de mineração vislumbrando uma sociedade futura mais justa e digna, na qual o cuidado com a casa comum e com o povo seja responsabilidade de todos os setores da sociedade.
“Não deixa o rio morrer,
não deixa o rio morrer,
senão morre o ribeirinho
de fome de sede de sei lá o quê!”