Assessoria de Comunicação do CPP
A Arquidiocese de Montes Claros lançou carta aberta em que pede o compromisso dos candidatos do estado de Minas Gerais com propostas em sete áreas. São elas: escassez de água, trabalho, saúde, educação, segurança, mobilidade/estradas e moradia. A Arquiocese de Montes Claros compreende 40 municípios do Norte de Minas. Segundo a carta, o objetivo é contribuir nesse processo eleitoral e propor uma nova agenda de discussão.
Confira a carta na íntegra logo abaixo!
Arquidiocese de Montes Claros
CARTA ABERTA AOS CANDIDATOS
Pleito Eleitoral de 2018
A Arquidiocese de Montes Claros compreende 40 municípios do Norte de Minas. É nesse ambiente, animados pela fé e pela esperança de um mundo novo, que voltamos nosso olhar para as eleições de 2018, motivados pela urgente necessidade da participação de todos os brasileiros e brasileiras nos pleitos eleitorais e na definição das políticas públicas. Diante de tal responsabilidade, não poderíamos nos furtar ao compromisso de contribuir nesse processo e propormos alguns pontos para uma nova agenda de discussão. São temas que afligem nossa sociedade e o nosso modo de vida neste chão norte-mineiro. Pensando em nossa região, depois de percorrer inúmeras comunidades, de escutar as lideranças, as famílias e os trabalhadores, vimos até os Senhores, candidatos de Minas Gerais, para apresentar-lhes nossas principais preocupações e pontuar algumas perspectivas que não podem deixar de ser consideradas pelos que sairão vitoriosos nas urnas. O Norte de Minas não pode ficar esquecido e isolado das outras regiões do Estado.
1. ESCASSEZ DE ÁGUA. A crise hídrica e a crise ambiental são resultados da degradação da Casa Comum. A escassez de água que vivemos no Norte de Minas está relacionada com a intensificação da exploração da água superficial e subterrânea, que já atinge os limites dos ecossistemas. As principais intervenções que destroem, consomem e contaminam grande quantidade de água são: 1) os grandes projetos consumidores de água superficial e subterrânea, como as grandes irrigações e a mineração; 2) o desmatamento dos biomas, da Caatinga (Mata Seca) e do Cerrado – como no caso das grandes monoculturas do eucalipto, que hoje comprometem as recargas de água, gerando escassez e conflitos. Vale lembrar que o mesmo período de estiagem prolongada no qual estamos vivendo, coincide com o aumento de 44% de outorgas para explorar as águas. A falsa noção de abundância de água, que gera o uso indiscriminado sem contrapartida de medidas preservacionistas, deve ser substituída por uma nova cultura em relação à gestão e ao uso democrático da água. Quem mais sofre com a escassez é a população pobre. A água é um direito humano essencial, fundamental e universal. O meio ambiente e a justiça devem andar juntos. Devemos ouvir o clamor das terras e o clamor dos pobres. As comunidades tradicionais (Quilombolas, Vazanteiras, Pescadores, Geraizeiras e outras) e os camponeses em geral são protagonistas na defesa das águas, os primeiros guardiões dos biomas. As políticas agrária e agrícola devem andar juntas com a ambiental. Como reflexo desse entendimento, do cuidado com a natureza, e a defesa dos pobres, alicerçados no respeito e na fraternidade, defendemos: (a) Potencializar as iniciativas de produção agroecológicas, ampliação do sistema de abastecimento e revitalização de bacias hidrográficas a partir das comunidades e povos tradicionais; (b) Regularizar as terras devolutas para as Populações Tradicionais através da Reforma Agrária; (c) Valorizar os processos de convivência com o Semiárido, Cerrado e agroextrativismo; (d) Promover a economia popular e solidária e, democratizar o acesso à água potável e aos processos de licenciamento ambiental. Como recorda o Papa Francisco na sua Encíclica Laudato si, “a dádiva da terra com os seus frutos pertence a todo povo” (71).
2. TRABALHO. O povo do sertão Norte Mineiro anseia por vida digna nas realidades da economia e do trabalho. Tantos irmãos e irmãs necessitam de ajuda, de promoção de suas capacidades de transformação da matéria em bens de consumo, entre outras possibilidades, pois a taxa de desocupação no Estado de Minas Gerais é estimada em 12,6% o que representa mais de 1 milhão de homens e mulheres acima de 18 anos desempregados (IBGE). Na promoção de oportunidades de trabalho ou frentes de geração de emprego e renda que provavelmente estão em seus projetos de gestão, pedimos um olhar inclusivo para homens e mulheres, bem como para a pessoa deficiente, que em razão de suas possibilidades pode e deve contribuir para o crescimento econômico do estado, crescimento pautado no respeito à dignidade da pessoa. Pedimos que economia e ética caminhem juntas. O alto índice de desemprego, a presença de sistemas de instrução obsoletos e de dificuldades duradouras no acesso à formação e integração no mercado de trabalho, constituem para muitos, em especial os jovens, fator de exclusão social, o que leva muitos ao mundo do crime e compromete a segurança pública, a saúde pública e causa a superlotação dos cárceres. A nova ordem social exige que os que governam e os que legislam o façam pela ética e pelo direito, fundamentados na justiça e na paz, garantindo os direitos fundamentais de toda pessoa.
3. SAÚDE. O município de Montes Claros recebe, todos os dias, de toda a macrorregião do Norte de Minas, com seus 89 municípios, centenas de pacientes com as mais diversas enfermidades. Nossos hospitais não comportam tamanha demanda, seja por falta de espaço físico, de leitos em enfermarias, prontos-socorros e CTIs, seja pela insuficiência dos recursos destinados à manutenção dos serviços prestados, gerando assim enormes filas de pacientes em macas, cadeiras de rodas e cadeiras comuns nos corredores dos hospitais, ferindo a dignidade das pessoas. Infelizmente, existem gestores que não se preocupam em investir na qualidade do serviço de saúde prestado em seus respectivos municípios, uma vez que é mais cômodo e barato adquirir ambulâncias. Algo alarmante, ainda, é o retorno do crescimento da Doença de Chagas em algumas regiões mais pobres, tendo como uma das razões o descontrole dos desmatamentos. Há que se dar importância também a algumas doenças anteriormente erradicadas no Brasil e que estão voltando com uma incidência preocupante, como é o caso do sarampo. Defendemos a importância de: (a) garantir a continuidade das políticas públicas, a sustentabilidade ambiental, a educação e a emancipação do nosso povo, entendendo o conceito de saúde como “qualidade de vida”; (b) Garantir a existência e o funcionamento, em condições adequadas, de pelo menos um Hospital Geral, em cada macrorregião, totalmente financiados pelo SUS e retomar o projeto de construção do Hospital do Trauma em Montes Claros; (c) Priorizar o fortalecimento dos serviços de urgência e emergência, com a existência de leitos específicos para o setor, garantindo-lhes o adequado financiamento estadual e federal; (d) Implantar instrumento de divulgação à população dos gastos em saúde de cada uma das esferas do poder público, promovendo a transparência e a responsabilização no uso dos recursos, como subsídio ao controle social eficaz; (e) Exigir o cumprimento da Lei Complementar Federal nº 141/2012, que regulamentou o § 3º do artigo 198 da Constituição Federal, no que tange ao saneamento básico, proibindo o repasse dos recursos SUS às concessionárias de água e esgoto municipais e estaduais ou outras; (f) Garantir a continuidade da implantação e do desenvolvimento dos serviços substitutivos em Saúde Mental, em consonância com as propostas da reforma psiquiátrica e com as políticas públicas de combate ao uso prejudicial de álcool e outras drogas, inclusive com a exigência da implantação dos leitos psiquiátricos nos Hospitais Gerais; (g) Estabelecer estratégias para as ações e serviços de saúde na Zona Rural, desenvolvendo mecanismos que ajudem no enfrentamento das limitações impostas pela distribuição geográfica destas populações, nos aspectos relacionados à infraestrutura e acessibilidade.
4. EDUCAÇÃO. A atenção à educação é urgente em todos os seus níveis. Um dos grandes entraves apresentados pelas avaliações em larga escala é relativo ao nível de alfabetização que ainda carece de cuidados e investimentos no Norte de Minas Gerais. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB é o menor comparado com outras regiões do Estado. Vários são os fatores que contribuem para agravar as estatísticas: falta de infraestrutura das escolas, falta de formação continuada dos professores e falta de continuidade de bons programas educacionais e de políticas públicas direcionadas ao sucesso do desempenho escolar. Automaticamente, tais problemas na Educação Básica têm continuidade no Ensino Superior. Avançamos em políticas públicas de inserção e matrículas nesse nível de ensino, mas a permanência dos acadêmicos, norte mineiros ainda é um problema. É necessário que as Políticas de Apoio Estudantil sejam levadas a sério e estejam inseridas dentro das propostas e planos de governo, para que a taxa de sucesso deles seja ainda maior e os índices de evasão dos cursos sejam menores. Esses índices são uma das maiores preocupações do Ensino Superior brasileiro e no Norte de Minas não é diferente. A desorganização interna das IES, como a falta de recepção e orientação no início do curso, o distanciamento na relação professor-estudante e a ausência de Políticas Públicas de Apoio ao Estudante são algumas razões da alta evasão acadêmica no Ensino Superior. Faltam bolsas moradia e alimentação, apoio psicológico, auxílio a eventos e a cursos extracurriculares externos e, também, o planejamento pedagógico interno de acompanhamento por monitorias e tutorias em todos os cursos. A Unimontes, desde o primeiro semestre de 2016 aderiu ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), com o objetivo de democratizar a entrada e melhorar a permanência do estudante, passando a fazer parte, via edital, do Programa Nacional de Assistência Estudantil para as Instituições de Educação Superior Públicas Estaduais – PNAEST, a fim de possibilitar maiores investimentos nos estudantes. No entanto, o último edital desse programa foi em 2014 e, até o presente, a Unimontes não conseguiu receber sua participação, o que representa, pelas vagas disponibilizadas, um investimento que varia entre 800 mil a 1 milhão e 200 mil reais por semestre para a efetivação das políticas que tenham o estudante como foco.
5. SEGURANÇA. O direito fundamental de ir e vir com segurança está disposto na Constituição Federal de 1988, sendo dever do Estado garanti-lo. A segurança pública é um tema que, diariamente, está na pauta dos noticiários. A insegurança e o medo estão presentes na vida de grande parte da população do Norte de Minas Gerais. O sistema prisional está em conflito, pautado por uma “política de insegurança pública”, que coloca pessoas que cometeram crimes de menor potencial ofensivo, na mesma cela de pessoas que cometeram crimes graves, tendo como efeito uma espécie de “escola do crime”, deixando toda a sociedade vulnerável. A ausência de estruturas adequadas (pessoal, veículos, prédios), no Norte de Minas aumenta as mazelas do Sistema Prisional. É dever do Poder Público garantir assistência jurídica, médica, odontológica, psicológica e religiosa aos reclusos. Dos presos se tira tudo, até o direito de ter uma cama para dormir, um banheiro, um espaço com ventilação adequada, uma visita sem passar pela revista vexatória. Lado outro, no primeiro semestre de 2018, houve um aumento de 8% no número de denúncias de violência contra a mulher no Norte de Minas, em relação ao mesmo período do ano passado. Muitas mulheres foram assassinadas neste ano, vítimas da cultura do machismo, números que assustam e crescem. Outra situação que deve ser combatida é o estupro de crianças e adolescentes em nossa região. Ainda apontamos a juventude, especialmente jovens negros, com baixa escolaridade e de periferia, vítimas do narcotráfico. São muitos os jovens assassinados ou que estão dentro dos presídios. É necessário investimento não só em policiamento, mas também em esporte, lazer, educação, saúde e acesso ao trabalho. De uma forma geral, deve-se entender que tudo está conectado e, portanto, não se diminui a violência nas cidades sem que haja investimentos na melhoria da qualidade de vida das pessoas.
6. MOBILIDADE/ESTRADAS. No Norte de Minas a necessidade e o direito de ir e vir se apresentam como sérios desafios à vida. As estradas descuidadas representam um calvário para quem precisa deixar sua casa e seus familiares e se lançar em busca do sustento familiar em outros lugares. Pistas em estados calamitosos, mal sinalizadas e ausência de acostamento são algumas das causas de muitos acidentes. Nossas estradas, devido à falta de cuidados e de investimentos, tornam-se palco de inumeráveis tragédias e cenários de dor e sofrimento para muitos. A necessária e urgente duplicação da BR 251 torna-se uma das mais importantes ações no campo dos transportes. A sinuosidade da estrada e o alto fluxo de veículos, somados aos problemas citados acima ceifam, quase que diariamente, muitas vidas. Acrescenta-se a isso o fato de que o alto valor dos transportes convencionais e a falta de oportunidades de emprego obrigam a muitos, numa tentativa de melhor aplicação e aproveitamento de seu limitado capital, a buscar alternativas de conduções para seu deslocamento. O que para os condutores se torna mecanismo de geração de renda, traz para nossas estradas transportes alternativos de péssima qualidade, sem os equipamentos básicos de segurança e que colocam em risco a vida de muitos transeuntes. Fazem-se necessários, portanto, grandes investimentos que visem mudar o cenário de trechos considerados de importância estratégica para incentivar a atividade econômica e a segurança nas rodovias que cortam o Norte de Minas. É mister, aos nossos representantes, elaborar, incentivar e colocar em prática projetos de redes integradas de transporte coletivo urbano, abrangendo a política de integração entre as diversas modalidades de transporte (ferroviária, rodoviária, não motorizados). Noutro vértice, é preciso pensar uma infraestrutura do sistema de mobilidade urbana que contemple a acessibilidade para pessoas com deficiência e restrição de mobilidade, garanta a diversidade das modalidades de transportes, respeitando as características de cada cidade, e priorizando o transporte coletivo sobre o individual, garantindo a qualidade ambiental dos municípios. É preciso que a vida do povo Norte Mineiro esteja verdadeiramente na pauta dos trabalhos de nossos representantes, seja no Legislativo, seja no Executivo. Em síntese, é urgente a definição de uma política de mobilidade urbana sustentável e com acessibilidade universal.
7. MORADIA. Mesmo com os avanços nos últimos anos em termos de políticas públicas habitacionais, o déficit habitacional é, ainda, um drama enfrentado por muitas famílias no Estado de Minas Gerais, principalmente no Norte de Minas. O déficit habitacional não significa somente falta de moradias, mas, também, moradias em condições precárias, nas regiões urbanas e rurais. Outros fatores que correspondem ao déficit habitacional são as famílias que dividem o mesmo domicílio ou residências com adensamento e até famílias que comprometem grande parte de sua renda mensal com aluguel. Não basta somente construir casas sem dar condições necessárias às famílias, em termos de infraestrutura, terreno adequado, saneamento básico, pavimentação das ruas, pontos de ônibus, postos de saúde, sistema de segurança, creches, escolas e outros mais. É importante que todos esses fatores sejam levados em consideração. Para isso, é preciso criar meios eficazes para atender melhor as famílias, considerando a quantidade de membros nas mesmas, com projetos mais amplos que possam oferecer melhores condições para a população mais pobre. Tudo isso só é possível com o compromisso e dedicação dos nossos governantes.
Como disse o Papa Francisco, em seu discurso aos movimentos populares, em julho de 2015, na Bolívia: “Nenhum camponês sem Terra, nenhum Trabalhador sem direitos e nenhuma família sem Teto”.
Essas características do Norte de Minas nos provocam a exortar os Senhores Candidatos: “ESCOLHAM A VIDA!” (cf. Dt 30,19). Ouçam o clamor dos pobres nortemineiros. Uma vez eleitos, não permitam que seus mandatos se tornem espaço para a defesa de um modelo político e econômico que privilegia uma pequena parcela da população em detrimento da maior parte do povo.
Nós, unidos ao Papa Francisco, rezamos “ao Senhor para que nos conceda mais políticos, que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres”
(EG 205).
Montes Claros, 27 de setembro de 2018.
Festa de São Vicente de Paulo.
+ Dom José Alberto Moura, Arcebispo Metropolitano
+ Dom João Justino de Medeiros Silva, Arcebispo Coadjutor
Pe. Adilson Ramos de Melo, Vigário Episcopal para a Ação Social
Pe. Reginaldo Wagner Santos, Coordenador de Pastoral
Pe. Aylton Lopes dos Santos, Coordenador de Pastoral
Maria Claret Martins, Presidente do Conselho Arquidiocesano de Leigos